A tecnologia, que foi outrora a chave desta dominação ocidental, parece agora ter-se voltado contra si mesma, e estar exigindo penalidades onde outrora dava recompensas. A injustiça social, o sofrimento espiritual e o desperdício do patrimônio natural do homem têm sido a inesperada colheita de um século de ilimitada expansão industrial no mundo ocidental; e parece que um crescente número de conversos, até aqui, ao credo industrial do Ocidente, começaram a duvidar da conveniência de pagar seu preço similarmente desastroso por uma porção atrasada e também provavelmente exígua da riqueza material do Ocidente.
Trecho retirado do livro Um Estudo da História, publicado pela primeira vez em 1972, do historiador inglês Arnold Toynbee (1889-1975)
Indicado pelo MDB como candidato do partido à presidência do Senado, Renan Calheiros recebeu na noite desta quinta-feira (31) uma ligação do presidente Jair Bolsonaro. No telefonema, o presidente parabenizou o senador pela vitória na bancada. A informação foi confirmada pela assessoria do senador.
Notícia retirada do site G1.
Prezados leitores, uma das questões abordadas por Arnold Toynbee em sua obra-prima, citada acima, é o desafio posto pela superioridade técnica ocidental às civilizações não ocidentais. O que fazer? Fechar-se ao Ocidente, como fez o Japão até o advento da Era Meiji em 1868 e a China até 1842, quando perdeu a Guerra do Ópio contra o império britânico e viu-se obrigada a abrir seus mercados aos produtos ocidentais? Ou abrir-se ao Ocidente, tentando aprender com ele para não perecer sob suas garras, como fizeram Pedro, o Grande (1672-1725), que deu o pontapé inicial na construção do Império Russo, tal como ele veio consolidar-se no século XX, e Mustafá Kemal Ataturk (1881-1938), fundador da Turquia moderna? O historiador inglês, embasado em seu conhecimento enciclopédico, descreve as diferentes respostas dadas a esse desafio nos quatro cantos do mundo, comparando esse contato com o Ocidente como a exposição do corpo a um elemento estranho. Nesse sentido as consequências podem ser de diferentes tipos para as culturas receptoras da novidade.
Tal elemento alienígena pode causar uma revolução na sociedade que fica exposta a ele, retirar-lhe o equilíbrio e levá-la à destruição, pela obstinação da cultura tradicional em não contemporizar com os “invasores” ou pode ser absorvido por ela, permitindo-lhe atingir um novo equilíbrio em novas bases mais sintonizadas aos novos tempos, e portanto torná-la capaz de sobreviver ao abalo sísmico provocado pelo Ocidente e até a obter vantagens dele. Há também um meio-termo: a sociedade tradicional adota algumas instituições ocidentais, mas de maneira retirada do contexto em que elas surgiram e ao fazê-lo distorcem seu sentido original e criam arremedos daquilo que foi criado originalmente em países ocidentais. Toynbee menciona explicitamente a democracia e a industrialização, que, introduzidas na África, por exemplo, levam à corrupção da vida pública e à destruição do meio ambiente, respectivamente.
Para ele, isso se deve ao fato de os países africanos terem sido criados ao sabor dos interesses geopolíticos dos países europeus sem levar em conta o importante detalhe de que os africanos se diferenciavam entre si em termos tribais. Dessa forma, a sociedade de cada nação africana ficou sendo constituída de grupos antagônicos que ao chegarem ao poder por vias democráticas, depois da independência das antigas colônias e da adoção das instituições ocidentais símbolos do progresso, só se importaram em destruir seus inimigos e encher de privilégios seus amigos. As ideias de nação e de democracia, que na Europa do século XIX eram baseadas na unidade étnica e na coesão social, ao serem transplantadas para a África solaparam as autoridades tradicionais, representados pelos chefes de tribo, e criaram países artificiais e instáveis, pois diferentes tribos foram colocadas sob o mesmo teto político, tornando o exercício da democracia difícil. Nesse sentido, os esforços de industrialização empreendidos nesses países foram sempre influenciados por essa democracia falha, que colocava o Estado nas mãos do grupo dominante, e lhes dava as benesses econômicas que o Estado, que exerce o monopólio da tributação, pode dar, às expensas da maioria da população.
