Sonhar com uma Cuba democrática e rica no futuro é algo plenamente possível. Obama pode tentar a sua parte, mas uma mudança só virá quando os ditadores Fidel e Raúl Castro saírem de cena.
Trecho retirado do artigo intitulado “Tudo no seu devido lugar”, publicado na revista Veja de 24 de dezembro sobre a retomada das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba depois de cinco décadas.
Havana, no entanto, representava uma refutação material de toda sua historiografia – da historiografia que sustentou suas políticas e justificou sua ditadura por quarenta e três anos. De acordo com sua versão, Cuba era uma sociedade agrícola pobre, empobrecida pela sua relação de dependência com os Estados Unidos, incapaz de resolver seus problemas sem uma revolução socialista. Uma pequena classe exploradora de intermediários beneficiava-se grandemente da relação neocolonial, mas as massas chafurdavam na pobreza e miséria abjetas.
Trecho retirado do ensaio intitulado “Por que Havana tinha de morrer”, de Theodore Dalrymple, a respeito da negligência deliberada do regime de Fidel Castro em relação à preservação do patrimônio arquitetônico herdado do regime de Fulgêncio Batista.
Prezados leitores, na semana passada eu defendi a idéia de que Lula deveria se aposentar porque já cumpriu seu papel no Brasil e sua volta em 2018 apenas contribui para tornar nossa democracia mias parecida com uma partida de futebol, em vista da polêmica que ele suscita em torno de si. Pois bem, nesta semana enfoco um outro personagem polêmico, Fidel Castro, cujo país, agora sob o comando de seu irmão Raúl, acaba de reatar relações diplomáticas com os Estados Unidos. Antes de mais nada, devo esclarecer que não pretendo, dar uma opinião sobre ele como fiz como nosso ex-presidente, pois seria temerário de minha parte.
De fato, nunca fui a Cuba, nem como turista, não vivi sob o regime castrista como vivi sob o lulismo, o que sei sobre o país é o que leio na imprensa. Dado o caráter altamente ideológico do tratamento dado às notícias caribenhas aqui no Brasil, fica difícil separar o joio de trigo: separar aquilo que é intriga dos partidários dos Estados Unidos, para quem Cuba é um tremendo fracasso, daquilo que é intriga dos partidários de Cuba, para quem a ilha conseguiu sobreviver e progredir diante da potência americana abertamente hostil.
É exatamente por esse motivo que na minha opinião é impossível condenar ou absolver Fidel Castro, chamá-lo de ditador perseguidor de homossexuais ou herói revolucionário. Sua trajetória foi determinada em grande parte por certas circunstâncias históricas, que podem ser resumidas na expressão Guerra Fria. Elas o levaram a tomar algumas decisões, entre elas a de cair nos braços da então União Soviética, já que na década de 50 quem era inimigo dos Estados Unidos era necessariamente amigo dos comunistas. Cuba cumpriu bem seu papel de país-satélite, enviando tropas para países africanos para lutar pela introdução de regimes de esquerda em Angola, Namíbia, Moçambique, Congo, Etiópia e Somália, atuando como a “legião estrangeira soviética”, conforme expressão do jornalista Eric Margolis.
Por outro lado, Cuba sofreu a ira americana por desafiar o regime capitalista no próprio quintal do seu principal guardião. Não há como deixar de especular sobre o que a ilha poderia ter sido se os Estados Unidos tivessem deixado os cubanos em paz. Fidel teria se preocupado tanto com seus inimigos internos se não tivesse havido centenas de tentativas de assassiná-lo por parte da CIA? A situação econômica não seria agora infinitamente melhor se não houvesse o embargo econômico? São questões que obviamente ficarão sem resposta porque a história não permite experimentos e por isso dá margem a tantas versões conflitantes sobre os fatos.
E agora um admirável mundo novo parece que vai se abrir. As empresas americanas, que com certeza tiveram uma influência muito forte na decisão de Obama, poderão oferecer serviços de internet banda larga aos cubanos, carentes de conexão. Para não falar nos investimentos na indústria do turismo, pois aproveitarão as vantagens competitivas da ilha para transformá-la na jóia caribenha. Além das belas praias o fato é que bem ou mal o regime de Castro conseguiu formar uma população saudável e bem-educada que poderá ser aproveitada: expectativa de vida ao nascer de 78,22 anos (73,28 anos no Brasil), taxa de mortalidade infantil de 4,70 por mil bebês nascidos (19,21 por mil bebês nascidos no Brasil), índice de prevalência da AIDS em adultos de 0,1%, menor do que o de muitos países desenvolvidos, acesso a saneamento básico por parte de 92,6% da população, 99,8% dos cubanos alfabetizados, 15 anos de permanência média na escola pelos cubanos.
Aqui cabe a pergunta, dirigida aos habitantes: o que eles querem para seu país? Que ele se transforme em uma nova Cancun, isto é em uma ilha cheia de hotéis cafonas e cassinos, além de comida fast-food e música rap à semelhança de cidades americanas como Las Vegas e Los Angeles? Ser a meca da diversão para turistas, o que incluirá necessariamente sexo e drogas? Quem não se lembra das famosas cenas do filme O Poderoso Chefão, parte dois, em que Michael Corleone vai fazer negócios em Cuba com o ditador Fulgêncio Batista e percebe que a revolução está prestes a eclodir, deixando o país às pressas? O país é apresentando como uma república das bananas em que tudo está à venda, inclusive o próprio Batista, louco por uma mala cheia de dólares. Será que depois de tantas décadas Cuba não conseguirá ser nada mais do que uma versão moderna da jogatina, da corrupção e da prostituição retratados no filme?
Prezados leitores, da mesma maneira que me sinto incapacitada de passar um veredicto sobre Fidel, mais difícil ainda é prever se Cuba um dia vai escapar do destino de ser uma ilha caribenha malemolente. Se de um lado Fidel soube aproveitar-se do papel de vítima dos Estados Unidos para conquistar sua credibilidade interna e externa perante os esquerdistas do mundo inteiro, entre os quais muitos brasileiros, como bem sabemos, não é menos verdade que o Golias do Norte fez de tudo ao seu alcance para aniquilar o Davi, o que incluiu a desastrada tentativa de invasão Baía dos Porcos de 1961. Apesar dos bons indicadores sociais, Cuba está longe de ser um tigre asiático no mar reluzente do Caribe, e descobrir de quem é a culpa é praticamente impossível considerando que a ilha foi um joguete nas mãos tanto dos Estados Unidos quanto da União Soviética. Quando os irmãos Castro se forem definitivamente, só nos resta torcer para que a música continue maravilhosa, conforme descobrimos no filme Buena Vista Social Club, e os cubanos não se tornem meros serviçais em hotéis de propriedade dos gringos. Que Cuba seja livre, mas que essa liberdade não os faça cair na vulgaridade do consumismo e da libertinagem tão ao gosto do modo capitalista de ser atual.