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O Greenwashing das favelas

Posted by on 15/02/2019

Casas pré-fabricadas em ruínas? Não, casas ecológicas! Assim como Bruno Gimond, trinta e seis famílias compraram na planta, em 2009, uma residência no Hameau de Plantoun. O Office HLM (órgão público francês encarregado da construção e gerenciamento de moradias populares) na cidade de Bayonne supervisionava um programa de acesso à propriedade nesse bairro ecológico. Materiais naturais, novas técnicas … os novíssimos bairros ecológicos eram considerados representativos da excelência da moradia e ao mesmo tempo abaixavam o consumo de energia.

Trecho retirado do artigo “As casas da mentira de Bayonne” publicado em 9 de fevereiro de 2018

Infelizmente, os bairros ecológicos são muito frequentemente o resultado do greenwashing por parte de um conselho municipal que procura aumentar a reputação de uma cidade e esconder a falta de medidas realmente ecológicas (construção de ciclovias, vias somente para pedestres, taxas sobre a coleta de lixo com base no peso…).

Trecho retirado do dossiê “Os Limites dos Bairros Ecológicos” publicado na revista eletrônica francesa “Silence” em outubro de 2013

    Prezados leitores, permitam-me explicar-lhes o termo em inglês greenwashing, pois ele será tema do meu humilde artigo. De acordo com o wikipedia, greenwashing é a “injustificada apropriação de virtudes ambientalistas por parte de organizações (empresas, governos, etc.) ou pessoas, mediante o uso de técnicas de marketing e relações públicas”. Vou lhes dar dois exemplos de greenwashing sobre os quais fiquei sabendo assistindo a um documentário sobre os bairros ecológicos que estão se espalhando rapidamente pela França, prometendo economia de energia por meio do uso de fontes ecologicamente corretas, como a luz solar e a biomassa, do reaproveitamento da água da chuva e da facilitação da mobilidade urbana de modo a permitir aos habitantes prescindir do carro.

    O primeiro exemplo é aquele cuja descrição abre este artigo. Bruno Gimond pagou ao redor de 160.000 euros por uma casa feita em madeira em meio às arvores. Em pouco tempo de uso constatou que ela era um “inferno térmico”. A madeira das paredes, utilizada em substituição ao ecologicamente incorreto concreto, apresentava infiltrações de modo que o vento entrava na casa no inverno, tornando-a desconfortável com uma temperatura interna de 10 graus. O frio era tanto que ele teve que usar aquecedor elétrico, mas como a conta de luz foi a 500 euros em dois meses, ele mandou a mudança climática às favas e começou a queimar madeira em casa para aquecer-se. O chão de madeira descolou ou afundou em várias partes, os pregos soltavam, tornando perigoso caminhar dentro de casa sem sapatos. Sua indignação foi tanta que ele grafitou a parte da frente de sua casa com os dizeres FAVELAS 2 (aparentemente os europeus ainda não se deram conta de que favela hoje no Brasil é um nome politicamente incorreto e que devemos usar o termo mais brando de comunidade). Ele e outros enganados entraram com processo na justiça e acabam de obter uma vitória, depois de 10 anos, pois o judiciário francês reconheceu-lhes o direito de ter as casas reconstruídas. Para aqueles que quiserem ver o aspecto das casas: https://www.francetvinfo.fr/economie/video-les-maisons-du-mensonge-dun-ecoquartier-a-bayonne_2595926.html.

    O segundo exemplo de uso marqueteiro de pretensas qualidades ecológicas é o de um écoquartier em Limoges, outra cidade na França. O problema nesse caso não são as casas mal construídas, bem ao contrário. Elas têm bom isolamento térmico e tem certificado de eficiência energética, algo que somente 7% das residências no país possuem. A questão é outra, mais precisamente dois detalhes importantes. A conta de luz, apesar de toda a preocupação em não desperdiçar energia, é do mesmo valor que os simples mortais que vivem em bairros não ecológicos pagam: foi instalada uma usina de biomassa no bairro para fornecer energia aos moradores, mas será preciso pagar pelo investimento ao longo de trinta anos.

