Jordan Peterson: Eu não sei se podemos desenvolver mecanismos corretivos mais rápido do que desenvolvemos novos mecanismos disruptivos. Então não temos ideia do que fazer com o Twitter, por exemplo, não temos ideia do efeito que tem, não temos ideia do que se faz com a comunicação das pessoas quando você a limita a 280 caracteres. Isso aumenta a probabilidade de manifestar raiva, por exemplo? Alguém estudou isso?
Jonathan Haidt: Sim, há muita pesquisa, o ruim é mais forte do que o bom, como princípio geral, há um livro maravilhoso de Roy Baumeister e John Tierney. O ruim se espalha mais do que o bom, e especialmente se você retira o contexto, a intenção e tudo o mais você está pedindo para ter problemas. O Twitter provavelmente é a pior forma de comunicação já inventada se o objetivo é ter conversas reais. Ele é ótimo para certas coisas, é ótimo para encontrar coisas para ler, mas chamar o Twitter de plataforma de comunicação ou de praça pública, qualquer coisa desse tipo, ele atende essa função da pior maneira possível.
Trecho retirado de uma conversa entre Steven Pinker, professor de psicologia em Harvard, Jonathan Haidt, psicólogo social na Universidade de Nova York e Jordan Peterson, que acaba de se aposentar como professor de psicologia na Universidade de Toronto, registrada em 6 de junho de 2021.
A prioridade de todas as equipes não é divulgar propostas para saúde, educação ou segurança pública, mas explorar os pontos desabonadores do oponente, em um eterno ciclo de ataques mútuos. Do ponto de vista do eleitor, é uma péssima iniciativa, porque engessa o debate, livra o candidato de tratar de problemas reais, como o desemprego e a inflação, e freia qualquer tentativa de uma campanha civilizada.
Trecho retirado do artigo “A Eleição de Mau Humor” publicado na edição da revista Veja de 24 de novembro
Prezados leitores, já que tratei aqui anteriormente das ideias sobre o progresso, liberdade e prosperidade do escritor peruano Mario Vargas Llosa, permitam-me apresentar-lhes um outro expoente do Iluminismo, Steven Pinker, nascido em 1954 em Montreal no Canadá. Tentarei fazê-lo assinalando algumas das ideias veiculadas em um podcast do qual ele participou. Meu objetivo é com base nesse embate de diferentes pontos de vista tecer algumas considerações a respeito da influência crítica do modo peculiar de comunicação das mídias sociais sobre a escolha dos nossos representantes políticos.
Pinker, Haidt e Peterson partem de um ponto sobre o qual os três concordam. As interações que ocorrem entre as pessoas em plataformas como o Facebook e o Twitter não contribuem em nada para a descoberta da verdade, pois elas reforçam aquilo que na natureza humana mais nos distancia da objetividade e da serenidade que tradicionalmente foram consideradas como qualidades essenciais para a investigação dos fatos.
E o que em nossa natureza nos torna menos propensos ao exercício desapaixonado da razão? Em primeiro lugar o viés da confirmação, isto é a tendência que nós temos de escolher fatos que confirmam as opiniões que já tínhamos antes e de negligenciar aqueles que são menos capazes de respaldá-las. Em segundo lugar, o ciclo de feedback positivo, isto é, o fato de que quanto mais lemos artigos e temos contato com informações que nos dão razão, mais entrincheirados ficamos em nossas posições ideológicas e menos propensos a ouvir pontos de vista diferentes que constituam um questionamento às nossas crenças e à nossa versão da realidade. Infelizmente, este ciclo é viabilizado tecnologicamente pelo processamento de dados proporcionado pela inteligência artificial, que coleta informações das mais diversas fontes sobre nossas preferências e processando-as cria sistemas de entrega de produtos que atendem o gosto do cliente, no caso nós, a quem nos são proporcionados conteúdos que reforçam nossos preconceitos e estereótipos.
