Sempre fui fascinada pelo modo como os apelidos são capazes de enfeixar significados em palavras simples. No colégio eu tinha uma colega a que os meninos tinham dado a alcunha de bozolina (lembram-se do finado Bozo, no SBT?). E de fato ela tinha um cabelo encaracolado e uma franja, cortados de modo a emoldurar a cabeça dela tal qual um capacete, e um andar de pato que lembravam a personagem da TV, tanto que a primeira vez que eu ouvi o apelido eu ri desbragadamente porque era o resumo da ópera.
Dar apelidos para mim é uma espécie de terapia, uma maneira simples, barata e inofensiva de desopilar o fígado. O Diretor de Informática da firma em que trabalho é um sujeito asqueroso, que se derrete para aqueles que têm poder dentro da empresa e ignora solenemente os que não têm poder. Pois bem, eu o chamo, claro que para meus botões, de chupetinha, por ser puxa saco e por ser baixinho. Eu tive uma chefe japonesa que era tão psicopata que poderia ter sido gerente de campo de concentração. Eu a chamava de tição, porque ela era um curto-circuito moral, intelectual e físico.
E para entrar no terreno pessoal, já que o editor do Montblatt nos incitou a falarmos de nossas experiências, eu sempre me refiro ao meu ex-namorado como bananão. O apelido pegou de tal maneira que um dia minha melhor amiga, a quem tanto chorei minhas mágoas, um dia perguntou-me: “Elisa, como chama o bananão mesmo?” E nós caímos juntas na gargalhada. Já que expliquei os outros apelidos devo explicar este, que aliás é mais fácil de ser entendido: meu ex tinha excesso de estrogênio e falta de testosterona, um mal que acomete muitos homens (como os leitores e leitoras do Montblatt sabem, o homem perfeito é aquele que tem testosterona e estrogênio em doses equilibradas). Por ser fisiologicamente dominado por um hormônio tipicamente feminino, ele vivia chorando, tomando florais de Bach e indo à terapeuta, além de ser muito carinhoso. Mas na hora de ter atitudes, de mostrar posições claras, de resistir a pressões de ex namoradas chantagistas emocionais, suas ínfimas quantidades do hormônio masculino impediam-no de agir, e o resultado foi que me magoou profundamente com suas idas e vindas, sua insegurança, seu medo da verdade nua e crua. Por outro lado, dando-lhe o apelido de bananão, eu pude consolidar na minha cabeça que EU NÃO QUERO UM FILHO PARA NINAR EU QUERO UM HOMEM ADULTO (As letras garrafais são para os eventuais pretendentes me escutarem bem).
Mas não são só pessoas que têm apelido. Países, regiões também têm, e suas alcunhas os definem melhor do que mil compêndios de geopolítica e diplomacia. Um nome particularmente irritante para nós latino-americanos é aquele que os americanos dão ao seu país. Eles não o chamam de Estados Unidos, mas de América. América é só eles, o povo escolhido que realizou a promessa do eldorado. Nós não somos América, a epítome do Novo Mundo, somos Latin America, aquela parte do Novo Mundo que não deu muito certo, e que está mais próxima da África do que qualquer outra coisa.
Além de encapsular as características do caráter da pessoa ou da coisa os apelidos cumprem certas funções geopolíticas e econômicas. Vejam o caso do termo BRICS, inventado pela Goldman Sachs para vender os atrativos financeiros do Brasil, China, Índia e Rússia. Emergentes da longa noite do estatismo e da intervenção econômica, na década de 1990 eles estavam prontos para serem oferecidos como investment grade para especuladores dispostos a se arriscar nessas plagas selvagens. Tal nova roupagem permitiu que desembarcassem aqui investidores dispostos a comprar nossos ativos e fazer um bom lucro, o que não significa é claro se lançar na criação de empresas verdadeiramente novas, mas de reciclar o que já havia aqui para seu próprio interesse. Por outro lado, o sorriso Colgate dos investidores desaparece e é substituído pelo olhar apreensivo dos habitantes do hemisfério norte quando eles vêem o desenrolar dos acontecimentos na África do Norte e Oriente Médio e empalidecem ante a perspectiva de uma invasão da Europa e da “América” pelos pobres desesperados. Nesse caso, como só há caos, corrupção e miséria o que era emergente se transforma em Terceiro Mundo. Sob essa perspectiva, a Líbia, apesar de todo seu petróleo, é Terceiro Mundo e precisa ser contida, antes que sua podridão se espalhe aos brancos europeus. Um dos modos de contenção é pagar propina ao seu governo cleptocrata. O primeiro-ministro da Itália, Sílvio Berlusconi celebrou um acordo de 5 bilhões de dólares com a Líbia a título de compensação por transgressões cometidas durante o período colonial, mas cujo objetivo é conter o número de imigrantes a dar com os costados na bota.
E por falar em Europa, se ela forma um bloco único em relação ao Terceiro-Mundo, em seu próprio seio há hierarquias. Os países do sul, banhados pelo Mar Mediterrâneo, eram chamados com bonomia pelos mais setentrionais de Clube Med, lugares bons para tomar sol, divertir-se, relaxar e obviamente não para trabalhar, já que naquelas regiões não há povos industriosos e diligentes como os alemães, holandeses, dinamarqueses, suecos. Mas agora, com a crise que se instalou na Europa, os países que estão devendo tudo e mais um pouco são pejorativamente chamados de PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha), aqueles animais irracionais, incapazes de terem um comportamento frugal, de viverem de acordo com seus próprios recursos, bons para estarem no chiqueiro, no caso mendigando às portas do Banco Central Europeu e do FMI.
Vêem como os apelidos são importantíssimos? Quem não bota apelido em nada e ninguém não consegue entender nem a si mesmo nem o mundo a seu redor. Leitores do Montblatt, neste feriado prolongado, além de se deleitarem com o festival de popozudas, de cantores e cantoras de axé, tratem de arranjar apelidos para tudo e todos! Garanto-lhes que economizarão nas despesas com o psicólogo, o médico e o advogado e de quebra poderão se lançar como articulistas internacionais!