Segundo as pesquisas, Marçal rouba público de todos os seus adversários, mas o mais penalizado, sem dúvida, é o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que divide com o coach o eleitorado mais à direita, indeciso sobre quem é o efetivo escolhido de Bolsonaro. Ocorre que Marçal também tira votos de Boulos, sobretudo os dos jovens (16-24 anos), público mais afeito às redes sociais. Com a disputa cada vez mais embolada, o psolista passou a correr riscos diante da possibilidade de o coach ultrapassá-lo e ele simplesmente não chegar ao segundo turno.
Trecho retirado do artigo “O perigo da antipolítica” sobre o candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal
[…] não há direitos absolutos; estes são abstrações metafísicas desconhecidas da natureza; há somente desejos, poderes e circunstâncias; […] “A Política deve ajustar-se não a raciocínios humanos [abstratos], mas à natureza humana, da qual a razão é apenas uma parte, e de maneira nenhuma a maior parte.
Trecho retirado do livro “Rousseau and Revolution”, escrito por Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981) sobre Edmund Burke (1729-1797), político e escritor britânico
Jesus não dividiu o pão. Ele multiplicou. E o comunismo é dividir aquilo que a gente tem para idiotizar as pessoas. Eu peço socorro de todos os cristãos dessa cidade, do Estado de São Paulo e do Brasil. Nós precisamos combater essa praga de comunismo.
Trecho da entrevista dada por Pablo Marçal ao programa Roda Viva em 2 de setembro
Prezados leitores, eu devo admitir que sou de um tempo antigo. Já confessei aqui antes que tenho medo de não conseguir me aposentar, agora faço uma nova confissão: tenho medo de que todos os meus paradigmas sejam desafiados pelo admirável mundo novo em que vivemos, de forma que eu me sinta alijada das tendências predominantes. Este medo assaltou-me ao assistir ao programa Roda Viva com o candidato a prefeito de Sâo Paulo, Pablo Marçal. Explico-me.
Às vésperas das eleições eu sempre assisto a pelo menos algumas das entrevistas realizadas pelo Roda Viva com candidatos a cargos executivos. Considero ser útil ouvir o que eles têm a dizer sobre as questões básicas da economia política, entre as quais posso citar as seguintes: qual será o nível de tributação imposto à sociedade? Quais bens públicos serão ofertados à população e em que quantidade? Até que ponto o direito de propriedade será salvaguardado? Em última análise, ao responderem sobre o que farão em termos de política ambiental, cultural, de transportes, de habitação, etc os candidatos propõem uma resposta aos dilemas da economia política, de acordo com sua visão de sociedade. À luz dessa premissa sobre a função das trocas entre o candidato e os jornalistas presentes na bancada do programa, qual seja, que versão de economia política será adotada, eu assisto ao Roda Viva e tiro minhas conclusões sobre em quem votar.
Seguindo minha tradição de tantas eleições nas quais votei, eu decidi escutar o que o Sr. Marçal tinha a dizer aos jornalistas que o inquiriram durante uma hora e meia. O resultado para mim foi um choque e uma constatação. Um choque porque pela primeira vez o programa deixou de servir de parâmetro para eu tomar minha decisão como eleitora. A constatação foi a de que os paradigmas mudaram porque os meios pelos quais os candidatos se comunicam com seu eleitorado mudaram, o que acabou refletindo-se na mensagem veiculada.
Ao longo de todas as interações entre Pablo Marçal e os jornalistas, o fato é que o candidato não respondeu a nenhuma pergunta. Pode-se argumentar que todos os políticos fazem isso para evitar responder a perguntas diretas, cuja resposta os levaria a ter que admitir uma falha de caráter, seja uma mentira, uma inconsistência, uma hipocrisia. O coach nascido em Goiás, que tem 12,8 milhões de seguidores no Instagram e tem um patrimônio declarado de 169 milhões de reais, vai além disso. As perguntas dos jornalistas não são apenas evadidas, elas são reprocessadas e utilizadas para que o candidato cumpra seu objetivo principal, que é o de transmitir suas mensagens, simples e claras, que serão colocadas em vídeos curtos, de alguns segundos, que possam despertar a atenção tão fugidia dos jovens. Jovens estes que, segundo o artigo de VEJA citado na abertura deste artigo, constituem o público que, afeito às redes sociais, é o principal alvo das investidas do goiano contra o eleitorado do atual prefeito, Ricardo Nunes.
