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Postura para quê?

Posted by on 24/01/2025

Um dos responsáveis pela boa avaliação de Camilo é o programa Pé-de-Meia, que destina bolsas de estudo a alunos do ensino médio e que já se tornou o quinto maior programa social do governo, com 4 milhões de beneficiados e 12,5 bilhões de reais pagos em 2024. A iniciativa, lançada em 2023, só tem menos recursos do que Bolsa Família, BPC, Seguro-Desemprego e Abono Salarial e supera entre outros, o Auxílio Gás e o Farmácia Popular.

Trecho do artigo “A Estrela Solitária” sobre Camilo Santana, Ministro da Educação, publicado na edição de VEJA de 17 de janeiro

Vivemos em um país de novela. Vivemos em um país de mídias socias/TV a cabo. Em nossa cultura não queremos enfocar questões entediantes sobre política: você quer tomar parte no tipo de guerra cultural infinita que faz com que os eleitores fiquem estimulados. Você não quer enfocar tópicos que exigiriam estudo; você enfoca imagens e questões fáceis de entender que geram reações viscerais instantâneas. Você não ganha esse jogo refletindo profundamente; você ganha simplesmente tomando uma atitude – assumindo uma pose. Seu papel não é o de expor um argumento que possa ajudar o país: seu papel é o de viralizar.

Trecho do artigo “We deserve Pete Hegseth”, de David Brooks, colunista do New York Times, publicado em 15 de janeiro

    Prezados leitores, já assistiram a “Ainda estou aqui”, o filme querido de todos os bem-pensantes do país? Eu já e admito que me emocionei. Não com Fernanda Torres, a ganhadora do Globo de Ouro de melhor atriz em 2025, mas com sua mãe, Fernanda Montenegro, que aparece no final, interpretando Eunice Paiva, já demente. Fernanda Montenegro obviamente não está demente, mas interpreta o velhinho acometido desse mal à perfeição: a boca aberta, o olhar perdido no nada. Ela não precisa dizer uma palavra para expressar o naufrágio intelectual e físico da doença. Parabéns a dona Arlette e se ela não ganhou como melhor atriz em Central do Brasil, tomara que sua filha ganhe, mesmo não merecendo tanto quanto ela.

    Aliás, a indicação do filme ao Oscar nas categorias de melhor filme e melhor filme internacional e de Fernanda Torres ao Oscar de melhor atriz foi manchete nos sites de notícias. Não é de se admirar, considerando que o filme é uma lição de moral contra a direita bolsonarista sobre a ditadura militar. Quem se coloca contra o filme, como o próprio Bolsonaro, que criticou o uso da lei Rouanet para sua realização, é porque está do lado errado, está a favor dos torturadores, da tirania dos militares, dos horrores perpetrados nos porões do poder nas décadas de 60 e 70.

    A ênfase dada à indicação de “Ainda estou aqui” acabou suplantando até a manchete dada à decisão judicial desfavorável ao presidente recém-eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, que havia acabado por decreto com o direito à cidadania americana por qualquer pessoa que nasça em território americano. Um juiz federal de primeira instância considerou tal restrição de direitos inconstitucional e a batalha nos tribunais deverá chegar até a Suprema Corte. De qualquer forma, o fato de Trump ter sofrido uma derrota já é motivo de destaque para aqueles que são contra sua pauta política, que inclui controle da imigração, combate à ideologia identitária, de gênero e de raça e promoção feroz dos interesses dos Estados Unidos.

    Para Peter Brooks, em sua análise da sabatina de Peter Hegseth no Senado americano, citada na abertura deste artigo, os Estados Unidos são um país novelístico. O indicado de Donald Trump ao Ministério da Defesa não apresentou muitos detalhes sobre o que pretende fazer com relação aos desafios que se apresentam no século XXI: uma possível guerra mundial contra países como China, Rússia, Irã e Coreia do Norte, a falta de capacidade industrial dos Estados Unidos, que não mais consegue produzir em quantidade suficiente e em tempo hábil materiais de guerra como munições e armas, a falha do complexo industrial-militar em atender às necessidades do país em termos de poderio bélico para lutar as guerra do século XXI, as quais são diferentes das guerras que os Estados Unidos lutaram após o fim da Segunda Guerra Mundial contra países do Terceiro Mundo, como Vietnã e Iraque, para ficar nos casos mais gritantes.

