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Modelos na história

Posted by on 19/01/2021

Nas grandes instituições de educação pública, na repartição de prêmios, sempre o maior é destinado ao caráter; aquele que em todo ano desenvolveu maiores virtudes e menos defeitos; provasse bem como todos os homens estão concordes em que as bases principais da educação são o que decide a felicidade da vida, são as virtudes sociais; esta educação os mestres não podem dá-la. Só se aprende com o exemplo e assiduidade de quem ensina e o convence com razão; isto não quer dizer que sejam sempre virtuosas as pessoas que ensinam a praticar a virtude, mas precisam ao menos fingi-lo, ao pé dos que se educam, pois que pregar aos seus que não tenham medo, e mostre tê-lo, nunca poderá fazer um homem valoroso, e assim com as mais virtudes.

Trecho de carta escrita por Mariana Carlota de Verna Magalhães Coutinho (1779-1855), aia de D. Pedro II (1825-1891), ao pai deste, D. Pedro I (1798-1834)

 

Sim, meu amado filho, é muito necessário, para que possas fazer a felicidade do Brasil, tua pátria de nascimento e minha de adoção, que tu te faças digno da nação sobre que imperas pelos teus conhecimentos, maneiras etc. etc., pois, meu adorado filho, o tempo em que se respeitavam os príncipes por serem príncipes unicamente acabou-se. No século em que estamos, em que os povos se acham assaz instruídos de seus direitos, é mister que os príncipes igualmente o estejam e conheçam que são homens e não divindades, e que lhes é indispensável terem muitos conhecimentos e boa opinião para que possam ser mais depressa amados do que mesmo respeitados. O respeito de um povo livre para com o seu chefe deve nascer da convicção que aquele tem de que seu chefe é capaz de o fazer chegar àquele grau de felicidade a que ele aspira, em assim não sendo, desgraçado chefe, desgraçado povo.

Trecho de carta escrita por D. Pedro a seu filho, D. Pedro II, em 12 de março de 1832, quando estava na Ilha dos Açores, a caminho da Europa

    Prezados leitores, os trechos que abrem este artigo foram retirados da biografia de D. Pedro II escrita por Paulo Rezzutti, intitulada D. Pedro II, A história não contada: O último imperador do Novo Mundo revelado por cartas e documentos inéditos. Rezzutti já havia escrito biografias sobre a Marquesa de Santos, sobre D. Pedro I e Dona Leopoldina, o que o faz um profundo conhecedor do Brasil Império. Em um país como a França, que dá e sempre deu muita importância aos historiadores, ele seria convidado até em programas de variedades na televisão para falar sobre seus livros e suas ideias. Aqui não me consta que a Fátima Bernardes tenha feito isso ou mesmo algum obscuro programa na Globo News que passe às 11 e meia da noite.

    Por que será que os franceses cultuam seus historiadores? Como tentei humildemente explicar aqui há duas semanas, a história é uma arte e não uma ciência, e em sendo assim, o mais que ela pode pretender é estabelecer uma narrativa dos fatos com base em determinados valores básicos. Não se deve esperar que os fatos históricos sejam estabelecidos de maneira incontestável, formulados em linguagem formal, tal como a matemática. O que se pode esperar é que a narrativa criada permita aos receptores dela uma visão do passado que norteie suas ações no futuro, já que o homem é sempre um ser que age com um objetivo.

    Esse objetivo da história, tão prezado pelos franceses, de ajudar o povo a caminhar e construir sua realidade com base naquilo que foi aprendido das experiências passadas, fica claro na correspondência que Pedro II manteve com seu pai, desde o momento em que este abdicou, em 1831, até o momento em que D. Pedro I, que de volta a Portugal adotou o título de Duque de Bragança, morreu em Queluz, em 1834. Desde quando seu filho tinha pouco mais de cinco anos Pedro I buscou dar-lhe conselhos sobre ser um bom governante. No trecho acima fica subentendida a menção à Revolução Francesa de 1789, que definitivamente tinha destruído a noção de direito divino dos reis. Um monarca que não trabalhasse em prol do bem comum, que não mostrasse resultados promovendo a prosperidade geral, não conquistaria nem respeito e nem amor, o que levaria à infelicidade tanto dele quanto dos súditos.

