Essa sociedade era brilhante porque as mulheres constituíam a vida dela. Elas eram as divindades que a sociedade adorava, e elas davam seu tom. De alguma forma, a despeito dos costumes e dos obstáculos, elas adquiriram educação suficiente para conversar de maneira inteligente com os gigantes intelectuais que elas adoravam entreter. Elas rivalizavam com os homens no comparecimento às palestras de cientistas. À medida que os homens viviam menos no campo, mais na capital e na corte, eles se tornaram extremamente sensíveis aos charmes inefáveis das mulheres – a graça dos movimentos, a melodia da voz, a vivacidade de espírito, o brilho dos olhos, a delicadeza do tato, a ternura da solicitude, a bondade da alma.
Trecho retirado do livro “A Era de Voltaire”, escrito por (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981) sobre os salões organizados por mulheres na primeira metade do século XVIII na França
As mulheres nos acostumam a discutir os assuntos mais áridos e espinhosos com charme e clareza. Falamos com elas sem parar; queremos que elas nos escutem; temos medo de cansá-las ou aborrecê-las. Assim, desenvolvemos um método particular de explicarmo-nos de maneira fácil, e esse método passa da conversa para o estilo.
Trecho retirado do livro “Diálogos” do escritor e filósofo francês Denis Diderot (1713-1784)
Nunca ocorreu aos chineses, como é o caso de todas as nações modernas compostas de brancos, de ter um sistema ético na teoria e outro na prática. Não quero dizer que eles sempre façam jus às suas próprias teorias, mas que eles tentam fazê-lo e espera-se deles que o façam, ao passo que há grandes partes da ética cristã que todos admitem ser boas demais para este mundo perverso. […] Espera-se [na China] que um homem respeite seus pais, seja bondoso com seus filhos, generoso com seus parentes pobres e cortês com todos. Essas obrigações não são muito difíceis de serem cumpridas, e o resultado talvez seja melhor do que aquele do nosso padrão mais alto, o qual a maioria das pessoas não consegue atingir.
Trecho retirado de “Ideais de Felicidade Ocidentais e Orientais” do filósofo britânico Bertrand Russell (1872-1970), incluído em “Ensaios Céticos”, publicado em 1928
Autocontrole moral e proibições externas de atos danosos não são métodos adequados de lidar com nossos instintos anárquicos. A razão pela qual são inadequados é que tais instintos são capazes de muitos disfarces como o Diabo das lendas medievais e alguns desses disfarces enganam mesmo os eleitos. O único método adequado é o de descobrir quais são as necessidades da nossa natureza instintiva e então procurar a maneira menos prejudicial possível de satisfazê-las.
Trecho retirado de “As Máquinas e as Emoções” do filósofo britânico Bertrand Russell (1872-1970), incluído em “Ensaios Céticos”, publicado em 1928
Prezados leitores, na semana passada, ao explicar a figura das Moiras na mitologia grega, eu mencionei o destino infeliz do povo palestino, que tudo leva a crer será como o dos peles-vermelhas dos Estados Unidos, que viraram peça de museu. Não vou aqui me juntar ao coro dos analistas que estão explicando a nós as origens históricas do conflito, pois não tenho nada de mais criativo a dizer que já não tenham dito sobre o porquê de árabes e judeus brigarem. Vou simplesmente aventar uma teoria, a de que a convivência seria mais pacífica se as mulheres tivessem uma voz mais ativa nas respectivas sociedades, coisa que elas definitivamente não têm no mundo árabe e estão perdendo em Israel, que cada vez é mais politicamente dominado por judeus ortodoxos, como mostra a coalizão de extrema-direita que governa agora o país, sob a liderança de Benjamim Netanyahu. E para corroborar minha teoria, vou dar-lhes um exemplo de período histórico em que as mulheres reinavam, qual seja a primeira metade do século XVIII na França, especificamente em Paris, a cidade dos “salons”.
Os salons eram reuniões de personalidades do mundo da arte, da literatura e da política na casa de alguma mulher da sociedade, entre as quais podemos citar Claudine Alexandrine de Tencin (1681-1749), mãe do filósofo Jean Le Rond d´Alembert (1717-1783), Marie Thérèse Rodet Geoffrin (1699-1777) e Marie de Vichy-Chamrond Du Deffand (1697-1780). Conforme explica o trecho que abre este artigo, eram mulheres suficientemente educadas e de fino trato para oferecer lautos jantares e no entrementes manter discussões com Fontenelle, Montesquieu, Marivaux, Prévost, Helvétius, Astruc, Marmontel, Hénault, Duclos, Mably, Condorcet, Voltaire e até o Conde de Chesterfield, já mencionado anteriormente neste humilde espaço quando tratei da origem dos preceitos morais. Falava-se de tudo nessas reuniões: dos escândalos na corte, das novidades políticas, das fofocas sobre gente importante, mas também dos recentes lançamentos literários, das peças de teatro então encenadas e das ideias que pululavam com o fim do garrote intelectual da Igreja Católica, que fazia cada vez menos a cabeça das elites.