Como não ver semelhanças entre as características econômicas e políticas da África e o nosso Brasil? Esse rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho não é um caso emblemático de industrialização manca e de democracia manca? O fato é que as mineradoras que atuam no Brasil, produtoras de uma das nossas principais commodities de exportação, estão destruindo uma boa parte do nosso patrimônio histórico, cultural e ambiental, e o fazem impunemente porque contam com a conivências das autoridades: dos deputados e senadores que são eleitos com ajuda de doações delas e não endurecem as leis aplicáveis ao setor para não encarecer os custos de produção; dos órgãos ambientais que concedem licenças às mineradoras sem fazerem um estudo aprofundado dos riscos e dos impactos ambientais da atividade.
Não é só a Vale, especializada em transformar Minas Gerais em sua cloaca, como mostrou em Mariana em 2015 e agora, em 2019, que se beneficia da leniência do Estado Brasileiro. Para quem não se lembra ou não foi informado de maneira apropriada, em fevereiro de 2018, foi constatado vazamento da barragem da mineradora norueguesa Hydro, que atua em Barcarena, no nordeste do Pará, na extração de bauxita. Os rejeitos continham metais pesados como chumbo, que se espalharam pelos igarapés e rios da região devido às fortes chuvas. A Hydro já tinha sido multada pelo Ibama em 2009, mas sabemos que multas aplicadas pelos órgãos de fiscalização no Brasil, incluindo as agências reguladoras, raramente são pagas. No caso da empresa norueguesa, foram 17 milhões de reais acumulados. No caso da Samarco, subsidiária da Vale responsável pela barragem que destruiu o povoado de Bento Rodrigues, fundado pelos bandeirantes no século XVII, a multa aplicada pelo Ibama, de 350 milhões foi solertemente ignorada e as multas impostas pelo governo estadual. Totalizando 127 milhões de reais, estão sendo pagas em suaves prestações mensais, a perder de vista.
Como já mencionei aqui quando abordei a questão dos incentivos fiscais dados a determinados grupos sem análise do custo/benefício, nossos representantes no parlamento são na verdade agentes de grupos de interesse num toma lá dá cá que ignora completamente os interesses gerais e de longo prazo do povo brasileiro, em prol dos interesses econômicos de determinados setores, sob a justificativa de criação de empregos e desenvolvimento. Nesse ponto cabe uma pergunta: será que os dólares gerados pela Vale ao longo dos seus 77 anos de vida compensam a destruição dos rios Doce e Paraopeba, o aumento da incidência de doenças como câncer, dengue, zika, leptospirose devido à contaminação da água e do solo? Será que a destruição do potencial turístico dessa região de Brumadinho, que se transformou num cemitério de lama, à la Chernobyl, onde não se pode plantar, pescar nem colher é compensado pelos empregos e pela riqueza proporcionados pela mineração? O que será de Inhotim, o mais importante museu a céu aberto de arte contemporânea do mundo? Atrairá visitantes, estando cercado por essa destruição? Independentemente do cálculo que se faça para responder a essa pergunta, em termos de valorizar os bens intangíveis do povo brasileiro face aos bens tangíveis das empresas aqui instaladas, será que tal ponderação não deveria estar a cargo da sociedade como um todo e não de uma patota que decide entre si o que é melhor para o Brasil com base em seus interesses?
Sob esse aspecto, nossa democracia tupiniquim padece das mesmas falhas detectadas por Arnold Toynbee na África: a obtenção de status, de prebendas e de postos pelos detentores do poder lá em detrimento do resto é a mesma que aqui. E não tenhamos ilusão: as eleições a cada dois anos em terras brasileiras servem apenas para efetuar um rodízio enganador, pois os princípios de “aos nossos tudo e ao povo cabe pagar a conta” permanecem válidos. Quem acha que a ligação de felicitação feita por Jair Bolsonaro, que se colocou no pleito presidencial como o único homem honesto no mar de lama da política, a Renan Calheiros, senador desde 1995, prenuncia algo bom está querendo manter a fé até o último instante. O mais provável é que o capitão, que pertencia ao baixo clero do Congresso, já percebeu como a coisa funciona e está agitando a bandeira da paz para ser aceito na patota e conseguir algumas concessões. Quem sabe um refresco para seu filho Flávio Bolsonaro ou uma aprovação da reforma da Previdência a toque de caixa, para ele mostrar algum serviço? Vejamos.
Prezados leitores, a nós, que não pertencemos à patota ou à tribo dominante, resta rezar para que a próxima vítima do capitalismo e da democracia tupiniquins não sejam a Via Sacra e os 12 profetas esculpidos por Aleijadinho, localizados em Congonhas do Campo.