Tenho um amigo que vira e mexe manda a nós, que fazemos parte de seu grupo de contatos eletrônicos, e-mails com propagandas criativas. Realmente ele escolhe a dedo. Da última vez era um anúncio da Ferrari e da Shell, em que um carro Ferrari vai se tornando cada vez mais moderno e chega às suas feições atuais, à medida que ele percorre as ruas das grandes cidades do mundo. Nosso editor já repetiu aqui no Montblatt muitas vezes, uma imagem vale por mil palavras e as melhores propagandas são aquelas em que o meio e a mensagem se casam perfeitamente, impressionando o espectador de primeira e levando-o ao embasbacamento. Tanto é assim que nem vale a pena descrever em palavras as boas propagandas. Basta ver aquelas da organização ambientalista WWF para saber do que estou falando.
Nesse sentido, talvez elas tenham substituído o papel antes desempenhado pela arte que, na sua vertente pós-moderna muitas vezes e até deliberadamente insiste em se desviar dos cânones tradicionais de beleza para nos fazer desconfortáveis. Basta lembrarmos do neto de Sigmund Freud, Lucian Freud, que morreu há duas semanas. Era considerado um dos maiores pintores do século XX e, no entanto, suas representações femininas estão longe de as mostrarem de maneira favorável. As mulheres de Lucien Freud são patéticas, velhas como bruxas, decrépitas até. Ele pode ter querido passar alguma mensagem com isso, cuja profundeza fez os críticos o considerarem um grande artista, mas convenhamos que para o homem comum a obra de Lucien ou qualquer outro artista de vanguarda é praticamente inacessível.
Daí a onipresença da propaganda na vida das pessoas, que comentam, que riem, que se lembram das mais antológicas: “Denorex, parece mas não é” “Há coisas que o dinheiro não compra, para outras existe Mastercard”. Eu mesma cunhei um adjetivo “Doriana”, que uso no meu linguajar cotidiano, para me referir a famílias felizes, pois lembro sempre de um comercial da margarina em que a família estava toda reunida em volta da mesa saboreando o café da manhã, todos embevecidos uns com os outros, rindo, compartilhando comida e amor. A propaganda ainda se propõe, como a arte antes do modernismo se propunha, a encantar, a fisgar o indivíduo apelando para sentimentos profundos: amor, sexo, poder. Mas aí que mora o perigo da propaganda.
Para além do objetivo de encantar, a propaganda se vale de todos as feitiçarias possíveis para convencer o indivíduo de maneira inapelável a realizar alguma coisa: seja comprar, seja doar dinheiro para alguma ONG ou campanha. Não há meio termo, é pegar ou largar, a eficiência de um anúncio no jornal ou revista, de um comercial na TV é medida por sua capacidade de detonar a resposta imediata, total, de fazer a coisa que os idealizadores querem que seja feita. A propaganda não admite nuances, zonas obscuras, sua mensagem é absoluta: este produto é maravilhoso, inesquecível, imperdível, não há nada a fazer senão comprá-lo e depressa! Infelizmente, tal atividade que deveria ficar restrita à finalidade de vender produtos de consumo, espalhou-se por toda a sociedade e se transformou em um método onipresente de argumentação.
Não é preciso muito esforço para percebermos isso. Discutir idéias hoje em dia está longe de ser uma atividade intelectual, em que as partes em seus embates vão descobrindo novas perspectivas sobre a questão e aprimoram seus próprios pontos de vista. Em uma discussão digna do nome, os interlocutores, mesmo que não tenham conseguido convencer-se mutuamente, saem todos melhores da refrega, seja por terem aprendido coisas com o oponente, seja por terem conseguido defender sua posição e deixado suas ideias mais claras para si próprios. Hoje o que passa por discussão não passa de bordões, de frases bombásticas, lançados com o propósito de chocar aqueles que ainda não se renderam à idéia genial ou de reconfortar aqueles que já concordavam com o autor. Num caso e no outro o único resultado é reforçar preconceitos que nada contribuem para aprimorar os espíritos. A título de exemplo vou me deter sobre dois casos ocorridos nesta semana no Brasil.
A declaração da Sandy de que é possível ter prazer anal reverberou na internet. A “douta” Adriane Galisteu felicitou a virginal Sandy pelo grito de libertação feminina da cantora, antes tão reprimida e agora tendo coragem de entrega-se aos prazeres da carne. Ontem estava no computador e minha mãe assistindo à TV quando ela parou em um programa em que a apresentadora falava triunfante: “O sexo anal é gostoso sim!”, ao que foi fragorosamente aplaudida pela platéia embasbacada. Para que serve esse teatro? Para deixar os evangélicos mais furiosos? Para fazê-los cada vez mais convencidos de que o fim do mundo está próximo? Se é para termos uma discussão séria sobre sexo anal, que leve ao esclarecimento das pessoas, é preciso levar em conta os possíveis efeitos, bons e ruins, sobre a saúde física e psíquica. Mas não, o importante é a fanfarra que traz audiência e deixa os patrocinadores contentes.
Fora do mundo das celebridades, essa influência da propaganda sobre a cabeça das pessoas mostra sua face mais sinistra na política, dominada por marqueteiros que transformam candidatos em sabonete Lux de luxo e pior, transformam o debate político em mera troca de ofensas pessoais. A troco de quê o venerando agora ex-ministro da Defesa chama sua colega de Ministério de fraquinha? Qual o critério que utilizou para qualificá-la, como ele pode embasar sua opinião? O que Ideli Salvatti fez ou deixou de fazer CONCRETAMENTE para receber a bola preta do Nelson Jobim? O que importa para bem do debate público, da democracia brasileira e do povo brasileiro não é a opinião pessoal de fulano sobre sicrano, mas sermos corretamente informados sobre os atos de todo os membros do governo para então podermos cobrar responsabilidade pelo que foi feito ou deixou de ser feito. “Barracos”, fofocas, feitos com objetivo de conseguir algum vantagem ilícita são pura enganação, pura propaganda no que ela tem de pior.
Estamos mergulhados até o pescoço na propaganda. Assim como o computador está enterrando a escrita manual, o modo binário-bipolar do sim/não característicos do mundo da publicidade podem estar marcando o fim do debate racional, cujas sementes forma lançadas lá na Grécia Antiga. Azar o nosso.