Aos obscurantistas verdes que fazem um grande comércio da idolatria, da culpabilidade e do apocalipse, ele opõe os fatos. E ao tribunal do bom senso e da lucidez, ele convoca suas testemunhas: a história da Terra, a grande aventura humana, as ciências e as tecnologias. […] Podemos viver em harmonia com a natureza sem dominá-la? Não. […] A ecologia? Yves Roucaute é a favor dela, mas uma ecologia não punitiva, alimentada pelo saber e voltada para o futuro.
Trecho retirado de um texto de apresentação do livro “O Obscurantismo Verde”, do filósofo e cientista político Yves Roucaute (1953- )
No Tratado sobre a Fé ele definitivamente colocou a razão acima da Bíblia como teste da verdade – uma posição que a Europa levaria 200 anos para conquistar de novo.
Trecho retirado do livro “A Reforma” do filósofo e historiador americano Will Durant (1885-1981) comentando sobre a obra de Reginald Pecock (1395-1461), bispo de Chichester nascido no País de Gales
A proteína cozida é mais digerível, explicou Wrangham, e as pessoas obtêm mais calorias da comida cozida do que da mesma quantidade de comida crua. Ele explicou que a energia extra que as pessoas obtiveram ao comer comida cozida permitiu que os seres humanos tivessem cérebros maiores.
Trecho retirado do artigo “Wrangham lança luz sobre a relação entre o fogo e a evolução”, sobre a palestra dada a alunos da Universidade Harvard em 11 de março de 2010 pelo professor de antropologia biológica Richard Wrangham (1948- )
Prezados leitores já mencionei aqui neste meu humilde espaço a rádio francesa Sud Radio que conta como um dos seus apresentadores o jornalista André Bercoff. Bercoff realiza entrevistas com pessoas que escreveram algo interessante e as convida para falarem sobre sua obra. A qualidade do jornalista está no fato de que muitas vezes esses autores entrevistados têm ideias que desafiam a ortodoxia dominante e por isso não têm espaço em veículos de mídia mais tradicionais. Se alguma vez são convidados a expor suas ideias inusitadas precisam fazê-lo sob o fogo cerrado de entrevistadores que têm como principal objetivo derrotar o entrevistado, forçando-o por meio de perguntas que demandam uma resposta de sim ou não a comprometer-se com afirmações polêmicas, de forma que o jornalista possa mostrar o absurdo das ideias defendidas pelo entrevistado e reforçar o ponto de vista amplamente aceito.
Em tal contexto, o fato de Bercoff dialogar com seus entrevistados de modo a que eles tenham a chance de expor seus argumentos sem serem atropelados por seguidas contestações permite que os ouvintes possam entender o que o autor do livro realmente pensa e tirar suas próprias conclusões. Assim é que semana passada Bercoff convidou o autor de “O Obscurantismo Verde”, o filósofo e cientista político Yves Roucaute, a falar sobre seu livro, o qual apresenta uma visão bem diferente da ecologia predominante nos meios intelectuais e jornalísticos do Ocidente na atualidade. Na ortodoxia ambientalista, o homem é o grande vilão, o depredador da natureza que ao longo de milhares de anos foi explorando os recursos naturais para satisfazer suas necessidades materiais e deixou atrás de si um rastro de destruição em termos de poluição do ar, da água e da terra, da extinção ou da drástica diminuição de espécies animais e vegetais e da exaustão dos recursos essenciais à vida como a água. Se o ser humano continuar neste caminho de consumo cada vez maior, chegaremos ao dia do apocalipse em que a Terra não mais será capaz de sustentar a vida porque nós teremos arruinado a capacidade de ela reabastecer-se. Haverá então fome, doenças, destruição e o colapso das civilizações.