    Pedro II deu mostras de que ao menos apreendeu parte dos conselhos do pai e aprendeu com a própria trajetória política do nosso primeiro imperador, quando foi deposto em 15 de novembro de 1889, com um golpe do Exército. Conforme nos conta Rezzutti, o genro do imperador, o conde D’Eu, assim como os barões de Muritiba e Loretto, pensaram em colocar a família real brasileira no encouraçado chileno Almirante Cochrane, enquanto organizariam a resistência ao golpe. D. Pedro II foi veementemente contra a ideia, porque não queria uma luta fraticida no país. Nisso seguiu o exemplo dado por seu pai em 1831, o qual rechaçou a sugestão do então major Luís Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, de retirar-se para a Fazenda Santa Cruz com a família e deixar que o Batalhão do Imperador convocasse as milícias para debelar a revolta dos brasileiros, que exigiam de D. Pedro I que punisse os portugueses que haviam causado distúrbios no Rio de Janeiro na Noite das Garrafadas, em 11 de março de 1831. No entanto, o então imperador preferiu abdicar para acalmar os ânimos do que derramar o sangue dos brasileiros.

    Este pequeno ato de D. Pedro II em 1889, no apagar das luzes da sua atuação no Brasil, emulando o apagar das luzes do governo de seu pai em 1831, mostra que a educação dada por D. Mariana ao vivo ao príncipe assim como a troca de cartas com o ex-imperador ao menos deram-lhe um senso de história, tanto pessoal da família dele, quanto política do então Império Brasileiro. Imbuído desse valor de evitar uma guerra civil em um país tão vasto e com tantas desigualdades regionais como o Brasil era no século XIX e como continua sendo no século XXI, D. Pedro II saiu da cena política brasileira de maneira digna, mantendo a compostura, honrando a tradição do seu pai e de sua mãe, que haviam criado um Brasil independente, mais ou menos unido em torno de um governo central.

    Esse esforço consciente de dar um sentido à história, de seguir modelos passados, foi totalmente deixado de lado na sociedade brasileira. A última eleição presidencial mostra nossa obsessão com o novo como necessariamente melhor simplesmente porque ele é diferente de tudo o que está aí. No primeiro turno, tínhamos outros candidatos com experiência administrativa no Executivo, com um currículo mais cheio de realizações concretas. Preferimos apostar em um deputado federal que nunca fora sequer prefeito de uma cidade do interior, que passava o tempo todo no Congresso atacando seus bodes expiatórios, e que agora faz o mesmo, incapaz que é de governar, pois lhe falta formação e bons modelos. O atributo de Jair Bolsonaro para ser eleito é que ele não participava de esquemas de corrupção e isso bastou para que, contraposto ao que estava imediatamente visível, ele fosse considerado pela população brasileira como apto para o cargo.

    Do alto da sua inexperiência, de sua incapacidade de dialogar com as pessoas, Bolsonaro teria sido um presidente sofrível, mas num momento de crise sem precedentes causada por um vírus que aparentemente escapou de um laboratório em Wuhan na China, Bolsonaro é um desastre. Uma pena que o estudo da história nacional seja de tal modo negligenciado que não consigamos ter modelos de caráter e conduta, que não tenhamos valores coletivos que nos unam e que certamente permitiriam que fizéssemos comparações e que tirássemos lições do passado. Se conseguíssemos ter esse senso de história, teríamos visto que Jair Messias Bolsonaro é um aloprado como Jânio Quadros, que ao menos não castigava a língua portuguesa como nosso presidente, com uma pitada de Tiririca (”aquele do lema “pior que tá não fica”).

    Prezados leitores, D. Pedro I e D. Pedro II, como o próprio Paulo Rezzutti mostra, tinham muitos defeitos, e talvez o principal deles é que nunca conseguiram enfrentar de fato o poder dos latifundiários escravocratas, mas de qualquer forma eles tinham claramente o senso do dever, de perseguir certos ideais, mesmo que muitas vezes não conseguissem atingi-los. O risco que corremos nas próximas eleições é de cairmos de novo na armadilha do voto contra, do voto destrutivo do presente sem consciência de aonde queremos ir no futuro. Para que as eleições de 2022 não sejam uma nova aposta no escuro, nós brasileiros teremos que nos perguntar “O que queremos?” ao invés de “Somos contra o quê? A leitura das biografias escritas por Rezzutti pode ser um bom ponto de partida para respondê-la.

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