    Brooks explica que ter ideias claras e viáveis sobre o que fazer para abordar essas diferentes questões não é o importante no país das mídias sociais e da TV a cabo. O importante é ter a atitude certa, a postura certa sobre certos tópicos polêmicos para garantir repercussão e claro, viralização. No caso de Hegseth, sua ideia é acabar com as políticas afirmativas no recrutamento de pessoal para as Forças Armadas dos Estados Unidos: nada de quotas de negros, mulheres, gays, transsexuais e minorias que tais. Esse foi o critério da escolha de Hegseth pelo comandante em chefe: lealdade aos princípios da direita anti-woke, para usar o termo em inglês, cuja epítome é Donald Trump.

    Nesse sentido, o Brasil segue a mesma trilha da ênfase na atitude, na postura em detrimento do conteúdo. Se lá no Norte das Américas quem está no poder é um homem de direita, aqui o presidente é um homem de esquerda, mas a cartilha de procedimentos é a mesma, ditada, lá como aqui, por um eleitorado cativo das mídias sociais. Lula se coloca como o defensor da democracia contra os golpistas de dois anos atrás, o defensor dos pobres, o defensor da justiça social. Para celebrar a derrota dos fascistas que queriam derrubar o governo, Lula promoveu no dia 8 de janeiro uma comemoração reunindo ministros civis, militares e outras autoridades. E para lustrar sua imagem de realizador da justiça social em 2024, o presidente publicou a Lei 14.818, que lança o programa Pé-de-Meia.

    Conforme o trecho que abre este artigo, o Pé-de-Meia consiste em uma bolsa de estudos para alunos do ensino médio. Na prática ocorrem depósitos mensais na conta do estudante que ao final do ciclo escolar pode receber até R$9.600,00. O objetivo oficial do programa é o de “promover a permanência e a conclusão escolar de pessoas matriculadas no ensino médio público”. O aluno terá que comprovar frequência a pelo menos 80% das aulas para fazer jus ao dinheiro e pronto. Não se fala em ter um mínimo de notas, em ter uma pontuação mínima em algum exame federal, nada disso. Basta estar de corpo presente ou ausente nas aulas e ganha-se a mesada. É inegável que o dinheiro fará diferença na vida dos frequentadores do ensino público, mas quanto à educação que receberão, a qualidade deve permanecer a mesma, pois o foco do programa é no comparecimento às aulas, não no aprendizado. A chaga da educação deficiente que compromete a produtividade dos brasileiros e a produção de riqueza continuará, incólume.

   Mas o que importa isso? A distribuição de bilhões de reais dará cacife a Lula e ao Ministro responsável pelo programa, Camilo Santana, para se apresentarem como defensores dos pobres e como justiceiros sociais. Visão estratégica sobre a importância de uma educação que faça diferença na prática, que seja mais do que assinar a lista de presença na aula ou dizer “Presente” para ganhar bolsa não existe, o que existe é postura, é atitude de esquerda politicamente correta para ganhar eleições.

    Prezados leitores, a direita ganha eleições mostrando-se a favor de valores tradicionais, ligados à religião, a esquerda ganha eleições mostrando-se a favor de pautas progressistas que desafiam o “tradição, família e propriedade” em prol de uma nova visão do ser humano. No frigir dos ovos tanto um lado quanto o outro, para ganhar a atenção dos curtidores das redes sociais, só falam do que é retumbante, mas não tratam do que é importante para de fato proporcionar as condições para que os cidadãos tenham a oportunidade de perseguir seus objetivos pessoais e florescer.  Oxalá os eleitores que optam por um ou outro campo um dia tomem consciência disso e exijam explicações, argumentos e políticas mais consistentes, factíveis e que tenham impacto real em suas vidas.

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