Bônus excepcional, desoneração das horas extras, aumento do bônus por atividade. O parlamento adotou definitivamente, na sexta-feira, 21 de dezembro, uma série de medidas a favor do poder de compra decididas pelo Executivo para tentar colocar um fim à crise dos “coletes-amarelos”. Depois que a Assembleia, na noite de quinta para sexta-feira, votou, o Senado, em um procedimento sumário, aprovou na sexta-feira à noite em votação aberta o projeto de lei com “medidas econômicas e sociais urgentes”.
Trecho retirado do artigo intitulado “Coletes-amarelos: as medidas de urgência adotadas na Assembleia e no Senado”, publicado na versão eletrônica do jornal francês Le Monde em 21 de dezembro
Isenções de impostos concedidas pelo governo federal a empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento (P & D) aumentaram consideravelmente nos últimos anos: de aproximadamente R$ 5 bilhões em 2008, essas renúncias fiscais somaram R$ 11.3 bilhões em 2015. A ampliação dos incentivos, contudo, não alavancou os investimentos privados em inovação conforme se esperava, como indica um estudo publicado em julho pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (IPEA). Em vez disso, houve um efeito de substituição do uso de recursos privados por públicos, explica André Rauen, economista do IPEA e coautor do trabalho. “A desoneração de tributos não incentivou as empresas a investirem em P & D mais do que já investiriam sem o estímulo público”, diz Rauen.
Trecho retirado do artigo intitulado “Zona de Conforto” publicado na edição de dezembro de 2018 da revista pesquisa FAPESP
Prezados leitores, para quem deseja ter uma outra visão do movimento dos gilets jaunes (coletes-amarelos) que se desenrola na França desde 17 de novembro de 2018, sugiro que assistam no Youtube a um documentário de 23 minutos, de autoria de Vincent Lapierre, legendado em inglês, cujo título é “Les Gilets Jaunes, Acte III Au Couer de la Révolte Jaune”. A visão que tem prevalecido nos nossos jornais e revistas, quando cobrem um evento tão distante da nossa realidade, é que é um movimento sem liderança, de pessoas descontentes que são insufladas a revoltarem-se por meio do compartilhamento de fake news espalhadas pelos russos (A manchete no jornal O Estado de São Paulo de 18 de dezembro era “França vê sinais de incentivo russo na internet a protestos de coletes amarelos”).
Não vou aqui discutir se os russos estão atuando como influenciadores digitais ou não, pois não tenho e nem terei informações confiáveis que possam embasar uma confirmação ou uma negação das alegações feitas pela Secretaria-Geral da Defesa Nacional da França. É do interesse do governo minimizar a amplitude do movimento e denegri-lo porque ele está ocorrendo em várias cidades do país e ameaça a estabilidade do governo do Presidente Emmanuel Macron, eleito em maio de 2017. Marionetes de Vladimir Putin ou não, ressentidos, enganados pelo conteúdo das mídias sociais ou não, o fato, mostrado no documentário por meio de entrevistas com os participantes no calor da refrega, enquanto escapavam do gás lacrimogêneo, das balas de festim e dos jatos d’água da polícia, é que são franceses comuns, que não conseguem pagar as contas e cujo dinheiro dá até o dia 15 do mês, porque depois entram no vermelho até que o próximo salário seja depositado.
A indignação deles com o Chefe do Executivo deve-se ao fato de este pedir sacríficos ao povo, na forma de cortes de benefícios sociais, diminuição da cobertura do sistema nacional de saúde, corte de conexões de trem não lucrativas, enquanto abaixa os impostos sobre os mais ricos e as grandes fortunas como incentivo para que potenciais investidores fixem residência no país. Alguns dos coletes-amarelos entrevistados pedem que Macron vá embora e seja inaugurada uma Sexta República, em que o povo tenha voz mais ativa, por meio de referendos e de consultas por meio da internet. Há assim uma clara insatisfação com a democracia parlamentar que, no caso da França, em nome da manutenção do euro como moeda única e da austeridade fiscal necessária para tanto, atende muito mais os interesses dos que pouco dependem dos serviços públicos e por isso impõem sua limitação como medida para cortar os gastos e aumentar a eficiência da economia.
O interessante de ver no documentário é que essas pessoas, cuja paciência com a indiferença dos políticos se esgotou, sabem que o caminho é árduo: é preciso lidar com as acusações lançadas contra eles, inclusive pelo luminar da esquerda francesa, o filósofo Bernard Henri-Levy, que acusou muitos de serem fascistas, com a repressão violenta da polícia, que tem causado ferimentos graves nos manifestantes, inclusive em idosos, para não falar do frio e da chuva típicos dessa época do ano no país. Um jovem fala que é preciso ir a todas as manifestações e que a luta está apenas começando, apesar das concessões já feitas pelo governo francês, e aprovadas pelo Legislativo, descritas na abertura deste artigo, que já valerão a partir do começo de 2019. Em suma, os representantes políticos do povo, diante da pressão incessante dos coletes-amarelos cantando a Marselhesa por toda parte, perceberam que era preciso ceder imediatamente para que a cólera fosse dissipada ou ao menos mitigada.