Sob a ótica dessa necessidade de criar conteúdo para os tais dos “cortes” marçalinos, não faz sentido perder tempo discorrendo sobre os detalhes de que políticas o candidato executará se for eleito. Isso tomaria mais do que um minuto e a geração de 16-24 anos não tem a atenção suficiente para acompanhar um discurso tradicional sobre as questões de economia política que tradicionalmente fazem parte do rol de assuntos a serem objeto de reflexão e de ação por um político. Daí que Marçal passou o tempo todo cavando oportunidades para inserir as mensagens que formam o cerne da sua filosofia da prosperidade.
A última dessas mensagens, citada na abertura deste artigo, sobre Jesus Cristo não ser comunista porque criava riquezas e não distribuía, é um primor porque ela apela à emoção do ouvinte, aos seus instintos naturais e à índole básica do brasileiro, que é conservadora, no sentido dado ao conservadorismo por Edmund Burke. Para o filósofo político britânico, um elemento básico do conservadorismo era a reverência a uma instituição que não deveria ser mudada se já está embutida na ordem social. Um exemplo de tal instituição era a propriedade, que deveria ser intocada: o proprietário deve poder transmitir aquilo que acumulou, porque assim ele ficará mais estimulado a fazer os esforços para conquistar a riqueza e para Burke a existência da propriedade é o maior estímulo para que as leis não sejam radicais e para que o Estado seja preservado. Quanto mais proprietários houver, mais eles terão interesse em preservar o status quo, pois se beneficiam dele.
Essa função da propriedade no grande esquema das coisas ilustra o modo como a política deve operar sob o ideário conservador: conforme o trecho que abre este artigo, ela não deve se basear em direitos abstratos, mas na natureza humana. O homem quer ter, acumular, satisfazer seus desejos, suas paixões: a manutenção da propriedade serve esses propósitos e assim a principal tarefa política é a de preservá-la. Ou como diz Marçal: Jesus não distribuiu, porque ele não tirou de ninguém, afinal a propriedade é inviolável, e quem vem falar de direitos é comunista. A mensagem é simples: eu, prefeito, vou fazer todos prosperarem porque não vou fazer como os comunistas, que tiram de uns para dar para os outros: o que é de cada um ninguém toca. Ponto final.
Prezados leitores, esqueçam as políticas públicas, esqueçam o que fazer, como fazer e para quem fazer. Há um novo paradigma no século XXI, fruto das redes sociais, que sob certos aspectos, retoma o realismo de filósofos como Edmund Burke, os quais não tinham ilusões sobre a inclinação humana para o bem. Marçal pode não ser um intelectual capaz de debater ideias, mas ele toca na alma de milhões de brasileiros para quem Cristo é rei, mas ao mesmo tempo adorariam ser ricos e ter casa em Orlando, na terra da prosperidade, os Estados Unidos. Tanto um quanto o outro sabiam que a parte racional do homem que pensa e expõe suas ideias pelo discurso é uma ínfima parte em comparação àquela que deseja e que sonha ver seus desejos concretizados.
Adaptando-me aos novos tempos, eu não mais assistirei a entrevistas longas e detalhadas, mas a vídeos no Tik Tok ou no Instagram. Assim, não me sentirei tão antiquada. Em suma, estou seguindo a lição do mestre Marçal: mudando meu mindset. Sugiro que façam o mesmo! Caminhemos juntos, na honrosa companhia de Burke e Marçal, rumo à prosperidade!