Definitivamente esperança não é a mesma coisa que otimismo. Não é a convicção de que alguma coisa vai ser boa, mas a certeza de que alguma coisa faz sentido, independentemente do resultado
Vaclav Havel (1936-2011)
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Há motivos para esperança neste fim de ano para o mundo. A morte do ditador norte-coreano King Jong Il pode ser uma oportunidade de um pouco de luz entrar naquele país, uma diminuição nas tensões, isso se as grandes potências que têm interesses estratégicos na região, Japão, Estados Unidos, China e Rússia, deixarem. De qualquer forma, um megalomaníaco a menos na face da terra é sempre uma boa notícia.
Mas neste Montblatt natalino quero falar da esperança definida pelo saudoso Vaclav Havel, a esperança que não é otimismo, que não é simplesmente desejo de que as coisas se revelem boas, independentemente da situação fática, mas a esperança no sentido de ter um conjunto de valores que dão um sentido à existência e ao dar sentido ajuda-nos a melhor lidar com as vicissitudes e as rasteiras que a realidade nos dá.
Ultimamente temos recebido muitas rasteiras. Estamos às voltas com a celeuma toda em torno da atuação do Conselho Nacional de Justiça, se é constitucional ou não. Para nós que pagamos a farra do auxílio-moradia e todas as benesses se não é constitucional é definitivamente moral, mas para os interessados ela infringe a independência do Judiciário, porque o artigo 103-B inciso III da Constituição Cidadã diz que o CNJ pode “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário (…) sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais”. Não nos iludamos: os probos magistrados não estão zelando pela Constituição, a Constituição é um mero amontoado de palavras que adquirem sentido pela iniciativa daqueles encarregados de cumpri-la. “Sem prejuízo” pode denotar alternativa ou adição, ou o CNJ ou os tribunais, um ou outro, ou então pode denotar que a atuação do CNJ deve ser sempre em harmonia com a das corregedorias. O que os Lewandovski, Pelusos e Calmons estão fazendo é demarcar território, disputar poder, delimitar suas áreas de influência. Nessa dança das cadeiras, o roto fala do esfarrapado em nossa República Tupiniquim: os que julgam os juízes privilegiados eles mesmos não têm a ficha limpa, todos se locupletam de alguma forma, recebendo seus proventos na proba aplicação da lei que eles mesmos fazem aprovar para si.
Nesse sentido, se o CNJ tem ou não prerrogativas para coibir a atuação abusiva dos membros do judiciário é uma questão que deveria ser mais bem resolvida no Congresso Nacional, onde poderiam ser estabelecidos mecanismos mais eficazes de controle da magistratura, inclusive por meio da atuação mais enfática do Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Poder Legislativo, cuja prerrogativa de fiscalização está também colocada no mesmo artigo 103-V, inciso II. A realidade é que o sistema atual, se fosse aplicado, poderia render bons resultados ao povo. E aqui entra a esperança de Havel contra o otimismo que ele condenava. O verdadeiro sentido de uma Constituição não é o de servir de verniz democrático e republicano a um grupo de oligarcas que controlam o Estado em seu benefício, mas sim o de ser um instrumento legal a serviço da moralidade e da justiça. Somente imbuídos dessa esperança, e não acalentados pelo otimismo infundado de que as raposas de toga cuidarão bem do galinheiro, é que nós brasileiros poderemos exigir dos poderosos que façam com que a lei seja feita e aplicada de maneira ética.
Outra rasteira recebeu o povo espanhol. Nessa semana o primeiro-ministro eleito Mariano Rajoy escolheu como Ministro da Economia, Luis de Guindos, que até 2008 foi presidente do Lehman Brothers na Espanha. A realidade salta aos olhos é preciso, dizer algo mais? Abstenho-me. A esperança dos espanhóis deve ser a de perceber que estão sendo garroteados por uma república de banqueiros que quer que todos se endividem até não mais poderem e quando a coisa fugir do controle o Estado Mãe ser chamado ao socorro por meio de impostos, arrocho salarial e social em cima de todos, inclusive os que não deviam nada. E ao perceberem se indignarem e tentarem mudar esse estado de coisas indo à luta.
Para não me acusarem de ser pessimista, às vezes há motivos para otimismo e esperança. Recentemente um juiz federal americano Jed Rakoff negou-se a homologar um acordo de leniência entre a Comissão de Valores Mobiliários Americana, a SEC, e o Citigroup, pelo qual em troca de uma módica multa de 285 milhões de dólares o órgão estava disposto a esquecer as alegações de que o banco vendeu títulos hipotecários tóxicos de maneira dolosa e fraudulenta. Um bom negócio para os dois lados aparentemente, pois evitaria-se um processo longo, custoso e incerto à SEC e nenhum dos executivos do Citibank seria declarado culpado aos olhos da lei. E o pato, no caso a multa, seria pago pelos acionistas, que nada tinham a ver com o riscado. Pois bem, Rakoff afirmou que “o poder do judiciário “não é um remédio a ser invocado pelo capricho de um órgão regulador, mesmo com o consentimento do regulado… Se o seu emprego não estiver embasado nos fatos – sólidos, concretos fatos, estabelecidos seja por confissão ou durante dilação probatória – ele não serve nenhum propósito legal nem moral” (livre tradução da escrevinhadora). Assim, nada de conluios, haverá julgamento do caso para que a verdade seja estabelecida. Ufa! Um juiz que sabe por que é juiz e para que devem ser aplicadas as leis!
Amigos do Montblatt, que neste ano do dragão que se aproxima possamos encher-nos de esperança para que um dia sejamos realisticamente otimistas.