browser icon
You are using an insecure version of your web browser. Please update your browser!
Using an outdated browser makes your computer unsafe. For a safer, faster, more enjoyable user experience, please update your browser today or try a newer browser.

A virtude em todas as coisas

Posted by on 05/03/2025

Confúcio acreditava que o bem-estar de um país dependia do cultivo da moralidade da sua população, a começar da liderança do país. Ele acreditava que os indivíduos poderiam começar a cultivar o sentido abrangente da virtude por meio da ren (misericórdia) e que o passo mais básico para cultivar a ren era a devoção filial – principalmente a devoção aos pais e aos antepassados.

Trecho retirado do artigo “Making Sense of China’s Meteoric Rise”, publicado por Hua Bin e Mike Whitney em 3 de março

Ele considerava que os clérigos deveriam cuidar da sua própria atividade, que era a de pregar virtudes cristãs, não reformas políticas; as virtudes tocam o cerne da matéria, que são as tendências malévolas da natureza humana; as reformas mudam somente as formas superficiais do mal, porque elas não provocam nenhuma mudança na natureza do homem.

Trecho retirado do livro “The Age of Napoleon”, escrito por Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981) sobre as ideias do filósofo irlandês Edmund Burke (1729-1797)

 

O homem superior preocupa-se com a virtude; o homem inferior preocupa-se com a terra

Frase de Confúcio, filósofo chinês (551 a.C.-479 a.C.)

 

    Prezados leitores, tenho um sentimento ambíguo em relação ao Carnaval. Tenho inveja daqueles que podem folgar durante cinco dias seguidos e lembro dos bons tempos em que eu também podia e aproveitava para viajar pelo Brasil. Embalada pela alegria dominante, canto músicas de carnaval que acabei aprendendo de cor ao longo da vida, como “É Hoje”, de Caetano Veloso ou algum samba-enredo que ouvi nos tempos em que meu pai assistia a todos os desfiles do Rio de Janeiro pela TV. Ao mesmo tempo, esses dias de Saturnália me mostram um retrato pouco lisonjeiro de nós brasileiros.

    As pessoas fazem xixi na rua, jogam latas vazias e bitucas de cigarro no chão, destroem lixeiras, cantam no ônibus obrigando os outros passageiros a conviver com barulho em um ambiente que não é de entretenimento. É certo que o carnaval movimenta a economia, dando trabalho temporário a camelôs a postos para vender bebidas e salgadinhos aos foliões que sob o sol escaldante destes tempos de aquecimento nos trópicos estão sempre com sede e com fome. Pergunto-me se o que é gerado em receita de vendas compensa o estrago causado na infraestrutura urbana, em termos de equipamentos públicos estragados e a quantidade de lixo que é produzida.

    Esses foliões que impõem sua presença na cidade dançando, cantando, consumindo e descartando os subprodutos da folia fazem questão de mandar seus recados. Houve muitos que se fantasiaram de Fernanda Torres para homenagear nossa candidata ao Oscar de melhor atriz pelo filme Ainda Estou Aqui, como contraponto ao ex-presidente Jair Bolsonaro, o defensor mais conspícuo da ditadura militar (1964-1985) que torturou e matou o marido da personagem vivida por Fernanda, Eunice Paiva. A mensagem dos foliões ao incorporarem a persona da atriz carioca fica ainda mais enfática considerando que de acordo com a denúncia do Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, o fã do coronel e chefe de centros de tortura Carlos Brilhante Ustra (1932-2015) está sendo acusado de ter tentado dar um golpe de estado depois da sua derrota nas últimas eleições presidenciais.

    Temos então que esses mesmos foliões que emporcalham a cidade e dão trabalho aos garis e demais funcionários da prefeitura são os mesmos que defendem o filme que denuncia as violações de direitos humanos praticadas por agentes do Estado brasileiro. Alguns perguntarão: Qual o problema disso? Afinal não se pode entrar no transe da Saturnália anual e ao mesmo tempo defender as causas justas como a democracia, os direitos humanos e o meio ambiente? Dois expoentes do pensamento conservador, tanto no Ocidente quanto no Oriente diriam que há um grave problema nessa atitude.