O resultado da atuação dessas duas forças é o aumento da intolerância e da incapacidade de as pessoas terem diálogos no sentido filosófico do termo, isto é conversas nas quais o objetivo não é convencer ou sair vencedor, mas trocar ideias de forma que os participantes saiam enriquecidos do debate, seja porque suas próprias ideias ficaram mais claras para ele pela necessidade de explicá-las a seu interlocutor, seja porque elas passaram por um aprimoramento e reformulação, pelo contato com pontos de vista diferentes. Se passamos o tempo todo recebendo massagens no ego quer dos algoritmos de AI que nos fornecem o conteúdo que atende nossas expectativas, quer dos membros da nossa tribo que sempre concordam conosco porque somos “parças”, fica muito difícil aceitarmos ouvir, processar e muito menos aceitar conteúdos produzidos por membros da tribo alheia e daí os acusamos de criarem narrativas fundadas em fake news, isto é, versões dos fatos altamente influenciadas por uma determinada visão de mundo.
O diagnóstico é feito pelos três psicólogos ao longo do podcast: as mídias sociais criaram uma disrupção no modo como as pessoas relacionam-se e isso destruiu o terreno comum no qual discussões no sentido explicado acima ocorriam e soluções consensuais eram viáveis pois os diferentes participantes estavam abertos ao novo como fonte de desafio e de enriquecimento. Num ambiente em que o meio termo e o consenso são inviáveis porque as diferentes tribos quando se encontram não é para aprender umas com as outras, mas para derrotar o inimigo pela destruição da narrativa por ele criada, a democracia fica em perigo, pois ela não floresce num clima de permanente confrontação em que a verdade como esforço coletivo é substituída pela verdade do grupo vencedor.
No entanto, Pinker, Haidt e Peterson divergem em um ponto importante. Pinker, como bom Iluminista, acredita no progresso gradual, fruto do esforço coletivo da sociedade em prol da melhora da qualidade de vida das pessoas. Adotando uma perspectiva histórica que relativiza as agruras do presente, Pinker observa que no século XIX o surgimento da imprensa escrita foi rodeado de problemas: os jornais publicavam artigos sobre monstros marinhos e outras bobagens como se fossem notícias de fatos reais, assim como ocorre com as fake news atualmente. Com o tempo, as pessoas foram percebendo os exageros e o jornalismo escrito foi passando por um processo de depuração. Para Pinker, o mesmo acontecerá com as mídias sociais do século XXI. Acalmemo-nos todos e não chafurdemos em um pessimismo exagerado, fruto muito mais da nossa ansiedade frente ao novo do que do que acontece de fato.
Peterson e Haidt não são tão otimistas. Haidt até admite que daqui a 50 anos a qualidade das interações nas plataformas sociais terá melhorado, mas considera que em cinco anos elas ficarão pior. Pior porque, conforme o diálogo que abre este humilde artigo mostra, o Twitter é um veículo para dar vazão à raiva, não para desenvolver um argumento. E pelo fato de a mensagem no Twitter ser suscinta e não ter contexto, isto é, um texto circundante que permita interpretá-la à luz de outras ideais expressadas pelo autor sobre o mesmo tópico, ela leva a mal-entendidos, a trocas de acusações e ataques pessoais.
Prezados leitores, não se pode negar a pertinência em nosso país de uma discussão sobre os meios cada vez mais exíguos que as democracias ocidentais têm para construírem, nos fóruns sociais de discussão, as verdades consensuais que viabilizam a tomada de decisões sobre o melhor caminho a seguir e a formulação de políticas públicas de acordo com esses princípios. Considerando que em 2018 elegemos um presidente da República que não participou de nenhum debate, que tinha pouquíssimo tempo no horário eleitoral para expor suas propostas e que se valeu de chavões e preconceitos e da instigação do ódio contra a esquerda para ser eleito, saber como as mídias sociais influenciam cada vez mais nossa maneira de nos relacionarmos e de pensar é de suma importância.
De fato, se quisermos dar uma chance à nossa democracia para que ela nos leve a escolhas serenas que deem frutos em termos de formulação e execução de políticas governamentais, é fundamental que tenhamos consciência da disrupção causada no debate público pelas mídias sociais. Do contrário, o cenário sombrio pintado por Veja em sua reportagem, em que escolheremos um candidato não por suas qualidades, mas para derrotar um inimigo, se concretizará. Que a crença no progresso de Pinker combinada com os alertas de Peterson e Haidt nos iluminem para buscarmos saídas para que a liberdade aliada à prosperidade, que são o cerne da promessa democrática, ao final triunfem.