A abordagem de Roucaute é bem diferente do pessimismo e da estigmatização das atividades humanas. Para contrapor-se a essa mitologia do juízo final a que será submetido o Homo Sapiens pelos seus pecados ambientais o filósofo francês baseia-se nos fatos que conhecemos a respeito da história da Terra. O planeta azul não é este local idílico que foi conspurcado pela cupidez humana. Ao contrário, os desastres naturais são a regra e não a exceção na atribulada saga de mais ou menos 4,5 bilhões de anos que se passaram desde que a Terra foi formada: ciclones, terremotos, glaciações, aquecimentos, meteoros caindo e gerando explosões, destruição em massa de espécies animais e vegetais.
Considerando tal cenário, o Homo Sapiens na verdade é um herói, porque conseguiu sobreviver inventando maneiras de proteger-se da Natureza e de utilizá-la em seu benefício. Caso o Homo Sapiens tivesse sido fatalista e deixado se levar pelo fluxo natural das coisas, a espécie humana já teria soçobrado há muito tempo ou mesmo sobrevivendo levaria uma existência precária, com baixa expectativa de vida. Rocaute reconhece os problemas ambientais que foram causados pela atividade humana na Terra, mas para ele a única saída para enfrentá-los é mais crescimento econômico que gere mais riqueza e os excedentes necessários para investir em ciência e tecnologia e assim achar soluções para a reciclagem de materiais, a geração de energia de maneira renovável e por aí vai, de maneira que a Terra continue a hospedar-nos por mais alguns milhares de anos.
A capacidade única do homem de achar soluções que nenhuma outra espécie animal achou para reproduzir-se e sobreviver no ambiente natural também é enfatizada pelo primatologista inglês e professor na Universidade Harvard, Richard Wrangham. Conforme o treco que abre este artigo, em seu livro “Pegando Fogo – Por que cozinhar nos tornou humanos”, Wrangham defende a tese de que a descoberta pelo homem de como dominar o fogo e utilizá-lo para preparar comida deu-nos uma vantagem competitiva inigualável porque permitiu que despendêssemos muito menos tempo mastigando e digerindo alimentos e que obtivéssemos mais nutrientes da comida, ao contrário dos nosso primos chimpanzés, gorilas e orangotangos que gastam várias horas no dia mastigando plantas de pouco valor nutricional. Já foi verificado experimentalmente que todos os animais preferem a comida cozida à comida crua, mesmo porque ela é mais fácil de ser processada, mas só o ser humano foi capaz de inventar o cozimento que lhe permitiu alimentar-se melhor, ter mais energia disponível para que o cérebro pudesse aumentar em volume e ter mais tempo para que com um cérebro mais avantajado nós pudéssemos dedicar-se a outras atividades que não fossem a busca incessante por comida.
Essa breve descrição das ideias defendidas por Rocaute e Wrangham permite-nos ver que ideologicamente eles se colocam ao lado dos que enfatizam o quanto o cérebro poderoso do Homo Sapiens nos tornou criaturas especiais que souberam achar mecanismos únicos de sobrevivência no meio natural hostil. Nesse sentido, ambos se colocam contra aqueles que enfatizam que somos gananciosos e destruidores e que nossa capacidade cerebral apenas torna nosso potencial de destruição maior.
Que visão predominará neste século XXI em que enfrentamos os desafios de lidar com o impacto das nossas atividades sobre o meio ambiente? A visão pessimista de que o ser humano é irremediavelmente falho? Ou a visão otimista de que não há nenhum problema que nos tenha sido apresentado ao longo da história das civilizações que não tenhamos conseguido resolver usando o poder do nosso intelecto? Será que, conforme mostra o trecho na abertura deste artigo, estamos na mesma encruzilhada em que se encontrou Reginald Pecock no século XV, que de tanto estudar a Bíblia chegou à conclusão de que ela tinha muitas respostas erradas, muitas inconsistências e absurdos e que o melhor era recorrer à razão para investigar o mundo? Será que se quisermos que o percurso do homem na Terra ainda gere frutos culturais e civilizacionais teremos que abandonar a atitude pessimista e fatalista tão em voga hoje em dia e adotar uma atitude de confiança na capacidade do homem de reinventar-se e prosperar por meio da sua capacidade de pensar? Quem viver verá.