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Luz e Sombras

Posted by on 20/10/2018

Onde se veem arbustos de galhos retorcidos há o mais importante sistema de captação e reserva de água do Brasil fora da Amazônia. Um sistema baseado em vegetação e que garante nove das principais bacias hidrográficas do país. Ameaçado pela expansão do agronegócio, reduzido a cerca da metade de seu tamanho original, ele agora caminha para a maior extinção de plantas já registrada no mundo, com consequências para a oferta de água e a regulação do clima do centro-sul do país, alerta um estudo.

Trecho de artigo intitulado “Cerrado em Risco” publicado no jornal O Globo de 14 de outubro

A vida é repleta de incertezas, mudanças, confusão, informações erradas, algumas vezes de maneira leve e outras de maneira intensa. Do nascimento à morte, a vida exige que nós continuamente saibamos lidar com abstrações, resolver problemas, fazer inferências e realizar julgamentos com base em informações inadequadas. […] Os profissionais e executivos de alto nível classificam sua ocupação como altamente exigente do ponto de vista intelectual, mas somente os primeiros tendem a considerar credenciais educacionais, a leitura e a escrita como essenciais.

Trecho do artigo intitulado “Por que o coeficiente de inteligência importa: a complexidade da vida cotidiana” escrito por Linda S. Gottfredson, psicóloga e professora da Universidade de Delaware

    Prezados leitores, o estudo sobre inteligência humana é sempre motivo de polêmica, pois seus autores são muitas vezes acusados de racistas e preconceituosos por estabelecer diferenças entre as pessoas com base em testes de QI, os quais eles assumem como sendo uma mensuração válida de capacidade mental. A professora doutora Linda Gottfredson foi vítima das paixões que envolvem tais estudos quando o convite que havia recebido para ministrar uma palestra em Gothenburg, na Suécia, em uma conferência do Conselho da Associação Internacional de Orientação Educacional e Vocacional realizada no começo de outubro, foi retirado. No artigo citado acima, a professora Linda fala da repercussão da inteligência, ou da falta dela, sobre a vida de cada um de nós, particularmente sobre a ocupação profissional: cada tipo de profissão exige determinadas habilidades cognitivas, relacionadas por Gottfredson, tais como lidar com situações inesperadas, aprender informações relacionadas ao trabalho e lembrá-las, comparar informações de uma ou mais fontes e tomar uma decisão, aplicar o bom senso para resolver problemas, reagir rapidamente quando problemas inesperados ocorrem. A inteligência não está necessariamente ligada a habilidades acadêmicas: aprender a ler e escrever cada vez melhor não aumenta a inteligência das pessoas, de acordo com os estudos mencionados pela professora em seu artigo, mas é claro que as pessoas inteligentes conseguem adquirir tais capacidades de maneira mais fácil do que as pessoas menos inteligentes.

    Não é difícil entender a utilidade de tais estudos para as empresas selecionarem profissionais: tomando como pressuposto que os testes de QI avaliam a capacidade geral de inteligência, saber o QI dos candidatos é importante para descobrir se demonstrarão as habilidades necessárias para desempenhar as tarefas inerentes a determinado cargo: para um trabalhador de chão de fábrica basta que ele consiga aprender com a experiência, fazendo o serviço, errando, repetindo até acertar; ao passo que na outra ponta, a um CEO de uma empresa, não basta experiência prática: é preciso que ele consiga coletar e associar informações das fontes mais díspares, saber ler as pessoas, isto é, saber se estão mentindo ou falando a verdade, que tipo de personalidade têm, quais são seus defeitos e virtudes, de modo que ele consiga mobilizá-las para executar as decisões do chefe e concretizar as metas do negócio.  O mesmo pode ser dito a respeito do Presidente da República. Para ser bem-sucedido no cargo de líder, o presidente precisa demonstrar as habilidades daquele que tem inteligência suficiente para exercer um cargo de tanta responsabilidade, em que tantas decisões devem ser tomadas e tantas e tão diversas pessoas precisam ser levadas, direta ou indiretamente, a executá-las, do Oiapoque ao Chuí. É aqui que mora o perigo para nós brasileiros, que escolheremos nosso CEO no dia 28 de outubro, Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad.

