Assim, na medida em quepude me conter, evitei dar recomendações políticas ou avaliar diferentes ações. (…) Acontece que já estamos fartos de políticas, tratados e financiamentos para o desenvolvimento sustentável. Eles não estão em falta. Então para que mais? A crise, como Kofi Annan advertiu durante anos está a caminho; sabemos o que fazer … mas não fazemos. Por quê? Esse é o território de origem do divergente positivo. Cabe a você determinar a coisa certa a fazer, onde quer que esteja, removendo ou desviando das políticas, orçamentose outros obstáculos que o impeçam de fazer acontecer.
Trecho do livro “O Divergente Positivo – Liderança em Sustentabilidade em um Mundo Perverso”, de Sarah Parkin.
Vivemos um momento de agregação dispersiva, pessoas que vão se agregando em cima de ideais maiores e mais difusos. As pessoas querem ética na política, querem um mundo melhor. Isso possibilita uma agregação, mas que é dispersiva (…) Porque ao estar integradas a estes grandes ideais, as pessoas se dispersam para as suas causas. Isso faz uma dispersão agregadora.Imantadas por este grande ideal as pessoas vão se agregando, uma em torno das outras (…)
Trecho da entrevista de Marina Silva ao jornal Valor em 21 de junho de 2013
Prezados leitores, está chegando a hora de escolhermos nosso candidato a Presidente da República. Para alguns brasileiros será relativamente fácildecidir sobre que número apertar ou não apertar na urna eletrônica, pois o critério será a defesa de seus interesses materiais. Um beneficiário de algum programa de transferência de renda do governo federal votará em Dilma, para não correr o mínimo risco de ter o dinheiro retirado, um fazendeiro de soja no Centro-Oeste com certeza não votará em Marina Silva porque ela não facilitará a vida deles com suas exigências ambientais .Quem como eu não tem uma escolha óbvia, por lhe faltar um candidato que prometa fazer ou continuar a fazer algo que o beneficia diretamente, precisa pautar-se por outros critérios.
Em uma eleição presidencial tendemos a escolher o candidato por seu carisma pessoal, por sua trajetória de vida que de algum modo nos encanta. Nesse sentido, a candidata do PSB é a mais espetacular dentre os candidatos. Venceu a malária, a leishmaniose, a intoxicação por mercúrio, alfabetizou-se aos 16 anos, formou-se historiadora e hoje é uma líder de causas ambientais mundialmente reconhecida. Já em 1996 ela recebeu o Prêmio Ambiental Goldman. Em 2010 a revista Foreign Policy, editada por David Rothkopf, ex diretor presidente da Kissinger Associates, a colocou na lista dos principais pensadores globais.
Como negar que nossa mais famosa ambientalista esteja em sintonia comas novas tendências de pensamento do século XXI? Sarah Parkin, diretora-fundadora do Forum for the Future, a principal entidade beneficentena área do desenvolvimento sustentável do Reino Unido, define o divergente positivo como aquele que não espera nada dos governose resolve agir por si mesmo em prol da sustentabilidade do planeta, assumindo um papel de liderança contra a corrente do conformismo. Repetidas vezes em suas entrevistas Marina fala dos novos atores políticos, que não se identificam com nenhuma organização tradicional,como partido ou sindicato, e querem ser eles mesmos protagonistas, em vez de receberem ordens dos chefes ou seguirem orientações ideológicas predeterminadas.
A tal da agregação dispersiva de que Marina fala parece justamente apontar para uma superação da política feita por meio das instituições consagradas. Em uma entrevista ao Programa Roda Viva em outubro de 2013, a ex-seringueira aventou a possibilidade de as pessoas exercerem fiscalização do que os políticos fazem por meio das mídias sociais. Não é de surpreender que fica difícil categorizá-la ideologicamente. Esquerda ou direita? Seria natural que optássemos pela primeira hipótese, afinal ela entrou na política pelas mãos de Chico Mendes, um líder de seringueiros,filiou-se ao PT em 1985, foi ministra no governo Lula. Por outro lado, considerando que a coordenadora do programa do PSB é Maria Alice Setúbal, pertencente à família dona do Itaú, e que Marina é a favor da independência do Banco Central na condução da política monetária, fica difícil considerá-la como alguém cujasmedidas econômicas desagradariam nossa elite financeira.
Nem esquerda, nem direita, talvez a tal da terceira via, o Santo Graal procurado por todo o político que quer cair nas graças da nova geração, aquela que nasceu depois da Queda do Muro de Berlim e para quem capitalismo, socialismo, comunismo são conceitos que não fazem muito sentido. De fato, Marina é a candidata que mais votos tem entre os eleitores na faixa entre 16 e 24 anos de idade (22%, ante os 14% de Aécio Nevese de Dilma Rousseff). Os conceitos com os quais a candidata trabalha, ética ambiental, sustentabilidade, economia verde são muito mais palatáveis a uma geração que já está acostumada a ouvir falar das mudanças climáticas, do aquecimento global, da necessidade de preservação do meio ambiente para as gerações futuras.
A questão que se coloca é como essas palavras mágicas traduziriam-se na prática no caso de um governo de Marina Silva.Pois se de um lado temos um eleitorado jovem que não quer mais saber dos políticos tradicionais que dão para receber, por outro há eleitores para quem belas palavras não são muito relevantes e precisam de algo tangível. O candidato ao governo do Rio, Anthony Garotinho, distribui enxoval a mulheres grávidas por meio da sua empresa Palavra da Paz. Uma eleitora entrevistada pelo jornal O Globo, Jaqueline Santos, de 29 anos, afirmou que “meu voto será e sempre foi dele, porque ele ajuda as pessoas.” Quem há dejogar a primeira pedra nesta mulher? Afinal, não foi Marx quem disse que a moral é apenas uma racionalização de interesses de classe?A mulher que vota em um político em troca de enxoval é tão interesseira quanto o fazendeiro de soja que vota em um candidato que promete defender o agronegócio ou no lavrador que recebe o Bolsa Família.
Eu diria até que mesmo aqueles eleitores que prezam a sustentabilidade e todas essas coisas bonitas também têm seus próprios interesses mesquinhos. Sâo pessoas urbanas que querem que a Floresta Amazônica seja preservada para que eles possam viver tranquilamente nas cidades, abastecidos pela água das chuvas cujo regime depende tanto do que occore no Norte do Brasil. E é aí que está o perigo de Marina. Camuflar ou negligenciar divisões sociais é com certeza uma boa estratégia para arregimentar votos e ganhar a eleição, mas uma vez no poder, a líder em sustentabilidade, a divergente positiva terá que formular políticas públicas, eleger prioridades, desagradar alguns, negociar com as raposas que com certeza estarão no Congresso Nacional e que preferirão ir direto ao ponto, i.e. o que você tem para me dar e o que eu posso lhe oferecer em vez de perder tempo commasturbações intelectuais, como diria o finado Ministro das Comunicações de Fernando Henrique Cardoso, Sérgio Motta.
Prezados leitores,o melhor a fazer no momento é esperarmos que o programa de governo de Dona Marina Silva seja elaborado e explicitado para que possamos ter uma ideia mais clara do que será o poder exercido de maneira sustentável. Caso continuemos no escuro até as eleições e a divergente positiva seja eleita torçamos para que ela aprenda rápido a transformar belas e vagas ideias em resultados concretos para os brasileiros.