“Vindication” então relacionava algumas falhas das mulheres daquela época: a afetação de fraqueza e de timidez, que alimenta e satisfaz a premissa masculina da sua superioridade; o vício nas cartas, na fofoca, na astrologia, na sentimentalidade e no lixo literário; a obsessão com a indumentártia e a autoadmiração.
Trecho retirado do livro “The Age of Napoleon” escrito por Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981), falando sobre as ideias contidas no livro “A Vindication of the Rights of Woman” da escritora e filósofa inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797)
E eu não podia deixar de pensar em seu modo de vida: uma esposa de quarenta anos para a cozinha, uma de quinze para outras coisas… sem dúvida ele tinha uma ou duas esposas de idade intermediária, mas eu me sentia mal em lhe perguntar.
Trecho retirado do livro “Soumission” do escritor francês Michel Houellebecq (1956- ), em que o narrador descreve sua visita à residência de um professor universitário belga convertido ao islamismo
Prezados leitores, em algum ano do século XXI, Mohammed Ben Abbes, o candidato da Federação Muçulmana, é eleito presidente da França no segundo turno com apoio do Partido Socialista. No período imediatamente posterior a sua eleição, a Universidade Paris III (Sorbonne Nouvelle), onde o narrador de Soumission trabalha como professor, é fechada. Depois de algum tempo, a universidade é reaberta sob nova direção, dos sauditas, e passa a chamar-se Paris-Sorbonne. O narrador é desligado e começa a receber uma aposentadoria, que é suficiente para ele viver com um certo conforto.
A situação prossegue assim até que ele é convidado por um professor que atualmente está trabalhando na universidade, Robert Reginger, a visitá-lo em sua casa. O objetivo de Reginger é convencer o narrador a voltar a ensinar na universidade, desde que ele se converta ao Islã. Os argumentos de Reginger em prol da existência de um deus pelo fato de o mundo apresentar evidências de um desenho inteligente não produzem um grande efeito no narrador, que em suas férias forçadas tentara em vão ter contato com o cristianismo visitando a abadia de Ligugé, fundada em 361.
O que o impressiona mesmo no islamismo não é a teologia, mas a poligamia. Conforme o trecho que abre este artigo, o narrador nota que o professor universitário belga tem várias esposas, uma mais velha que cozinha muito bem, como o narrador pôde constatar, uma bem nova para manter acesa a paixão sexual. O narrador fica curioso em saber se Reginger tem outras esposas nem tão novas quanto a de 15 nem tão velhas como a de 40 para satisfazer outras de suas necessidades. Ter acesso a diferentes tipos de mulheres por meio da poligamia é certamente atraente a um homem como o narrador, que vive sozinho e não mais consegue mulheres a não ser pagando.
Esta aí um sucesso dos homens: fazer as mulheres atenderem suas necessidades e institucionalizar isso através da religião, dando-lhe uma pátina moral pelo casamento, seja monogâmico ou poligâmico. No século XVIII na Inglaterra, uma mulher percebeu o modo como os homens conseguem isso moldando a mente das mulheres. Para Mary Wollstonecraft, os homens levam as mulheres, ao privá-las da educação que eles recebiam, a ver-se como brinquedos sexuais antes do casamento e como bibelôs, servas obedientes e máquinas de parir depois do casamento.
Sem educação, as mulheres agem nos limites dos estereótipos cultivados pelos homens para sua satisfação. Conforme o trecho que abre este artigo, elas se mostram fracas e tímidas para reforçar o ego masculino e preenchem a mente com todo tipo de bobagem que as torna incapazes de pensar e de atuar de maneira independente no mundo. Sua única preocupação é a de embelezar-se e admirar-se no espelho, tornando-se assim atraentes o suficiente para fisgar um homem que as sustente e a de agradá-lo o mais longamente possível para que ele continue a sustentá-la.
Mary Wollstonecraft considerava que essas fraquezas das mulheres, tanto do ponto de vista intelectual quanto de conduta, podiam ser resolvidas pela educação. Se às mulheres fosse dada a mesma chance de desenvolver o corpo e o espírito, elas se tornariam fortes fisicamente e competentes intelectualmente para ganharem sua própria vida e assim fugir dos estereótipos de fraqueza física, docilidade e incapacidade mental a que elas eram circunscritas. Enfim, a escritora e filósofa inglesa, que acabou morrendo de parto antes de completar 40 anos, era uma filha do Iluminismo, crente no poder do conhecimento e da razão para resolver os problemas da humanidade. Contra a opressão feminina pelos homens, contra a falta de liberdade das mulheres de gerir seu próprio destino, nada melhor do que colocá-las nas escolas ao lado dos homens.
Considerando que, segundo a revista Forbes, a indústria da beleza movimentou 570 bilhões de dólares em 2023 no mundo todo e que se espera que ela cresça 8,4% ao ano até 2028, não parece que as mulheres tenham abandonado de todo a preocupação em mostrar-se atraentes fisicamente para serem objeto do desejo sexual masculino. Mesmo num país como os Estados Unidos, em que, segundo a mesma revista, 58% dos estudantes universitários são mulheres, as vendas de cosméticos e outros produtos de beleza atingiram 94 bilhões de dólares em 2023. Em suma, a educação tão ardentemente proposta por Mary Wollstonecraft, que mudaria a natureza feminina, talvez tenha simplesmente dado mais poder às mulheres para perseguir seus ideais de beleza. E a astrologia e a fofoca, por acaso desapareceram? Ou foram reciclados nas mídias sociais?
Prezados leitores, talvez o verdadeiro empoderamento não esteja na possibilidade de destruir os estereótipos e construir uma nova mulher, como vislumbrava Mary Wollstonecraft, uma mulher de classe média que tinha condições materiais suficientes para devanear sobre outros mundos possíveis. Talvez o empoderamento seja simplesmente poder escolher entre as várias opções disponíveis. Quem quiser e puder ser símbolo sexual, ok, quem quiser arranjar um bom marido com poder de compra, vá em frente e quem quiser andar com as próprias pernas sempre, correndo o risco de ficar sozinha, sem problemas. Menos problema ainda terá uma mulher que reúna todas essas características. Nesse sentido, o empoderamento feminino serve para que toda e qualquer mulher, independentemente de seu peso, beleza, inteligência, classe social ou caráter moral tenha a oportunidade de perseguir sua própria felicidade no século XXI. A não ser claro, que o livro de Michel Houellebecq se revele uma profecia sinistra…