Uma das coisas que me levam a perceber que sou de outro tempo é observar as características da nova geração, a dita geração Y, nascida entre os anos 1980 e 2000. Eu consigo observá-los na faculdade, pois a esmagadora maioria dos meus colegas pertence a essa faixa etária, e no trabalho, porque tenho dois funcionários ao redor dos 23 anos de idade.
Para não dizer que sou antiquada, devo dizer que há coisas muito boas a respeito deles. Em primeiro lugar, eles são despidos de muitos dos preconceitos que atormentam as gerações mais velhas. Quando no primeiro ano de faculdade perguntaram-me candidamente quantos anos eu tinha e fui obrigada a responder, não consegui discernir nenhuma reação negativa ao fato de uma mulher de quase 40 anos estar lá estudando direito. A outra única pessoa na minha faixa etária é também uma mulher, médica, que para meu espanto começou a namorar um colega de classe de seus 26 anos e neste ano ficou grávida dele. De novo, não houve entre os membros da classe nenhuma reação do tipo, credo, que mulher louca, namorar um homem tão mais novo! Isso é sem dúvida um alento para as balzaquianas, que ao longo da história foram descartadas à medida que chegavam a uma certa idade em que não serviam para nada: nem para procriar, nem para atrair a atenção sexual dos homens.
Em segundo lugar, a familiaridade que a Geração Y tem com a tecnologia é uma coisa assombrosa, especialmente para mim, que não sou muito afeita a ela. É uma benção ter algum membro dela por perto quando tenho algum pepino computacional na minha frente, eles sempre conseguem resolver o problema por tentativa e erro, por terem já se defrontando com o mesmo problema. E as gambiarras que conseguem na internet? Sites para baixar músicas e vídeos de graça, sites de compras vendendo tênis de marca a preço de banana. Quanto mais a Geração Y fuça, mais ela leva as gravadoras à bancarrota, mais as grandes corporações deste mundo têm que mudar suas estratégias de negócio. Afinal como disse Thomas Friedman, o mundo se tornou plano com a globalização, as antigas hierarquias estão se afundando. A Geração Y percebeu à frente de todos que a internet ao colocar todo mundo em contato a todo tempo com tudo permite uma mudança no poder, pois o que era inacessível e inimaginável se torna presente pelo clique no mouse.
É aí que mora o perigo, na minha opinião, e onde começam minhas divergências com a nova geração. Essa vivência no ambiente da internet leva-os a acreditar que tudo é possível e que todos são iguais, não há para eles hierarquia, não há os que sabem mais e os que sabem menos, não há respeito pelos que sabem mais ou que têm mais experiência. Percebi isso de modo chocante há dois dias quando tínhamos que fazer um seminário de direito civil. Cada grupo cuidou de um tema e era preciso ir à biblioteca da faculdade consultar os livros indicados pelo professor. Nada muito trabalhoso, porque era preciso ler umas 20 páginas na média para falar sobre o assunto. Pois bem, um dos grupos precisava falar sobre risco inerente, adquirido e exagerado da mercadoria ou do serviço para fins de responsabilização civil por dano. Um dos garotos (eram todos homens), começou a falar balbuciando, o outro foi tentar ajudá-lo e na maior autenticidade disse que foi “procurar no Google e para falar a verdade não tinha entendido muito bem o que era risco exagerado.” A classe inteira caiu na gargalhada, e então o terceiro membro do grupo começou a rir do outro e ria tanto que ficou vermelho. Não havendo mais condições de fazerem nada se retiraram.
O pior estava por vir, para minha indignação. Pois para se justificarem da palhaçada disseram que não encontraram os livros na biblioteca, que o tempo era curto, etc. Coitadinhos! Ué, eu pensei, como os outros conseguiram? O professor, um juiz de direito, cuja tarefa é a da juris dictio, isto é dizer o direito, deveria dizer-lhes que deveriam ter se esforçado até por respeito aos outros colegas, que aquela era uma desculpa muito esfarrapada. Mas não, fiel à ideologia onipresente nas universidades desde os anos 60 de que é proibido proibir, ele simplesmente observou que o Google não é a melhor fonte de pesquisa e explicou ele mesmo os três tipos de risco.
E é isso que temos nas universidades atualmente. A Geração Y é considerada como de indivíduos adultos, que têm direito a ser tratados como adultos e a não ser admoestados por professores que pretendem substituir os pais. E assim eles são tratados, mas na verdade o que isso significa na prática é que eles acabam tendo direitos infinitos e podem em todas as instâncias da vida encurtar distâncias como fazem na internet. Por que ter deferência e respeito pelo professor se ele tem os mesmos direitos que eu? Por que ouvir críticas humildemente e tratar de se emendar se todos somos iguais e cada um tem seu lugar no Facebook ou no Twitter? Não, o melhor é levarmos a vida num Suzuki, ao doce vento da brisa que beija e balança, ao sabor das minhas idiossincrasias, das minhas paixões momentâneas. Oras bolas (essa gíria é minha, não sei como os mais novos falarima isso), não estou a fim de estudar. Dou uma enrolada para o professor, invento uma desculpa e me safo. Tão simples quanto enganar a Sony e a EMI Records.
Daí o epíteto que se dá a essa geração, a Geração de Peter Pan, que não quer crescer, não quer se tornar adulta, quer continuar no seu cafofo digital, brincando com seus perfis nas redes sociais, e deixemos para lá responsabilidades, obrigações, que isso é opressor e preconceituoso. Não sei que mundo sairá das mãos da Geração Y, talvez um mundo melhor do que este nosso, quem sabe menos tenso e neurótico? Ou então um mundo mais violento em que as pessoas, por nada lhes ser negado, não saberão lidar de maneira equilibrada com as inevitáveis perdas da vida. De qualquer forma, é um mundo que me espanta muito e me amedronta, eu que fui criada sob outros valores. Bem, o único jeito é esperar os próximos cliques dos Peter Pans.