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Envelhecer como?

Posted by on 10/04/2025

Eu uso o que eu tenho de inteligência para ver de longe e do mais alto minha vida, que se torna agora a vida de um outro. […] Minha vida tem contornos menos nítidos. Como acontece frequentemente, é aquilo que eu não fui, talvez, que a define com o maior grau de justiça: bom soldado, mas não um grande homem de guerra, amante da arte, mas não esse artista que Nero considerava ser à sua morte, capaz de cometer crimes, mas não acusado de crimes

Trecho retirado do livro “Memórias de Adriano”, escrito por Marguerite Yourcenar (1903-1987), em que o imperador Adriano (76 d.C.-138 d.C.) escreve uma carta a Marco Aurélio (121 d.C.-180 d.C.), que seria imperador

O turista que se embrenha em um roteiro prazeroso, que o descole da rotina e lhe abra a visão, é beneficiado por uma ebulição nas células que leva justamente à sua regeneração, o que acaba por contribuir para o equilíbrio tanto físico como mental. “Embora o envelhecimento seja irreversível, viajar pode retardá-lo e melhorar nossa saúde geral”, explicou a VEJA Fangli Hu, coordenadora da pesquisa.

Trecho retirado do artigo “Viajar é Viver” publicado na edição da revista VEJA de 4 de abril

    Um homem que subiu no Monte Etna, na Sicília, para apreciar o nascer do sol. Um homem de incansável curiosidade sobre tudo e todos que o impelia a viajar. Um homem que conheceu um moço na Ásia Menor, Antínoo e o fez seu amante tão querido que quando Antínoo morreu afogado no rio Nilo, o homem chorou muito e para consolá-lo seus súditos na Grécia estabeleceram o culto de Antínoo, que se espalhou pelo Oriente e pelo Ocidente. Este era Adriano, o imperador romano que ainda hoje é lembrado não só por seu homossexualismo e sua paixão pela arte e pelas coisas belas em geral, mas por seu legado material, que ainda pode ser visto hoje no Norte da Inglaterra, na fronteira com a Escócia, a Muralha de Adriano, relíquia do tempo em que as fronteiras setentrionais do Império Romano precisavam ser protegidas contra os povos bárbaros.

    Se na semana passada eu ofereci neste meu humilde espaço alguns conselhos tirados dos ensinamentos de Arthur Schopenhauer sobre como tocar a vida da maneira menos dolorosa possível, desta vez minha carteira filosófica tem como item disponível o exemplo do Adriano real e do Adriano personagem criado pela escritora Marguerite Yourcenar em seu livro de ficção, inspirado na vida do imperador romano. Aqui como lá se oferece uma maneira de envelhecer.

    O Adriano das Memórias está perto da morte, a qual veio para ele de maneira lenta e dolorosa. Ele confessa quão terrível é querer a morte e não conseguir obtê-la e ter de passar por um período de agonia. Nesse estado, ele decide escrever uma carta a Marco, a quem ele adotara como filho e que no futuro se tornará o imperador filósofo autor das “Meditações”, que até hoje são fonte de inspiração ética, depois de quase 2.000 anos. O trecho citado na abertura deste artigo dá uma ideia do estado de ânimo do imperador. Desapegando-se da vida, deixando de se sensibilizar pelo mundo que o rodeia, Adriano consegue ter uma visão objetiva da sua existência, justamente porque seu envolvimento emocional com as pessoas e os acontecimentos se torna cada vez menor. Ele percebe que a vida dele é feita de vazios, de muitas coisas que ele não conseguiu fazer, ser um grande chefe militar, ser um grande artista.

    Esse voo do ancião sobre seu percurso na Terra é um traço que caracteriza a idade provecta e faz com que consigamos atingir um nível de sabedoria que nos prepara para a morte. Fazer um balanço das nossas conquistas e fracassos, de maneira desassombrada, faz com que fiquemos em paz e não nos deixemos tomar pelo amargor da frustração. Afinal, o importante, como dizia o velho Frank Sinatra, é poder dizer “I did it my way”: talvez eu não tenha feito tudo aquilo que sonhara quando era jovem e cheio ou cheia de energia, mas isso não é uma grande tragédia, porque cheguei em um ponto em que adquiri um desprendimento das paixões, de modo que nada parece nem muito maravilhoso, nem muito péssimo e ter chegado já por si é uma conquista. Afinal, esse ponto de chegada permite partir para uma visão do alto que mostra tudo em perspectiva, em seu devido contexto, considerando o quadro geral e todos os fatores que contribuíram para aquele estado de coisas.

    O Adriano real, que foi imperador de Roma por 21 anos, passou mais tempo fora da cidade do que lá, na capital do seu vasto império, pois como escreveu o escritor cristão Tertuliano (160 d.C. – 240 d.C.), ele era um explorador de tudo o que havia de interessante, e por isso viajou por todos os cantos dos domínios de Roma, tanto na Europa Ocidental, quanto na Europa Oriental, passando pela Ásia Menor e pela África. E não é que essa curiosidade infinita por conhecer novos lugares e novas culturas é uma boa maneira de tornar o envelhecimento menos penoso?

    O trecho citado na abertura deste artigo faz menção ao efeito fisiológico de viagens, tal como constatado por um estudo realizado pela Universidade Edith Cowan, na Austrália. O contato com outras culturas e lugares desconhecidos, a quebra da rotina, estimula o cérebro a absorver o novo, favorecendo a plasticidade dos neurônios. O prazer advindo dos estímulos sensoriais e da beleza do local mitigam sintomas de depressão e de ansiedade. Portanto, o imperador que ao final da vida pediu para morrer por causa do sofrimento físico por que passava tinha histórias para contar ao seu filho adotivo Marco sobre um mundo de experiências que ele viveu ao colocar o pé na estrada. Experiências que iam além de ideias pré-concebidas e de princípios abstratos encontrados nos livros. Depois de quilômetros rodados, Adriano podia dizer que sua vida, vivida encontrando pessoas, culturas e lugares diferentes, era rica o suficiente para esclarecer o que ele lia nos livros.

    Prezados leitores, Schopenhauer propunha um desapego das paixões como forma de evitar o sofrimento e atingir a felicidade possível nesta vida. O Adriano de Marguerite Yourcenar, inspirado no Adriano que viveu no segundo século da era cristã, propôs como roteiro existencial a eterna curiosidade pelas idiossincrasias do mundo, como a maneira de chegar à velhice sendo capaz de um olhar sobranceiro sobre o percurso feito. Envelhecer como uma águia, sobrevoando com olhar certeiro lá embaixo e focando naquilo que é importante no grande esquema das coisas. Eis mais uma lição filosófica sobre a boa vida.

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