Não queremos políticos bonitos e inteligentes, mas pessoas que enfrentaram uma folha de pagamento, educaram seus filhos, visto (se possível) a horrível face da guerra e erraram o suficiente para tentar evitar errar mais. Os executivos de propaganda e o pessoal de relações públicas ficariam desesperados ante a tarefa de vender essas pessoas ao público como se fossem uma nova fragrância. Mas essa era tola do líder empacotado já durou muito tempo. […] Nossa constituição real é escrita na Bíblia, no Livro das Orações e em Shakespeare e nos grandes poetas, não em um sitio na internet ou em uma pasta de algum ministério. É um arranjo pelo qual nós nos governamos como um povo livre, sob o Estado de Direito. É um arranjo adaptado a pessoas adultas. Longe de ser uma relíquia da infância, é a forma de governo mais madura conhecida pelos homens.
Trecho do artigo intitulado “Por que nosso Chefe de Estado, não os políticos e seus marqueteiros que tantos de nós reverenciamos, é o verdadeiro defensor das nossas liberdades, publicado em 10 de setembro de 2022 pelo jornalista inglês Peter Hitchens (1951-
No entanto, ela partia do pressuposto, como quase todos os governos antes de 1789, que alguma religião, alguma fonte sobrenatural de sanção moral, era indispensável à ordem social e à estabilidade do Estado.
Trecho sobre a Rainha Elizabeth I retirado do livro “Começa A Idade da Razão”, do filósofo e historiador americano Will Durant (1885-1981)
Fui convocado, Madame, a exercer uma função pública na Congregação de Deus, e fui nomeado por Deus para repreender os pecados e vícios de todos
Resposta de John Knox (1514-1572), teólogo escocês a Maria, Rainha da Escócia (1542-1587)
Prezados leitores, na semana passada eu falei sobre a vantagem oferecida pela monarquia de separar o poder simbólico do poder político. A pompa, a circunstância, o ritual, o carisma das personagens que encantam e fazem sonhar ficam com o monarca. O poder político fica com um primeiro-ministro, que é simplesmente um homem que cumpre suas tarefas sem pretender ser um salvador da pátria. Para corroborar essa ideia citei a fala do psicólogo e professor universitário canadense Jordan Peterson.
Nesta semana tentarei expandir o argumento para ir além do foco nas características psicológicas das personalidades carismáticas, a quem é dado poder de fato pelo voto da população e de quem se espera muito em termos de realizações. Falarei da questão dos fundamentos do poder em uma monarquia constitucional, como a que está em vigor no Reino Unido atualmente. E para isso me apoiarei em outro monarquista, Peter Hitchens, irmão do polemista Christopher Hitchens (1949-2011), famoso por criticar duramente a Madre Teresa de Calcutá.
No artigo cujo trecho abre este artigo, Hitchens mostra-se preocupado com o futuro da monarquia porque de acordo com ele nas últimas décadas os políticos que exerceram o poder no Reino Unido se dedicaram a fazer coisas além do arroz com feijão da administração costumeira dos assuntos de governo e dessa forma minando o regime político britânico por fazer sombra ao Chefe de Estado. Para o jornalista inglês, ao invés de tentar resolver a injustiça social, as disparidades de renda e todos os outros males que afligem a sociedade, o primeiro-ministro ou a primeira-ministra deve seguir o caminho que foi traçado ao longo da história do país e que garantiu aos cidadãos o direito de não serem presos ou ter seus bens confiscados sem o devido processo legal, o direito ao habeas corpus, o direito à liberdade de expressão. Todas essas liberdades fundamentais tem como origem basicamente a religião anglicana.
Se considerarmos o desenvolvimento paralelo do Protestantismo e da monarquia inglesa conforme Will Durant explica em seu livro, é possível perceber a ligação entre a Igreja e o Estado e a fundamentação do poder de um pelo poder do outro. Elizabeth I, que consolidou o Anglicanismo na Inglaterra, tornando-o a religião oficial e proibindo a celebração pública de missas no rito católico, considerava a religião de suma importância para que o Estado pudesse manter-se de pé. Conforme o trecho que abre este artigo, para Elizabeth a religião dava uma justificativa sobrenatural às regras morais e às sanções aos desvios das regras, permitindo o controle do comportamento das pessoas e a manutenção da ordem social, sem a qual não haveria estabilidade e o governo estaria sujeito a ser contestado.
Por outro lado, a teologia protestante, ao colocar a Bíblia como a autoridade suprema, cujos preceitos deveriam ser seguidos à risca por todos, coloca um limite ao poder do monarca. Conforme lembra John Knox, o fundador do presbiterianismo na Escócia à rainha católica Maria, mesmo os reis e as rainhas devem se submeter à ordem criada por Deus e expressa na Bíblia e o monarca que não o faz é um pecador que deve ser deposto. Dessa forma, se a Igreja Anglicana foi criada pelo monarca para servir os interesses de autopreservação do Estado, ao mesmo tempo ela estabeleceu limites à atuação do governante, colocando a fonte da lei na Bíblia e não na vontade do poderoso de plantão.
Daí porque Hitchens considera que o regime monárquico britânico, de bases religiosas, deve ser preservado porque ele é a melhor forma de garantir as liberdades dos cidadãos, os seus direitos inalienáveis de filhos de Deus, submetidos aos preceitos morais da Bíblia, mas ao mesmo dotados da dignidade dos homens e mulheres que não estão sujeitos aos caprichos de nenhum líder que queira fundar uma nova ordem social e política à sua própria imagem e semelhança, pois a única fonte de legitimidade é a palavra de Deus.
Privilegiada foi a Inglaterra que à época de Elizabeth I, no século XVI, conseguiu, conforme explica Will Durant em “Começa a Idade da Razão”, fazer uma síntese entre a Reforma Protestante e a Renascença. Da Reforma os ingleses retiraram o fundamento religioso do poder político, que lhes deu a estabilidade que lhes poupou das revoluções que varreram outros países da Europa. Da Renascença retiraram o gosto pela vida, pela aventura, o abandono de superstições, inibições e velhos dogmas do catolicismo medieval. O resultado foi que há cinco séculos os cidadãos gozam de liberdades políticas e econômicas que nunca foram contestadas por estarem ancoradas em solo firme. Com o advento de Charles III ao poder, Peter Hitchens espera que essa receita bem-sucedida continue a ser seguida, apesar das ameaças cada vez mais concretas dos republicanos que atacam o anacronismo da monarquia.
Prezados leitores, cada país tem uma história e uma cultura, que o leva a obter uma solução mais ou menos boa, ou mais ou menos duradoura para os problemas colocados pelas condições materiais num determinado momento. Transplantar soluções de um lugar a outro tende a ser uma atividade fadada ao fracasso se elas não forem adaptadas às condições locais. Oxalá que no Brasil, se o tempo da monarquia constitucional já passou e não pode mais ser recuperado, ao menos seja possível evitar as armadilhas do foco nas personalidades carismáticas pela adoção do parlamentarismo.