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Cachorros Magros

Posted by on 15/03/2015

Quando o escritor do século II Pausânias visitou o grande santuário de Olímpia ele observou 69 antigas estátuas de bronze dos vitoriosos nos Jogos Olímpicos do século V a.C. Eles teriam sido monumentos de grande qualidade de autoria de grandes escultores. Em que pese 13 das suas bases terem sido encontradas, nenhum outro traço das esculturas existe. O enciclopedista romano Plínio, o Velho, que dedicou o Livro 34 da sua História Natural ao bronze, relata que havia 3.000 bronzes gregos em Rhodes, e um número semelhante em Atenas, Olímpia e Delfos. […]No total, menos de 30 estátuas em bronze em larga escala e substancialmente intactas sobreviveram da Grécia clássica e helenística.
Retirado do artigo “Legados de Perdas” de Peter Stewart, diretor do Centro de Pesquisas em Arte Clássica da Universidade de Oxford.

Em 3 de julho de 1979, a Casa Branca autorizou secretamente que fosse fornecido apoio a grupos tribais “fundamentalistas” conhecidos como mujaheddin, um programa cuja verba aumentou para mais de $ 500 milhões por ano na forma de armas americanas e outros tipos de assistência. O objetivo era a derrubada do primeiro governo reformista e secular do Afeganistão. Em agosto de 1979, a embaixada dos Estados Unidos em Cabul relatou que os interesses maiores dos Estados Unidos … seriam servidos pela queda do governo do Partido Democrático Popular do Afeganistão, a despeito de quaisquer dificuldades que isso pudesse significar para as futuras reformas econômicas e sociais no Afeganistão. […] Os mujaheddin deram origem à al-Qaeda e ao Estado Islâmico.


Retirado do artigo “Por que a ascensão do fascismo é de novo uma questão premente”, publicado pelo jornalista australiano John Richard Pilger

       Prezados leitores, nesta segunda-feira os apreciadores de arte puderam respirar aliviados depois da fala do diretor de um museu de Bagdá, que garantiu que as estátuas destruídas em um museu em Mosul, no norte do Iraque, eram cópias de gesso dos originais. Mais uma peça pregada pelos extremistas do Estado Islâmico, que pretendem redesenhar o mapa do Oriente Médio. Ainda que essa notícia seja verdade, e não temos no momento como saber, o fato é que todos os distúrbios que vêm ocorrendo na região desde a invasão do Iraque pelos americanos no início do século XXI têm causado imensas perdas ao rico patrimônio cultural da região.

       O Museu Nacional do Iraque foi saqueado em 2003, e foi só depois do ocorrido que os americanos decidiram colocar um tanque para protegê-lo. Os sítios arqueológicos de Ur e da Babilônia foram usados como base militar pelas tropas da coalisão de países ocidentais que invadiram o país naquele ano. Em 2001 os Budas de Bamiyan, esculpidos entre 507 e 554 d.C. no centro do Afeganistão, foram dinamitados a mando do Talibã. Alguns acusar-me-ão de ser injusta com os americanos, pois isso ocorreu antes de sua presença massiva na região. Não podemos esquecer no entanto, que pelas razões retiradas do artigo de John Pilger, o Talibã conquistou o poder no Afeganistão com a ajuda do governo dos Estados Unidos, como uma maneira de solapar a influência soviética no país. A guerra civil na Síria causa estragos consideráveis em Aleppo, cidade ocupada desde o sexto milênio a.C. e cujo centro histórico é patrimônio cultural da humanidade. Os Estados Unidos estão envolvidos nessa guerra por apoiar os rebeldes que querem derrubar o governo de Bashar al-Assad. Na Líbia a deposição realizada com apoio material de europeus e americanos de Muammar Gaddafi, que antes de morrer foi sodomizado publicamente, também causou estragos no patrimônio histórico do país e por sorte o forte romano de Ras Almargeb não foi atingido por ataques da OTAN.

       Mesmo que muitas das imagens que vemos de estátuas sendo quebradas sejam factóides do Estado islâmico para chocar os ocidentais, não há dúvida que os membros passarão nos cobres como dizemos aqui muito do que encontrarem em museus para arrecadarem dinheiro para suas conquistas militares. Aquilo que era público e acessível à população do local ficará nas mãos de colecionadores ao redor do mundo. E o pior é que, mesmo desconsiderando o dedo dos ocidentais na barafunda que o Oriente Médio transformou-se neste século, não podemos considerarmo-nos guardiões fiéis do patrimônio cultural da humanidade. As obras primas de Fídias, Míron, Policleitos, Lisipo e Praxíteles para citar os principais escultores gregos, perdeu-se irremediavelmente nas guerras e na destruição das estátuas para aproveitamento do material. Espanhóis quando subjugaram as populações indígenas do que seria a América Latina destruíram templos e usaram as pedras para erigir igrejas. Um mínimo de perspectiva histórica mostrará a nós, que nos horrorizamos com quebradores de estátuas barbudos, que os ocidentais já fizeram isso antes e atualmente contribuem indiretamente para que outros o façam.

      Prezados leitores, esse meu introito sobre a destruição do patrimônio artístico mundial serve para que eu aborde o assunto do momento no Brasil, as manifestações que reuniram milhares de pessoas em várias cidades brasileiras no dia 15 de março. Assim como recuso-me a atirar pedras nos fanáticos do Estado Islâmico, recuso-me a juntar-me ao coro do fora Dilma. Não estou aqui a dizer que uns e outros sejam íntegros e retos e sejam simples vítimas do imperialismo americano ou do golpismo de reacionários. Só acho que como dizemos coloquialmente, o buraco é mais embaixo.

     Não votei em Dilma porque não sou beneficiada por nenhuma das políticas do PT, Minha Casa Minha Vida, FIES, Bolsa Família, e sou prejudicada pela incompetência do governo na gestão da Petrobrás, da oferta de energia elétrica e das contas públicas. Mas daí a dizer que tirando-a do poder estaremos melhor é altamente duvidoso. Dilma fora não irá mudar em nada nosso presidencialismo de coalizão em que o Presidente fica com todas as responsabilidades e o Congresso fica com todas as armas para fazer chantagens. Não irá mudar a composição do Parlamento, distorcida pela sub-representação dos Estados mais populosos. E principalmente não mudará as opções erradas que fizemos em termos de subordinação dos interesses do capital produtivo aos interesses do capital financeiro. E quanto à diminuição da corrupção, isso só será conseguido se o Judiciário trabalhar sério, sem estrelismos, como temos visto ultimamente, e se cada brasileiro negar-se a corromper e deixar-se corromper.

     Querem transformar a presidente da República em cachorro magro, em que damos uns pontapés, quebramos ao meio ou implodimos como estátuas. Para alguns esses feitos bombásticos têm o condão de fundar uma nova era de paz e prosperidade, livre dos vícios do passado. Cristãos e islâmicos prometerem isso ao longo da história e o resultado foi a perda de riquezas culturais incalculáveis, tanto na Europa quanto nas Américas. Espero que nós brasileiros não estejamos adentrando essa seara tão inútil e tão covarde de perseguir cachorros magros.

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