Leio no UOL notícias que 60 mil pessoas se reuniram em Brasília para protestar contra a corrupção. Vira e mexe há alguma demonstração no Brasil contra a violência, contra a corrupção. Pombas da paz são soltas, as pessoas cantam e tocam bumbo, fazem uma grande fuzarca que vira manchete nos jornais do dia seguinte. Qual o efeito prático disso tudo? Por acaso nossas práticas políticas, culturais melhoram? Por acaso, as pessoas votam de maneira mais consciente, por acaso deixam de dar pequenos golpes cotidianos para burlar as leis que nos põem canga, por acaso deixam de se idiotizar vendo TV e dando importância desmesurada ao futebol? Por acaso, os mesmos indivíduos que xingam jogadores baladeiros, que pressionam pelo bom comportamento dos seus ídolos, que quebram as instalações do clube se ele vai mal no campeonato exercem o mesmo tipo de controle cotidiano sobre os donos do poder no Brasil?
O que dizer de cada um dos três poderes da República? O vetusto Judiciário exerce sofregamente um grande lobby para ter seus proventos aumentados, e ao mesmo tempo se contenta diante da estatística de que 80% dos inquéritos sobre homicídios dolosos no Brasil não chegam a um culpado, e manda os promotores arquivarem os processos inconclusos para desafogar a justiça e satisfazer as metas de celeridade do Conselho Nacional de Justiça (está em O Globo do domingo, 4 de setembro). Ou seja, a tão propalada faxina na Justiça na verdade não passa muitas vezes de medidas perfunctórias que caem bem em um Balance Scorecard de desempenho que só enfoca números, mas que não têm nenhuma influência sobre a vida de uma família de pretos e pobres que perde seu ente querido e que não terá direito nem a saber quem é o algoz.
O Executivo é o todo poderoso de plantão cujo poder de cobrar impostos tanto nos amedronta. Dona Dilma, na maior cara de pau, diz que é um bom momento para ressuscitar a CPMF. O único problema de sua primeira vida foi que não foi usada na saúde e desta vez claro terá o destino que merece, ser aplicada para cuidar dos doentes. Será verdade? Quando se analisa o que de fato está sendo feito nesse meio – aumento cada vez maior da presença da iniciativa privada na área da saúde, sucateamento deliberado de hospitais públicos, seu loteamento pelas seguradoras de saúde (vide o Hospital das Clínicas em São Paulo), criação de fundações de médicos e profissionais da saúde que nada mais fazem do que usufruir dos equipamentos públicos sem nada dar em troca, vemos que o objetivo da CPMF não será o de contribuir para diminuir as agruras dos diabéticos, hipertensos e outros doentes, mas apenas aumentar o caixa do governo.
Governo este que freqüentemente bate recordes de arrecadação (R$ 90,247 bilhões em julho de acordo com a Receita Federal), aumenta o superávit primário, e nos faz presos aos ditames dos banqueiros: mais superávit, mais pagamento de juros, mais rolagem de dívida, menos investimento naquilo que interessa para tornar o país auto-sustentável e independente. Pelo contrário, o objetivo é tornar o Brasil cada vez mais refém dos financiadores dos políticos: os banqueiros, os grandes grupos econômicos, que são os principais beneficiários das tetas do governo. De um lado se beneficiam diretamente por empréstimos do BNDES ou do PROER, de outro se beneficiam indiretamente pela fraqueza dos órgãos reguladores que pouco fazem para coibir comportamentos anti-concorrenciais, desrespeitos ao Código de Defesa do Consumidor, exercício abusivo de direitos.
Antes e depois das grandes privatizações dos anos 90 o Brasil continua a ser dominado por oligopólios: a Telefônica em São Paulo, um dos produtos da venda de estatais, é uma das campeãs de reclamações no PROCON e continuará sendo por muito tempo, pois o consumidor não tem alternativa de serviço. Argumenta-se que os investimentos em telefonia aumentaram depois das vendas das teles, mas isso poderia ter sido feito pelo próprio Estado se tivesse mantido capacidade de investir. Ao invés disso, vendemos o patrimônio público, e o consumidor é forçado a pagar tarifas escorchantes por luz, telefone, gás e ainda vivemos sob a constante ameaça de apagões e explosões, já que o seu Fernando Henrique Cardoso esqueceu-se de que o objetivo de uma privatização que realmente satisfizesse o interesse público seria atrair investimentos para aumentar a oferta de infraestrutura, e não simplesmente vender empresas a toque de caixa para resolver um problema pontual de combate à inflação que só fez dar aos empresários uma fonte de renda segura na forma das tarifas por serviços que já eram oferecidos antes de elas chegarem ao mercado.
Seria lógico falar agora do Legislativo, supostamente o representante do povo, mas não perderei meu tempo com um local que abriga Tiririca, Renan Calheiros, Paulo Maluf pois nosso Congresso é mera prostituta de bataclã. Cria dificuldades, fazendo-se de virtuosa, ameaçando debandar, para vender facilidades. Seu papel é de chantagear o Executivo e depois abrir-lhe as pernas quando os nobres deputados e senadores conseguem aquilo que querem, verbas e cargos para seus apaniguados e para si próprios. Abrir as pernas e deixar que o Executivo enfie goela ou outro orifício qualquer abaixo as famigeradas Medidas Provisórias.
Assim, nossos Três Poderes são oligárquicos e plutocráticos, servem aos poucos e ricos. Não vejo maneira de mudarmos essa situação seguindo exemplos de fora, especialmente por que tal tendência tem ocorrido nos próprios países centrais, em que a democracia sempre foi mais bem implantada, vide a derrocada dos EUA e União Européia, chafurdando em dívidas impagáveis e desemprego estrutural. Resta-nos somar esforços aqui dentro, para além de meros protestos esporádicos. Deveríamos nos espelhar no comportamento dos fanáticos do futebol que fazem marcação cerrada sobre aqueles cujo desempenham não os satisfazem. Um pouco de espírito corintiano aguerrido, pedras atiradas, carros quebrados, poderia fazer maravilhas para melhorar a qualidade dos nossos políticos, juízes, empresários. Quem sabe o futebol possa ser mais do que uma fonte de perdição e alienação e se torne a fonte de salvação da nossa combalida democracia?