    Para Edmund Burke, autor do clássico do pensamento conservador “Reflexões sobre a Revolução na França”, nenhuma revolução política, que implemente qualquer novo regime que seja – a democracia, a ditadura das massas ou a ditadura de um condottiere – ataca o problema central das sociedades, que é a má índole do ser humano. Em qualquer tipo de organização social a cobiça, a inveja, a paixão estarão sempre presentes e conforme o trecho que abre este artigo o melhor que pode ser feito é cultivar as virtudes cristãs para que as pessoas se comportem melhor, isto é, controlem melhor o lado negro da natureza humana. Para Burke esse trabalho de educação nas virtudes deveria ser feito pela Igreja, sem que seus membros se preocupassem em mudar as instituições políticas para tentar resolver as injustiças sociais.

    À mesma conclusão sobre a futilidade de transformações coletivas, sem que houvesse transformações individuais, chegou o filósofo chinês Confúcio muito antes de Burke e de uma maneira que teve um impacto profundo em seu país. O objetivo do homem deve ser praticar a virtude, começando pelo respeito aos pais, e incluindo a reciprocidade, a lealdade, a sabedoria, a coragem, a confiabilidade e a habilidade fruto da educação. A sociedade será próspera, harmônica e pacífica se cada indivíduo procurar aprimorar-se, pois se todas as pessoas tiverem um comportamento adequado certamente isso dará frutos coletivos. Para Confúcio, a principal qualidade de uma pessoa em posição de liderança deve ser a de fazer a coisa certa. Se o líder faz a coisa certa ele estabelece um exemplo que é seguido por todos.

    Para Hua Bin, o autor mencionado no trecho que abre este artigo, o segredo do sucesso da China está na filosofia confuciana. O país que em 1978 tinha um PIB per capita de US$ 225 hoje tem um PIB per capita de US$ 13.445, o que fez com que 800 milhões de chineses deixassem de ser pobres. De acordo com o autor, esse feito, inédito na história mundial, foi conseguido porque a liderança do país não é nem socialista, nem comunista, nem marxista, nem autoritária e nem democrática, ela é confuciana, isto é, cultiva as virtudes que fazem o homem aprimorar-se, num sistema meritocrático em que os melhores são escolhidos para dirigir as organizações. Sob essa ótica, falar que a China é a nação que está na vanguarda das inovações do século XXI porque ela adotou o capitalismo de mercado ou uma economia mista planejada é passar ao largo do cerne da questão, qual seja: a governança do país é boa – há trens que funcionam, há áreas verdes nas cidades, há serviços de saúde que cabem no bolso dos cidadãos, há educação que ensina a ler, a escrever e a pensar, há oportunidades de realização individual – porque os líderes do país são escolhidos entre os melhores, entre aqueles que melhor souberam cultivar a receita de Confúcio do homem virtuoso e o seu exemplo se espalha na sociedade.

    Prezados leitores, Confúcio, defensor da ordem e da harmonia frente ao caos em que se encontrava a China em sua época, é para os chineses e Burke feroz defensor da monarquia, é para os britânicos. Receitas estrangeiras nunca podem ser aplicadas integralmente em locais com cultura e tradições históricas diferentes. Apesar disso, nós brasileiros nos ajudaríamos muito se antes de criticarmos o comportamento dos nossos governantes fizéssemos um autoexame diário e nos perguntássemos o que podemos mudar em nossa vida para contribuirmos para o bom funcionamento da sociedade. Afinal, como ensinaram Burke e Confúcio, a virtude no andar de baixo acaba espalhando-se para o andar de cima e vice-versa, eis o segredo da felicidade das nações.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *