O Brasil surgiu para agradar aos outros, no caso os capitalistas que queriam ganhar dinheiro vendendo o pau-brasil, ouro e demais produtos exóticos para os europeus. Essa sina de agradar, por vir de berço, nos acompanha por toda a história. A escravidão foi organizada para agradar aos homens de negócio, e foi desfeita para agradar aos mesmos homens de negócio; nossa independência foi feita para agradar à Casa de Bragança que via a coroa fugir-lhe da cabeça em Portugal, com as revoluções liberais; o golpe de 64 foi feito para agradar aos americanos e nos colocar como bons meninos coadjuvantes na luta contra o comunismo. Outros países como os Estados Unidos, que se fundaram para lutar contra a opressão de um governo que não representava seus interesses, nasceram para desagradar. Eles são sempre do contra: não seguem o sistema métrico, têm suas próprias normas contábeis, raramente ratificam algum tratado internacional, para não falar do total menosprezo pela ONU, tão bem mostrado na Guerra contra o Iraque. O desagradar para eles é motivo de orgulho, símbolo de sua independência, de sua soberania.
O mesmo ocorre com a China, por razões diversas. O Império do Meio, por se considerar o centro do mundo, nunca deu muita importância ao que ocorria ao redor e por isso se isolou durante muito tempo, contribuindo para seu descompasso econômico e tecnológico com relação ao Ocidente, onde as novidades pululavam. O dragão só despertou mesmo no final do século XX, mas ainda que copie (ou pirateie) tudo o que os países desenvolvidos têm de bom, insiste em se considerar culturalmente superior e não quer nem saber de lições sobre democracia, direitos humanos, desvalorização do ri min bi, etc.
Bem, voltando ao nosso país lindo e trigueiro o fato é que nós brasileiros temos essa constante preocupação com o que os outros, os estrangeiros, vão falar sobre nós. Quando eles nos elogiam isso merece menção na imprensa, comemorações, é motivo suficiente para nos orgulharmos. Quando nos criticam, lamentamos, nos envergonhando pelo papel feio desempenhado lá fora, ou nos enchemos de raiva pela injustiça da crítica. De qualquer maneira nunca ficamos imunes a esse olhar de fora, porque nascemos para satisfazer as necessidades de todos, menos as nossas.
Esses pensamentos me vieram à cabeça nesta semana, quando ouvi um comentário a respeito da conveniência de elegermos a Marina porque ela é respeitada lá fora, da mesma maneira que Fernando Henrique Cardoso o era. De fato, a Marina ganhou prêmios internacionais por sua luta pelo meio ambiente e a cobertura que o jornal francês deu de nossa eleição focou no desempenho extraordinário da “ambientalista”. Mas talvez devêssemos analisar o porquê do entusiasmo dos “outros” por candidatos comprometidos com a causa ambiental, antes de elegermos tal boa imagem internacional como critério de escolha de candidato.
Ora, os países desenvolvidos se industrializaram e enriqueceram às custas de suas florestas. Mas agora o barco está adernando, isto é, a Terra mostra sinais de exaustão do modelo capitalista de exploração econômica, que parte do pressuposto de que os nossos recursos são inesgotáveis, e que poderão sempre alimentar a fornalha do crescimento econômico. Isso faz com que se torne premente a preservação do que resta, mas aqui cabe a pergunta: Quem pagará o preço? Os países desenvolvidos nos ressarcirão com o que deixaremos de ganhar em termos de exploração agrícola das terras antes cobertas por vegetação original? Afinal, a epopéia do cerrado no Brasil mostrou que nossa agricultura pode ser extremamente forte e produzir produtos exportáveis que desafiam a primazia das potências como EUA e União Européia. O setor agrícola brasileiro, embora seja concentrador de renda, é inegavelmente eficiente. Seria absurdo pensar que os europeus estão preocupados tanto com a Mãe Terra porque também querem preservar seu sistema agrícola caro, subsidiado que só beneficia seus próprios cidadãos?
Ao mesmo tempo que o Le Monde fazia salamaleques à Marina, a revista The Economist da semana passada enchia a bola do Lula. Apesar de o artigo apontar que ele deixou de fazer reformas estruturais, no geral o balanço era favorável ao nosso presidente, porque não enveredou pelo populismo econômico que tem sido a praga da América Latina e nos impede de nos desenvolvermos. Enfim o Lula é um contraponto aos rompantes bolivaristas do Hugo Chaves, às diatribes do Evo Morales e à quedinha dos Kischner por um bom calote. Ufa que ilha de racionalidade!
Novamente, aqui é preciso perscrutar as razões profundas: o Fernando Henrique abriu a picada e o Lula seguiu-lhe os passos ao nos colocar na ciranda financeira mundial, deixando o câmbio flutuar ao sabor das idas e vindas dos capitais. Se de um lado isso nos tornou mais confiáveis à banca e possibilitou o controle da inflação, por outro lado esse dinheiro fácil é uma morfina que nos anuvia a visão do descalabro das contas públicas, cujo rombo é financiado com esse dinheiro. O resultado é a falta de investimento em infra-estrutura, desindustrialização e nossa transformação em bons meninos da globalização que têm o papel de se agarrarem à ponta da cauda do cometa China. O único passo em falso do Lula aos olhos dos nossos julgadores internacionais foi com relação ao presidente do Irã, mas talvez ele tenha feito isso só para mostrar aos seus colegas esquerdistas que é de alguma forma independente.
Creio que essa nossa mania de agradar, por fazer parte do nosso DNA, nunca seja de fato extirpada da nossa psiquê, a não ser que nós brasileiros fôssemos bombardeados com uma intensa carga de radiação que modificasse esses genes malditos. Mas não custa sonhar com um dia em que o Brasil faria cortesia aos “outros” ou faria desfeita só quando lhe fosse do seu real interesse, isto é quando fosse para melhorar a vida do povo e não para receber aplausos ou para esconder de si mesmo suas próprias inseguranças.