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A virtude do meio

Posted by on 14/02/2025

Este caráter constante da boa direção moral, o fato de que colocar-se no caminho do bem implica um sem fim de atos voluntários, deliberações e opções corretos, equivale a dizer que possuímos as virtudes éticas como fruto de um exercício, de um trabalho tenaz, chamado energeia por Aristóteles

Trecho retirado do livro Aristóteles – O Nascimento da Ética, publicado pela National Geographic

Em conexão com as virtudes morais, ou virtudes de caráter, Aristóteles propõe a teoria da virtude como um meio. Em cada caso pode haver uma deficiência ou um excesso, nenhum dos quais constituindo a conduta correta. A virtude é algo entre os extremos.

Trecho retirado de “Wisdom of the West”, do filósofo e matemático inglês Bertrand Russell (1872-1970) sobre o filósofo Aristóteles (384 a.C-322 a.C.)

A orfandade da educação está também na submissão da lógica assistencial, ao transformar o Bolsa-Escola em Bolsa Família, a Poupança Escola em Pé-de-Meia, o programa de Certificação Federal dos Professores Municipais no programa Pé-de-Meia do Professor. O apoio à promoção automática mesmo sem aprendizado em escolas que atendem alunos de famílias pobres também é prova da orfandade da educação em nome do assistencialismo social, aceitando que a educação de base deve ser desigual conforme a renda da criança.

Trecho retirado do artigo País Órfão, do ex-reitor da OAB, ex-senador, ex-Ministro da Educação Cristovam Buarque (1944-, publicado na revista VEJA de 7 de fevereiro

Não queremos penalizar os estudantes. O Pé-de-Meia é um programa interessante para fortalecer o ensino médio. O Japão, por exemplo, é um país que investe muito nessa etapa do ensino. A Brasil deve trilhar caminho assemelhado, mas há questões financeiras e orçamentárias a serem resolvidas pelo governo federal.

Fala do Ministro Augusto Nardes do Tribunal Contas da União, justificando a aprovação do programa Pé-de-Meia do governo federal no âmbito do Processo: TC 024.312/2024-0

    Prezados leitores, o jeitinho brasileiro sempre dá um jeito! No dia 12 de fevereiro, os doutos Ministros do Tribunal de Contas da União deram um jeito de encaixar o programa de concessão de bolsas para alunos de escolas públicas no ensino médio no orçamento federal, cujo custo anual será de R$ 12,5 bilhões. Em caráter temporário, o programa será custeado com recursos do Fundo de Incentivo à Permanência no Ensino Médio (Fipem), mas o TCU deu 120 dias ao governo para este achar um lugar no orçamento da União em que o Pé-de-Meia caiba definitivamente. O risco de o programa não ser executado por descumprimento da lei de responsabilidade fiscal está descartado. Teremos Pé-de-Meia! Afinal países de Primeiro Mundo como o Japão, conforme o trecho que abre este artigo, investem muito no ensino médio. Para termos o nível de educação dos japoneses, que ocupam o terceiro lugar no ranking do PISA, devemos fazer o mesmo, nós que ocupamos a sexagésima posição, entre 80 países onde foi aplicado o teste da OCDE que mede o desempenho de estudantes em línguas, matemática e ciências. Em suma, mais dinheiro na educação, mais qualidade certo?

    O engraçado é ver países como Mongólia, cujo PIB per capita era de 5.764 dólares em 2023 e o Vietnã (PIB per capital de 4.346 dólares em 2023) ocuparem melhores posições no ranking do PISA do que nós (53ª e 34ª, respectivamente), que tínhamos um PIB per capita de 10.043 dólares em 2023.  Para quem não se lembra, Vietnã é aquele país no Sudeste Asiático, em que os Estados Unidos jogaram napalm e agente desfoliante como armas químicas de guerra. Aparentemente, essas substâncias tóxicas não afetaram sobremaneira o organismo dos vietnamitas e eles têm uma capacidade de aprendizagem melhor que a nossa. O fato é que países muito mais pobres do que o Brasil conseguem resultados educacionais melhores, então nosso déficit de pessoal qualificado não parecer ser fruto de falta de dinheiro, ao contrário do que leva a crer a fala do Ministro Nardes, usada como justificativa para aprovar um programa que não tinha fonte de financiamento definida e portanto violava a Lei de Responsabilidade Fiscal, particularmente seus artigos 16 e 17. Qual será o problema?