    O detalhe sinistro em Limoges fica por conta do fato de que o bairro foi construído em um local onde havia anteriormente não só uma fábrica como um lixão a céu aberto que foi destruído. Foi feita uma descontaminação parcial do local, mas não o suficiente para que seja seguro comer frutos colhidos nas árvores lá plantadas. Os metais pesados presentes no solo lá permanecerão por muitos anos lá, pois uma limpeza total custaria mais de 20 milhões de euros, quantia que a construtora encarregada da descontaminação nem pensou em gastar, limitando-se a investir quatro milhões de euros para tornar o local razoavelmente salubre. Além disso os vapores tóxicos exalados pelos metais podem causar câncer. Um morador sensato, que acredita na necessidade de tomar medidas concretas para salvar o planeta, considera com certa dose de orgulho, que ele e seus vizinhos estão pagando o preço de ser os precursores nas ações para diminuirmos nossa pegada de carbono.

    Tais caso concretos que se desenrolaram em um país de Primeiro Mundo mostram que a ecologia muitas vezes não é nada mais do que um nicho de mercado, uma estratégia de marketing utilizada para satisfazer as demandas de consumo de um determinado público que tem certos valores e preferências. Os capitalistas conseguem vender seu produto apresentando-se como salvadores do planeta e no final das contas eles estão inventando novas maneiras de obter lucros. Aliás, como a Companhia Vale tem feito no Brasil ao não só usar tecnologia inadaptada ao clima úmido em que vivemos para construir suas barragens de rejeitos de minérios, como ao mantê-las mal e porcamente. Aqui a mineradora economiza nos custos ao investir em barragens meia-boca sujeitas a infiltrações, lá o incorporador imobiliário compra um terreno contaminado, faz uma recauchutagem, contrata marqueteiros para vender o sonho do combate ao aquecimento global aos incautos e constrói “favelas” com materiais ecologicamente corretos (isto é mais baratos), embolsando o prêmio pago pelos compradores pelo plus a mais do selo verde. É claro que a ficha da construtora francesa é infinitamente mais limpa do que a de uma empresa que explora minério, mas tanto uma quanto outra lidam com o desafio da diminuição da pegada humana no meio ambiente da mesma forma: como um custo que precisa ser repassado para terceiros tão logo quanto possível, seja embutindo-o no preço de seus produtos, como fazem as incorporadas dos écoquartiers, seja investindo na eleição de políticos para que aprovem leis que ao, afrouxarem as exigências ambientais, fazem com que as comunidades que vivem em torno das barragens arquem com o ônus das externalidades criadas pela atividade mineradora.

    Quem nos salvará dos vendilhões da ecologia e nos colocará no caminho da redenção do planeta? Serão as crianças que nos últimos dias na Suécia, na Bélgica, na Alemanha, na Austrália e na Grã-Bretanha têm protestado contra a inércia em relação à mudança climática sob os gritos de “Não há Planeta B” ou “O aquecimento global não é uma previsão  está acontecendo agora”? O problema é que por mais poético que seja ver crianças indo às ruas por uma causa nobre, elas mesmas estavam lá enfrentando o frio do Hemisfério Norte encapotadas com casacos de náilon, que leva 400 anos para degradar-se na natureza, e de posse de seus celulares, que em breve serão trocados por outro mais recente. E mais, não tinham proposta nenhuma sobre o que fazer na prática, apenas tinham slogans criativos.

    No final das contas, considerando o excesso de boas intenções e a falta de conscientização sobre quem lucra e quem paga a conta tanto da inação quanto do ativismo ecológico, será o capitalismo quem resolverá o problema da poluição do planeta e da escassez cada vez maior de bens naturais fazendo aquilo em que ele é inigualável: decidindo a alocação de recursos por meio da precificação, neste caso estabelecendo um preço para a vida sustentável, tornando-a cada vez mais cara pelo aumento da demanda e pela diminuição dos meios para garanti-la, e assim alijando do consumo milhões de pessoas ao redor do mundo que não terão acesso às comodidades básicas da vida por falta de dinheiro. O que os governantes globais farão para lidar com esses deserdados? Serão mortos? Serão deixados à mingua em zonas ecologicamente degradadas? Veremos.

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