[…] “hábitos trabalham de maneira mais constante e com maior facilidade do que a razão, a qual, quando mais precisamos dela, raramente é consultada de maneira adequada e ainda mais raramente obedecida.”
A questão da educação não é fazer os jovens perfeitos em nenhuma das ciências, mas abrir a mente deles e torná-la apta da melhor maneira para fazer com que ela seja capaz de dedicar-se a alguma ciência, quando os jovens a ela se dedicarem.
Nada faz isso melhor do que a matemática, que dessa maneira penso que deva ser ensinada a todos aqueles que têm o tempo e a oportunidade, não tanto para fazê-los matemáticos como para fazê-los criaturas racionais.
Trechos do livro do filósofo inglês John Locke (1632-1704) retiradas do seu livro “Algumas Reflexões sobre a Educação” de 1693, citados na obra “A Era de Luís XIV”, escrita por Will Durant (1885-1981) e Ariel Durant (1898-1981)
Estudos realizados no Brasil e no exterior sugerem que o letramento e outras atividades apreendidas na escola promovem alteração anatômica e funcional do cérebro. Elas estimulariam a formação de conexões entre neurônios e aumentariam a densidade das fibras que transferem informações entre as regiões cerebrais. O neurocientista Yakov Stern, da Universidade Columbia nos Estados Unidos, chamou essa conectividade incrementada do cérebro de reserva cognitiva.
Trecho retirado do artigo “O Peso da Demência”, publicado na revista Pesquisa da FAPESP de julho de 2023
Há um certo fatalismo de que a perda da janela demográfica vai levar à redução de geração de renda. É uma visão dos anos 1980. Isso mudou completamente com a tecnologia, a geração de renda em intangíveis, e novas formas de gerar riqueza.
Trecho de entrevista do economista Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco, ao jornal O Globo em 23 de julho
Prezados leitores, na semana passada abordei a educação sofística, cujo objetivo era preparar os cidadãos para a vida política na Atenas democrática. Falei de Protágoras, de seu pragmatismo e de seu relativismo, contrapondo-o a Sócrates, que fugia das discussões nas assembleias por considerá-las pouco propícias à busca da verdade. Nesta semana, tratarei da educação para o enfrentamento de um problema do século XXI, que adquirirá contornos dramáticos no Brasil, o envelhecimento acelerado da população. Para tanto, vou me valer das contribuições pedagógicas do filósofo John Locke, que de acordo com “A Era de Luís XIV”, tiveram grande influência na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Para Locke, a educação, compreendendo as esferas física, mental e moral, deveria consistir em uma disciplina em prol da virtude. Era preciso cultivar a virtude por meio do controle dos desejos, e a predominância da razão sobre a emoção só se tornaria uma realidade pela repetição de ações virtuosas que inculcassem hábitos no indivíduo que lhe moldassem o caráter. De fato, conforme o trecho que abre este artigo, criar hábitos é muito mais eficaz para garantir que certas coisas sejam feitas do que recorrer ao comando esporádico da razão, que não é digna de confiança quando confrontada às nossas paixões e no mais das vezes rende-se a ela.
Considerando as três dimensões da educação, hábitos físicos consistiriam em exercícios ao ar livre, abstinência de bebidas alcoólicas, sono suficiente, uma vida frugal que fizessem com que o corpo mantivesse o vigor e a disposição. Hábitos mentais consistiriam na prática do raciocínio matemático de maneira que o indivíduo aprendesse a pensar e assim tivesse condições de continuar aprendendo sempre, independentemente do campo de estudos a que se dedicasse. Finalmente hábitos morais consistiriam na prática do autocontrole que permitisse ao indivíduo enfrentar as vicissitudes da vida sem se desesperar.
Em suma, a receita de John Locke era o comedimento no comer e beber, a movimentação do corpo, o uso da mente para raciocinar sempre e assim conseguir ter uma mente sã em um corpo são, livres dos excessos daqueles que não cultivam os bons hábitos. É nesse ponto que a lição de Locke pode ser transplantada 430 anos no futuro para podermos responder à pergunta crucial para um país como o Brasil que, de acordo com informações dadas pelo neurologista Paulo Caramelli da Universidade Federal de Minas Gerais à revista da FAPESP, em pouco mais de 20 anos terá dobrado a população de idosos, algo que um país como a França demorou 150 anos para atingir. Diante desse envelhecimento galopante do povo brasileiro, como será possível que o Brasil tenha alguma esperança de conseguir atingir crescimento sustentável e assim melhorar o nível de vida da população? Como envelhecer bem, isto é, sem doenças graves e permanecendo produtivo, isto é, continuando a contribuir para a economia do país?
A resposta está na pedagogia liberal de John Locke. Afinal, os bons hábitos do filósofo inglês não têm como produto necessário a reserva cognitiva de que fala o neurocientista Yakov Stern, que nada mais é do que uma rede bem conectada de neurônios criada pelo uso constante da mente e por hábitos saudáveis que evitam males como a hipertensão, a obesidade e o diabetes, os quais prejudicam a vascularização cerebral? A chave no Brasil é impedir que o idoso se transforme em um demente e para isso é preciso criar essa reserva cognitiva que permite que o cérebro se torne mais resiliente face às intempéries da idade provecta. Só assim a perda do nosso bônus demográfico, quando o Brasil tinha uma maioria relativa da população em idade para trabalhar, não se transformará em uma tragédia, condenando uma parcela do povo a ser doente, dependente e improdutiva.
Prezados leitores, seguindo a velha receita do século XVII em prol da nossa poupança mental, vejamos o envelhecimento da população sob a ótica positiva de Ricardo Henriques, citado na abertura deste artigo: ele poderá ser uma oportunidade de mudarmos os paradigmas econômicos, se conseguirmos estender a vida produtiva das pessoas, permitindo a elas se reinventarem continuamente ao longo da maratona de 5.000 metros em que se transformou a vida dos seres humanos no século XXI.