O primeiro trabalho de Pareto, Cours d`Economie Politique (1896-97) incluía sua famosa, mas bastante criticada, lei de distribuição da renda, uma fórmula matemática complicada na qual Pareto tentava provar que a distribuição de renda e riqueza na sociedade não é aleatória, havendo um padrão constante ao longo da história, em todas as partes do mundo e em todas as sociedades.
Trecho retirado do verbete da edição de 1974 da Enciclopédia Britânica sobre o economista italiano Vilfredo Pareto (1848-1923)
Como em todos os lugares, a maioria das habilidades estava contida em uma minoria de homens, e levava a uma concentração da riqueza. Normalmente os cantões eram governados por oligarquias, que se comportavam como qualquer classe dirigente. Os patrícios eram generosos mecenas da literatura, da ciência e das artes, mas resistiam a qualquer movimento em direção à ampliação do direito de voto.
Trecho retirado do livro “Rousseau and Revolution”, de Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981), sobre a cidade suíça de Genebra
Elon Musk confirmou que demitiu 80% de toda a força de trabalho do Twitter até agora. O bilionário adquiriu o Twitter em outubro do ano passado e realizou múltiplas rodadas de demissões depois da aquisição da empresa por 44 bilhões de dólares. Em uma entrevista à BBC, no Twitter Spaces ele anunciou que somente 1.500 dos cerca de 8.000 funcionários ainda pertencem ao quadro de funcionários.
Notícia publicada no site de notícias Business Today em 12 de abril de 2023
Prezados leitores, eu já tratei do economista italiano Vilfredo Pareto em dois momentos em setembro de 2022, quando abordei o programa do governo federal PROUNI e fiz-lhe uma crítica à luz do conceito do ótimo de Pareto. No artigo intitulado “Pareto e o PROUNI” eu apontava que subsidiar a formação universitária de brasileiros em universidades privadas sem garantir a qualidade do ensino e sem levar em conta os tipos de conhecimentos necessários para o país dar um salto em seu desenvolvimento não era eficiente do ponto de vista econômico, pois alocava recursos de uma maneira menos rentável do que poderia ser feito. À guisa de beneficiar alguns prejudicava outros, a saber aqueles estudantes que tinham condições de fazer cursos nas áreas de ciências exatas, mas que por não serem tão pobres quanto os beneficiários do PROUNI acabavam sendo preteridos em nome da justiça social, seja por não haver vagas suficientes nas universidades públicas para os alunos de cursos como engenharia, física e matemática, seja porque mesmo os estudantes que entram nesses cursos muitas vezes desistem por não conseguirem se manter como estudantes em tempo integral. Como resultado, temos uma situação em que há milhares de brasileiros que conseguiram cursar a universidade e puderam até conseguir melhores empregos, mas para o país não houve um aumento na produtividade geral do trabalho porque a formação é falha e quem tem mais capacidade não é estimulado como deveria a concretizar o que de melhor pode oferecer, por não ser carente o suficiente para ser enquadrado no PROUNI.
Nesta semana abordarei, um outro princípio de Pareto, chamado 80/20, segundo o qual 80% das consequências resultam de 20% das causas. Essa quantificação resulta de uma constatação do economista italiano que procurou analisar os problemas econômicos utilizando ferramentas matemáticas. Conforme o trecho que abre este artigo, para ele em todas as sociedades e em todos os lugares a renda acaba se concentrando de maneira inevitável e a sociedade acaba dando origem a uma elite que comanda todos e concentra os frutos da atividade econômica para si. E por que há tal concentração? Porque os indivíduos mais talentosos geram a maior parte do crescimento econômico e do esforço criativo humano. A distribuição de Pareto pode ser aplicada às mais diversas áreas da atividade humana. Assim é que apenas uma minoria dos músicos, escritores e pintores que já passaram pela face da Terra são ainda ouvidos, lidos e vistos, enquanto a maioria deles foi jogada na lata de lixo da história; que um pequeno número de produtores de conteúdo no YOUTUBE são seguidos por milhões, enquanto a maioria é seguida no máximo por centenas de pessoas; que um pequeno número de esportistas ganha bilhões em contratos de trabalho e publicidade enquanto a maioria mal e mal consegue sobreviver da profissão e por aí vai.
Querem ver uma aplicação intencional do princípio de Pareto por um empresário? Conforme a notícia que abre este artigo, quando adquiriu o Twitter em 2022, Elon Musk demitiu 80% dos funcionários porque sabia que se ele ficasse com os 20% melhores ele conseguiria fazer a organização funcionar da mesma maneira a um custo muito menor. À época o empresário foi criticado por essa medida drástica, mas por enquanto ela não parece estar prejudicando o agora X, que continua firme e forte como a praça pública do mundo digital e globalizado. Quanto aos funcionários que foram demitidos, em 11 de julho um juiz federal da Califórnia nos Estados Unidos rejeitou uma ação que pleiteava indenização de 500 milhões de dólares por causa das demissões em massa realizadas pelo bilionário sul-africano naturalizado americano, que aplica a distribuição de Pareto à risca para aumentar seus lucros.
Se de um lado Pareto constatava a inevitabilidade da concentração de renda devido ao fato de que um pequeno grupo de pessoas é responsável por praticamente toda a produção material e intelectual de valor, de outro ele achava que a elite que surge dessa diferença de talentos deve tentar manter a ordem social para que seu domínio seja eficiente, isto é para que as desigualdades econômicas não levem à revolta dos desfavorecidos e à violência. Foi o que ocorreu em Genebra no século XVIII, conforme explicam Will e Ariel Durant no capítulo sobre a Suíça às vésperas da Revolução Francesa, citado na abertura deste artigo. A cidade era dominada por uma oligarquia que havia enriquecido por conta da capacidade de seus membros, mas ela acabou, por seu próprio sucesso, entrincheirando-se no poder e agiu para mantê-lo sem concorrência. Na prática isso significou negar o voto, negar o acesso às profissões liberais, aos cargos no exército e à posição de mestre nas guildas aos chamados natifs, que eram nascidos em Genebra mas filhos de estrangeiros e que constituíam ¾ da população. Em 1782 os natifs se revoltaram e estabeleceram um governo representativo, mas o patriciado local conseguiu debelar a rebelião. Direitos iguais para todos só vieram em 19 de março de 1798, quando a Revolução Francesa cruzou a fronteira e os privilégios de cantão, de classe ou de pessoa foram abolidos, fazendo dos suíços iguais perante a lei da República Helvética Uma e Indivisível. E assim evitou-se uma nova rebelião e o derramamento de sangue.
Prezados leitores, se o princípio de Pareto cria riqueza mas leva à desigualdade, o que fazer para manter a ordem social e evitar violência? Como fazer distribuição de renda de forma que o talento continue a florescer? Como premiar o mérito nem tanto que o leve a gozar de privilégios cada vez maiores e mais concentrados e nem tão pouco que o desestimule e torne a sociedade menos produtiva, o que no longo prazo acaba prejudicando todos? Como evitar que a elite apenas reproduza privilégios herdados de antepassados que fizeram por merecer? Nos séculos XVIII e XIX houve a expansão dos direitos políticos. No século XX houve a expansão dos direitos sociais. O que deverá ser feito pela elite governante no século XXI para aplacar o rancor que os menos talentosos em relação àqueles que levam as batatas, como diria Machado de Assis? Serão os direitos políticos e sociais suficientes ou os ocupantes da parte de baixo da tabela se sentirão sempre injustiçados? Vejamos, e enquanto isso conformemo-nos que o 80/20 de Pareto é infalível.