Independentemente das falhas estruturais da democracia parlamentar, em um país como a França, cuja população tem consciência de que quem chora não mama e de que não se podem esperar benesses gratuitas dos donos do poder, ela consegue responder aos clamores do povo. Nesse sentido, por mais que os franceses estejam insatisfeitos com a queda da qualidade de vida, eles têm motivos para esperar que as coisas melhorem, porque as instituições ainda não estão surdas aos seus apelos, feitos em alto e bom som. E aqui no Brasil? Será que temos motivos para esperar mudanças em 2019? Esperança temos de sobra, se devemos crer nos números revelados pela Pesquisa CNI/Ibope, segundo a qual 64% dos brasileiros estão otimistas com o governo Bolsonaro e 75% dos entrevistados consideram que o presidente eleito e sua equipe estão no caminho certo. Mas será que nossas esperanças são fundadas ou infundadas? Será que o nosso Parlamento é capaz de agir celeremente como o francês fez para dar uma satisfação aos coletes-amarelos?
Após o final das eleições presidenciais em outubro de 2018, o Congresso Nacional trabalhou febrilmente, e muitas benesses foram aprovadas para determinados grupos que têm poder de pressão sobre nossos representantes políticos, em suma sabem chorar alto, e por muito tempo, para mamarem nas tetas do Estado: prefeitos endividados, que receberam como recompensa para déficits orçamentários o mimo de não ter que respeitar os limites de comprometimento da receita com despesas de pessoal impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal; juízes que prometeram em troca de conseguir aumento de salário renunciar ao benefício do auxílio-moradia, mas que no final das contas conseguiram, mediante resolução do Conselho Nacional de Justiça regulamentando a concessão do benefício da ajuda de custo, mantê-lo e ao mesmo tempo garantir o reajuste nos vencimentos; setores econômicos que receberam isenções tributárias. A respeito desta última benesse, há um aspecto bastante sinistro na parte concedida à indústria automobilística.
As desonerações do Inovar Auto, programa de fomento aos investimentos de P & D por meio da concessão de crédito presumido de IPI e que esteve em vigor até dezembro de 2017, somaram um bilhão e duzentos milhões de reais em 2017. No entanto, de acordo com o artigo mencionado acima, o objetivo de aumentar os investimentos em inovação por parte das empresas não foi atingido, pois os dados da Pesquisa de Inovação (Pintec) e do IBGE mostram que “o investimento interno em P & D na indústria automobilística recuou de 1,28% da receita líquida das empresas em 2011 para 1,1% em 2014”. Em suma, o custo do programa é muito grande em vista de seus benefícios pífios, e apesar disso o Congresso Nacional, em outubro de 2018, aprovou o “Rota 2030, cuja renúncia fiscal total deverá ser superior a R$ 2 bilhões em 2019.” Qual será o motivo? Ignorância crassa dos nossos representantes políticos dos resultados da pesquisa do IPEA? Ou simplesmente receberam generosas doações das montadoras para fazer suas vontades? Pelo visto não é só a Odebrecht que corrompe nossa democracia parlamentar.
Todas essas medidas foram aprovadas no apagar das luzes do governo Temer e comprometeram sobremaneira a margem de manobra do Posto Ipiranga de Jair Bolsonaro, o economista Paulo Guedes, para tentar equilibrar as contas públicas e ao mesmo tempo permitir que o Estado invista em serviços para a população. Não teria sido o caso de o Presidente eleito ter se pronunciado de maneira mais enfática a respeito da aprovação dessas bombas denunciando o quanto elas são nefastas? Ou será que a reação tímida do “Mito” mostra que ele já está rendendo-se à realidade de que terá que se compor com os grupos que ditam a pauta do Congresso e que o ajuste fiscal será no final das contas pagos pelos patos de sempre, que não têm lobby no parlamento e só são chamado a quatro anos para apertar umas teclas coloridas e mostrar ao mundo que praticamos a dita democracia?
Prezados leitores, por mais que nós brasileiros tenhamos vocação para o otimismo e a esperança com o novo, os fatos mostram que o buraco aqui é negro e fundo: ele engole as pombas da paz que soltamos na praia de Copacabana para pedir o fim da violência, ele engole os pixulecos que inflamos para construir bodes expiatórios e que nada mais fazem do que esconder problemas que são institucionais e culturais, e não simplesmente pessoais ou partidários. Comparando as reivindicações dos coletes-amarelos franceses e dos manifestantes pelo impeachment de Dilma e do Fora PT e Fora Temer percebe-se que nós brasileiros estamos muito longe de ter uma atuação realmente eficaz que obrigue as instituições a levarem em conta os interesses de outros que não sejam os velhos grupos com dinheiro para influenciar os tomadores de decisão. Lá eles exigem maior repartição dos recursos e dos sacrifícios, aqui vamos à rua para colocarmos um ou outro corrupto na cadeia e nos damos por satisfeitos quando isso acontece, tão satisfeitos que nunca mais fomos à rua massivamente como fizemos em 2015, e soltamos rojões quando Lula foi preso, como se isso tivesse tido algum efeito benéfico no nosso bolso. Mas não quero ser uma estraga-prazeres nesta época natalina e me juntarei aos brasileiros otimistas e esperançosos e direi: bem-vindo ao poder, Senhor Salvador da Pátria, Jair Messias Bolsonaro, Bem-Vindo, Mito! E vivas à democracia brasileira em 2019!