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A civilidade democrática do Perdeu Mané

Posted by on 30/12/2022

[…] nós submetemos nossa conduta à autoridade democrática somente na medida necessária para compartilhar de maneira equitativa as imperfeições inevitáveis de um sistema constitucional. A aceitação dessas dificuldades é o simples reconhecimento e a disposição de trabalhar nos limites impostos pelas circunstâncias da vida humana. Em vista disso, temos uma obrigação natural de civilidade de não invocar as falhas dos arranjos sociais como uma desculpa muito fácil para não os cumprir, ou para explorar as brechas inevitáveis nas regras de maneira a avançar nossos interesses. O dever de civilidade impõe a devida aceitação dos defeitos das instituições e um certo comedimento em tirar vantagem deles.

Trecho retirado do livro “Uma Teoria da Justiça” de John Rawls, filósofo político americano (1921-2002)

No procedimento ideal a decisão tomada não é um compromisso, uma barganha feita pelas partes contrárias que tentam fazer valer seus interesses. A discussão legislativa deve ser concebida não como uma disputa entre interesses, mas como uma tentativa de encontrar a melhor política, conforme definida pelos princípios de justiça.

Trecho retirado do livro “Uma Teoria da Justiça” de John Rawls, filósofo político americano (1921-2002)

Perdeu, mané, não amola

Frase dita em 15 de novembro pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, ao ser abordado por uma pessoa em Nova York que o questionou sobre o código-fonte das urnas eletrônicas

 

    Prezados leitores, proponho-me nesta semana um desafio: dar um sentido positivo à frase curta e grossa que Luís Roberto Barroso soltou no calor da hora contra o bolsonarista que veio a ele com perguntas que implicitamente colocavam a lisura das eleições presidenciais de 2022 em cheque. Não sem razão aqueles que votaram no candidato perdedor viram na caracterização dos bolsonaristas como manés mais uma evidência da imparcialidade, do preconceito e do despreparo dos ministros da nossa mais alta corte de justiça, que desprezam uma parte do eleitorado brasileiro e mostram isso dando-lhes apelidos chulos.

    Sem dúvida Luís Roberto Barroso ganha suficientemente bem para lidar com os ossos do ofício de tomar decisões que acabam tendo implicações políticas, como ocorre em uma corte encarregada da última palavra sobre o que quer dizer nossa Constituição. Nesse sentido, ele deveria ter uma casca mais grossa e lidar melhor com as críticas dos insatisfeitos com o conteúdo jurídico produzido pelo STF. Por outro lado, a frase de Barroso resume uma das características essenciais do regime democrático, de acordo com a lição de John Rawls mencionada acima, parte do capítulo sobre a regra da maioria. É esse elemento-chave que tentarei explicar neste humilde artigo.

    A regra da maioria não é um princípio escolhido pelos membros da sociedade na posição original de elaboração do contrato social, e por uma razão óbvia: nessa situação os indivíduos não sabem que posição ocuparão na sociedade, que valores e metas terão. Assim, não sabem se pertencerão à minoria ou à maioria. O que eles escolhem são os princípios de justiça: liberdades fundamentais, igualdade de oportunidades, a ordem de que qualquer medida que favoreça os mais afortunados deve também trazer alguma vantagem aos menos afortunados. Tais princípios permitem que, independentemente das vantagens ou desvantagens materiais de que desfrutem ou sofram na prática, todos os membros da sociedade terão uma chance razoável de atingir suas metas e concretizar seus valores em virtude da estrutura institucional que tais princípios viabilizam.

    A regra da maioria é uma regra procedimental, introduzida já depois que os princípios de justiça são estabelecidos e ela só pode ser seguida no âmbito das liberdades garantidas por tais princípios, jamais em oposição a elas. O objetivo da regra é oferecer um critério para a tomada de decisões legislativas. Num mundo ideal, os legisladores se reuniriam e decidiriam sobre as políticas públicas de acordo com os princípios de justiça que embasam o sistema. A prática nem sempre é assim.

    De fato, os representantes eleitos pelo povo têm um conhecimento parcial sobre os assuntos que são objeto de deliberação, e conforme explica o trecho que abre este artigo, eles têm seus interesses particulares. Daí que muitas vezes chegam a decisões pela barganha em torno das suas respectivas prioridades. Um cede de cá, outro cede de lá e chega-se a um consenso forjado não pelo diálogo entre pessoas que procuram enriquecer sua experiência e seus argumentos pela troca de ideias em nome da justiça, mas pelo choque de poderes que chegam a uma acomodação.

     Para Rawls, o fato de muitas vezes não serem tomadas as decisões mais justas ou mais acertadas não é motivo para que os membros da sociedade se rebelem e comecem a desrespeitar as regras do jogo porque o resultado não lhes está agradando. É claro que deve haver um limite a tal tolerância do erro e da injustiça. O ônus de um e de outro deve ser repartido de maneira equânime pelos indivíduos de maneira que nenhum grupo específico de pessoas seja sobrecarregado com as consequências negativas da decisão da maioria formada no legislativo. No entanto, o importante para que o sistema funcione é que as decisões, por mais obtusas que pareçam e por mais que não concordemos com elas, sejam respeitadas. Essa é a marca da civilidade democrática: aceitar a decisão da maioria porque essa é a regra do jogo, um jogo que garante as liberdades de expressão, de livre associação e de religião a todos, ganhadores e perdedores.

    Prezados leitores, dentre os quais incluo os ‘manés’ rechaçados por Luís Roberto Barroso, faço-lhes uma conclamação, à luz das ideias de John Rawls. Não fiquem querendo mudar o resultado das eleições alegando a função de garantia dos poderes constitucionais e da defesa da Pátria concedida às Forças Armadas pelo artigo 142 da Constituição Federal. Se querem mudar o modo como o Supremo Tribunal Federal toma decisões, se querem algum controle externo do Judiciário, se querem um maior equilíbrio entre os poderes, se querem o voto impresso, se querem auditoria externa das urnas eletrônicas, não direi a vocês “não amola”, como disse Barroso de maneira infeliz. Direi que pressionem os deputados e senadores, mandando-lhes e-mails, e-mails estes que podem ser consultados no site do Congresso Nacional, façam abaixo-assinados em defesa de projetos de lei. Pode ser que a mobilização seja infrutífera agora, mas poderá dar resultados daqui a algum tempo. ‘Manés’ do Brasil, tracem suas estratégias para jogar dentro das quatro linhas do campo democrático, pensando no longo prazo. Vocês perderam hoje, mas se melhorarem seu modus operandi dentro do sistema, o que inclui informarem-se melhor sobre aquilo que os candidatos da sua preferência fizeram e o que pretendem fazer, poderão ganhar no futuro.

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