    Cristovam Buarque, em seus artigos na revista VEJA, sempre coloca o dedo na ferida da má qualidade da educação brasileira. Dar um salto de qualidade nessa área nunca foi uma prioridade de nenhum governo no país, seja de direita, de esquerda ou de centro. Os governantes batem no peito sobre a educação como artifício retórico, mas na prática fazem pouco por ela, o que é evidenciado pelo fato de que nossa posição nos rankings mundiais de avaliação de alunos fica sempre na zona da turma do fundão, como chamávamos – pelo menos à época em que passei pelos bancos escolares –aqueles que pouco aprendem porque estão distantes do professor na sala de aula e, portanto, mal conseguem ouvi-lo. Conforme o trecho que abre este artigo, as iniciativas governamentais na área vira e mexe descambam para o assistencialismo, isto é, a concessão de dinheiro a pessoas vulneráveis para ajudá-las financeiramente a sobreviver, sem que sua vida seja mudada de forma fundamental pelo estipêndio.

    Ora, perguntarão alguns: O que há de mal no assistencialismo? Por acaso milhões de brasileiros não precisam de ajuda para que não passem necessidades? Por caso não é imprescindível dar uma bolsa aos alunos pobres para que não precisem trabalhar e continuem a estudar? Não é elitismo e preconceito chamar programas sociais de assistencialismo? O que diferencia uma política social boa de uma política social ruim? Aristóteles responderia a esta pergunta dizendo que a virtude está no meio. Explico-me.

    O meio aristotélico é aquele ato voluntário do ser humano que não é nem excessivo nem deficiente, como explica Bertrand Russell no trecho que abre este artigo. Nas situações concretas da vida, decidir corretamente é fazer um esforço constante de achar o meio termo em cada momento em que é necessário tomar uma decisão sobre o fazer. Haverá circunstâncias em que lutar será uma temeridade por levar à morte da pessoa ou a algum dano físico e não lutar será uma covardia porque leva igualmente a pessoa a ser aniquilada pela falta de reação ao seu algoz. Nesse sentido, a coragem enquanto virtude é fruto da ação de um homem virtuoso, isto é, de um homem que tem a capacidade de ponderar os fatos e tomar a boa decisão com base na realidade tal ela se encontra para ele.

    Se aplicarmos essa ética do caminho do meio, a diferença entre política social transformadora e assistencialismo é uma questão de medida. Quanto devemos exigir dos beneficiários de ajuda governamental para que eles deem o devido valor ao que lhes é fornecido? Cumprir alguns poucos requisitos, tal como os coloca o Programa Pé-de-Meia, a saber, ter frequência de pelo menos 80% às aulas e participar do Exame Nacional do Ensino Médio? Será que isso é suficiente para garantir que o aluno não só terá juntado uma poupança ao final do Ensino Médio como terá de fato aprendido os conteúdos necessários? Ou será que é preciso exigir dos beneficiários ter uma certa nota no ENEM para ele ter direito ao valor cheio da bolsa, a saber R$ 9.200,00? Será que a falta de grandes exigências por parte do governo é um conformismo inaceitável com a mediocridade, uma resignação com a impossibilidade de alunos da escola pública realmente aprenderem alguma coisa?

    Prezados leitores, a diferença entre a virtude e o vício é uma questão de sintonia fina, de calibração para evitar os extremos, como ensinou o filósofo de Estagira. Oxalá no Brasil os programas sociais superem esse nível raso de distribuição assistencialista de benefícios e se transformem em instrumentos para um salto na qualidade do nosso capital humano. É só mudarmos alguns detalhes e teremos algo infinitamente melhor. Enquanto isso não acontece, nossos políticos usarão os programas sociais como meios de cooptar eleitores, nada mais e nada menos.

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