A vantagem desses salons, em que as mulheres ditavam as regras de como proceder e os objetos de discussão, é que eles permitiam a homens que estavam se tornando cada vez mais citadinos e que passavam cada vez menos tempo no campo a realizar atividades masculinas, como a caça e a guerra, a tornarem-se mais civilizados. Isso significava estabelecer a polidez e a cortesia como princípio geral da vida em sociedade, seja para disputar com outros homens a respeito de ideias, seja para relacionar-se na corte em Versalhes. O filósofo Diderot, conforme o trecho que abre este artigo, explica a influência feminina sobre os homens sob o ponto de vista do funcionamento mental: à guisa de explicar às mulheres suas geniais teorias de maneira que pudessem se fazer entender e ser admirados por elas, eles se esforçavam em ser claros e simples, e isso acabava refletido no modo como escreviam.
Assim é que o século XVIII na França ficou conhecido pela cortesia predominante e tal estado de coisas só foi suplantado com a Revolução em 1789, quando as mulheres saíram de cena, como observou a pintora Élisabeth Vigée-Lebrun (1755-1842), violentamente afastadas por homens fanáticos, que mataram milhões em nome de suas ideologias e iniciaram um ciclo de guerras que duraria até a queda definitiva de Napoleão, em 1821. Tanto assim que o filósofo Bertrand Russell, no ensaio “Ideais de Felicidade Ocidentais e Orientais” afirma que a China praticava a polidez no século XX, como se fazia na Europa no século XVIII.
A respeito dessa característica chinesa, Russell não a associa à influência feminina, mas à de Confúcio (551 a.C.-479 a.C.). E essa ênfase na cortesia tem um aspecto positivo explicado pelo filósofo em seu ensaio. Ela revela uma moral mais prática e menos ambiciosa do que a moral cristã, predominante no Ocidente. O princípio básico dos ensinamentos de Jesus Cristo é o de amar aos outros como a si mesmo e que todo conflito deve ser evitado. Mas tal preceito foi raramente aplicado no Ocidente, como podemos ver pelo histórico de guerras em que os países deste lado do mundo se envolveram. Conforme explica o trecho que abre este artigo, os países cristãos adotam na teoria um código de ética da não violência e do amor ao próximo que na prática é letra morta, ao passo que os chineses adotaram, sob a influência de Confúcio, um código de ética mais fácil de ser concretizado porque não pede muito de cada um, ao contrário do ideal cristão: basta que o indivíduo trate a todos com respeito e polidez e ele já terá cumprido suas obrigações e já terá tido um impacto positivo sobre a sociedade.
Para Russell, o perigo de uma ética sublime, mas de difícil execução, considerando a natureza humana, é que ela se manifesta de qualquer jeito, pois é instintiva. Conforme ele explica em “As Máquinas e as Emoções”, ao não reconhecermos a nossa propensão à anarquia e reprimi-la sob a inspiração de um ideal de conduta inexequível na maior parte das vezes, é que a mente humana acaba encontrando maneiras de dar vazão a ela sob os mais variados disfarces de racionalização. Russell refletia nos “Ensaios Céticos” sobre a Primeira Guerra Mundial, mas sua análise pode ser aplicada ao choque de civilizações que se prenuncia em pleno século XXI entre as religiões abraâmicas, o cristianismo, o judaísmo e o islamismo, que se arvoram cada uma como a religião do Deus único e por isso apresentam-se como proponentes da verdade, trazendo em seu bojo a violência que penetra insidiosamente sob o disfarce das proposições metafísicas.
Prezados leitores, oxalá que a ideia de organizar soirées regada a vinho, a conversas inteligentes e a disputas nos limites da decência, venha à cabeça de alguma mulher distinguée em algum possível palco da guerra que se anuncia neste ano de 2023. Ela prestaria um grande serviço à humanidade se distraíssem com comida, bebida e espirituosidade os fanáticos que hoje reinam.