    Na falta de teste de QI dos candidatos, o que seria politicamente incorreto nos nossos tempos, temos que nos valer do nosso conhecimento sobre a trajetória passada do indivíduo para verificar se ele já exerceu algum cargo em que teve que gerir pessoas, montar equipes e apresentar resultados. Em um primeiro momento, o histórico de Haddad é mais robusto, porque ele já foi Ministro da Educação e prefeito de São Paulo. Entre suas realizações, independentemente do mérito ou demérito delas, constam o Prouni (Programa Universidade para Todos), o FIES (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), o SISU (Sistema de Seleção Unificada) e as ciclovias na cidade de São Paulo. De maneira consistente com os ensinamentos da Dra. Gottfredson, não considerarei que ele tem título de Mestrado e de Doutorado, pois isso não é relevante para determinar sua capacidade de liderança. Jair Bolsonaro, ao contrário, na qualidade de deputado federal desde 1990, até hoje não teve experiência executiva e portanto, não liderou pessoas em quantidade suficiente para que pudéssemos ter certeza se ele consegue realizar algo de concreto, além de pronunciar discursos polêmicos.

    Os defensores de Jair Bolsonaro dirão que não adianta ter experiência no executivo se ela se resumiu à experiência de roubar bilhões como foi o caso do PT em seus 14 anos no poder. Voilà, então apliquemos um outro critério que não seja experiência de liderança em postos no Poder Executivo brasileiro para verificar se Bolsonaro exibe a capacidade mental para ser CEO do quinto maior país do mundo em extensão territorial e sexto em população. Com base naquilo que fala à TV Record, em registros antigos de palestras que ele proferiu pelo Brasil (disponíveis no youtube) e naquilo que falou na entrevista que deu ao programa Roda Viva, em 30 de julho deste ano,  Bolsonaro parece ter um tipo de raciocínio maniqueísta pelo qual ele aborda os problemas exclusivamente sob a óptica do bem e do mal, do amigo e do inimigo: para fazer a economia voltar a crescer é preciso que estimulemos o agronegócio sem que os “ambientalistas xiitas”  e o MST (que ele qualificou como organização terrorista) atrapalhem os fazendeiros de soja e de gado; para acabar com o desemprego é preciso se livrar da CLT ou pelo menos domesticá-la, pois as leis trabalhistas tornam difícil para o empresário contratar (a opção é ter direito e não ter emprego, ou ter emprego e não ter direitos, disse ele no Jornal Nacional em 28 de agosto); para resolver o problema da segurança é preciso dar aos policiais licença para livrar a sociedade dos maus elementos (e dar-lhes condecoração quando voltarem); para conseguir dinheiro para investimentos públicos o inimigo é a corrupção e acabar com ela fará o dinheiro surgir; para dar dinamismo à economia brasileira em todos os setores, além da agricultura o inimigo é a burocracia e o excesso de regulamentações.

    Alguns dirão que ter ideias claras sobre o que combater é louvável, mostra energia e firmeza de princípios. Sem dúvida, sem princípios não há como traçar metas. O desafio e passar das metas à concretização delas e esses princípios sólidos precisam ser matizados para adaptar-se a uma realidade que no mais das vezes é cinza e nunca preta e branca. O perigo é que Bolsonaro tome decisões com base em tais esquemas simplistas de destruir o inimigo. Afinal, a política é a arte do possível: para quem quer realizar algo é preciso ter os amigos por perto e os inimigos ainda mais perto, para saber-lhes as intenções, antecipar os movimentos, negociar, chegar a compromissos. Eliminá-los, quer seja fisicamente pelo assassinato, pela recusa em debater com os esquerdistas, pela categorização de grupos como fora da lei (no caso dos sem-terra), não diminui as complexidades da vida, no máximo trará uma sensação de estabilidade no curto prazo, fazendo com que tudo o que foi estigmatizado e varrido para debaixo do tapete pulule no longo prazo.

    Prezados leitores, considero que até o momento, as habilidades cognitivas demonstradas por Jair Bolsonaro nos seus 63 anos de vida não estão à altura do desafio de governar o Brasil, um país decididamente diverso e complexo, dadas nossas disparidades étnicas, regionais, sociais e econômicas. Se ao tornar-se presidente Bolsonaro tomar decisões com base nesse raciocínio binário que ele demonstra ao falar sobre suas propostas, corremos o risco, só para falar da questão ambiental, de ver o Brasil transformar-se numa plantation de soja, o que nos trará divisas no curto prazo, mas que ao final nos fará um grande deserto. Aguardemos os últimos lances dessa eleição que está mais para luta UFC do que exercício democrático.

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