Os problemas e as soluções do Brasil não estão nessas pautas puramente identitárias ou ideológicas. O que a gente precisa é tirar o debate desse campo. Quando Bolsonaro quiser levar para esse lado, não temos que gastar energia. Deixa ele falar. Bolsonaro é bom de polêmica e confusão, mas não de política pública.
Trecho da entrevista dada pelo prefeito de Recife, João Campos, ao jornal O Globo em 19 de dezembro
Muito estranha a conduta desta empresa. Ela está em recuperação judicial. Como é que a ANAC autoriza o funcionamento de uma empresa sem saúde financeira para fazer frente a seus compromissos? Isso tem que ser explicado […]. Estamos vendo aqui má-fé e irresponsabilidade.
Trecho da entrevista à rede Globo de Fernando Capez, diretor-executivo do Procon-SP, a respeito da Itapemirim Transportes Aéreos, que no dia 17 de dezembro cancelou todos os voos programados para este ano de 2021, num total de 480
Segundo Bolsonaro, o setor produtivo tem reclamado que as atuais leis tornam o Brasil “um país de direitos, mas que não tem emprego”. “Eles (empregadores) têm dito, não sou eu, ‘um pouquinho menos de direito e emprego’ ou ‘todos os direitos e menos emprego’
Trecho do artigo “Bolsonaro: Trabalhador terá de escolher entre mais direitos ou emprego”, publicado pelo jornal Valor Econômico em 4 de dezembro de 2018
Prezados leitores, na semana passada introduzi-lhes o conceito de porta giratória para referir-me às relações nem sempre transparentes entre os órgãos reguladores e os setores econômicos regulados que fazem com que as normas que disciplinam as atividades econômicas naquele segmento e a própria aplicação delas acabam sendo fortemente influenciadas pelos agentes que atuam nas empresas, com consequências ruins para o consumidor, como exemplifiquei por meio da minha saga nas transações para resgate de um seguro. Nesta semana, tratarei do conceito de custos de transação.
À luz da teoria econômica, os custos de transação são custos que não agregam valor para nenhuma das partes envolvidas e que não podem ser recuperados. Dividem-se em três: o custo da obtenção de informações relevantes e do contato com as partes com a qual a transação será celebrada; o custo da negociação das condições da transação que a tornem interessante para ambas as partes; e o custo incorrido para assegurar que a parte cumprirá as obrigações do contrato e que não se tornará inadimplente. Quanto maiores forem esses custos menor será a eficiência e menos valor é gerado. Dar-lhes-ei um exemplo concreto mencionando o caso da empresa Itapemirim que vendeu passagens aéreas para milhares de clientes e às vésperas dos feriados de fim de ano suspendeu as operações por absoluta falta de condições financeiras.
Os pobres clientes da Itapemirim, ao longo dos próximos dias, terão várias tarefas a cumprir, cujo resultado será de qualquer forma frustrante. Mandar e-mail para a empresa, registrando uma reclamação formal e fazer a queixa no site gov.br de modo a poder comprovar que deram à empresa a oportunidade de resolver o problema e assim, para usarmos o termo técnico jurídico, construírem sua causa de pedir, de modo que o juiz convença-se de que não havia outro remédio ao demandante senão reivindicar seus direitos no Judiciário, pois nem a instância administrativa governamental, representada pela ANAC ou pelo PROCON, nem a corporativa representada pela própria companhia aérea, foram capazes de tornar seus direitos realidade. Terão ainda que procurar hospedagem de urgência, no caso de estarem fora de sua cidade de residência. Terão que negociar com as agências de viagem que lhes venderam a passagem uma reacomodação em outros voos ou reembolso das despesas. Terão que obter informações sobre como proceder para encaminhar todas essas providências. E o mais importante, arranjar dinheiro para fazer frente a despesas inesperadas.
O resultado será frustrante porque mesmo que a pessoa consiga viajar para o destino que havia escolhido ou voltar para sua casa, nada terá sido conforme planejado, e ela terá sofrido angústia, ansiedade e medo. Terá gasto horas do seu dia e reais da sua conta de uma maneira ineficiente, pois não lhe agregou nada em termos de prazer ou qualidade de vida, ao contrário, prejudicou-lhe a saúde e as finanças. Em termos práticos, os custos da transação de viagem de fim de ano dos clientes da Itapemirim compreenderam as três vertentes explicadas pela teoria econômica, mas exponencialmente aumentados pela incapacidade da companhia aérea de continuar suas operações e honrar seus compromissos.
Se normalmente tais custos são irrecuperáveis, o ideal é que eles sejam limitados ao mínimo necessário. Ter que lidar com uma empresa que, conforme explicou Fernando Capez em sua entrevista, foi claramente mal fiscalizada pelos órgãos reguladores que deveriam tê-la monitorado de maneira mais estrita, aumenta desnecessariamente esses custos irrecuperáveis, a serem incorridos pelos consumidores e em última análise pela sociedade como um todo, devido à necessidade de acionar o judiciário para pleitear indenização. Em suma, as atividades da Itapemirim só geraram ineficiências e prejuízo para a economia como um todo, pois o tempo e dinheiro empregados nas transações com ela acarretaram um grande custo para as partes – passageiros, agências de viagem, hotéis, outras companhias aéreas – sem benefícios concretos em termos de objetivos alcançados pelos participantes da transação.
E, no entanto, sob a ótica maniqueísta do nosso Presidente, as empresas são as heroínas e os trabalhadores são os perdulários que insistem em reivindicar direitos, causando prejuízos ao país em termos de perda de competitividade. As agruras dos consumidores brasileiros em face de empresas mal fiscalizadas que muitas vezes agem de má fé, como a Itapemirim que, segundo Capez disse à rádio Jovem Pan no sábado à tarde, continuou vendendo passagens mesmo depois de ter suspendido as operações, mostram que muitas vezes a fonte da ineficiência e do custo Brasil são as empresas com suas práticas nebulosas, sobre as quais as agências reguladoras fazem vista grossa.
O que fazer? Talvez a solução seja seguir o conselho de João Campos e deixar Bolsonaro falar sozinho a respeito de suas obsessões ideológicas sobre os comunistas, os sindicalistas e os trabalhadores. Enquanto ele luta contra seus inimigos, devemos nós procurarmos um candidato que em 2022 formule políticas públicas que enfoquem o problema da competitividade da economia sob a ótica do custo de transacionar em um país em que o consumidor pode ser surpreendido dentro do avião pronto para decolar depois de uma espera de mais de três horas e o comandante avisa a todos que o voo foi cancelado por determinação da ANAC (Isso aconteceu com o jornalista Fábio Murakawa no dia 17 de dezembro). Oxalá as lutas entre o bem e o mal sejam substituídas por discussões sobre o que fazer para melhorar a forma como as empresas brasileiras tratam seus clientes.