A coragem física dela parecia não conhecer limites. Em 1942, ela sofreu um acidente no protótipo de avião a jato que ela estava testando; mas a despeito de ter fraturado a coluna em vários lugares, e ter tido seu nariz arrancado do rosto, ela voltou a voar depois de um ano. Foi a primeira mulher alemã a tornar-se Capitã da Aeronáutica, a primeira a receber a Cruz de Ferro, primeira classe. ‘Ela era a única e insubstituível Hanna Reitsch’, afirmou um dos seus colegas homens, ‘um símbolo da mulher alemã e ídolo da aviação alemã’.
Trecho de uma crítica do livro: As Mulheres que Voaram para Hitler: A Verdadeira História das Valquírias de Hitler, escrito por Claire Mulley
As mulheres no geral estão mais “abertas aos sentimentos e à estética em vez de ideias,” “têm um interesse maior nas pessoas do que nas coisas, em relação aos homens,” de maneira que elas acabam trabalhando atendendo o público e não elaborando códigos de computador, o autor do memorando argumenta. As mulheres também demonstram “uma extroversão que se expressa como inclinação para a sociabilidade ao invés da assertividade,” portanto, são mais “agradáveis,” e consequentemente, as “mulheres normalmente têm mais dificuldade para negociar salários, pedir aumento, expressar sua opinião de maneira pública e enfática e para liderar,” de acordo com o memorando.
Trecho de um artigo intitulado “A diferença de gêneros é natural, afirma um funcionário da Google em um memorando de 10 páginas que viralizou internamente”
Prezados leitores, devo confessar-lhes que nunca havia ouvido falar de Hanna Reistch (1912-1979), cujas façanhas são parcialmente descritas no parágrafo introdutório deste meu humilde artigo. Ela até esteve no Rio de Janeiro, voando em um planador em 1934. Também não sabia quem era Melitta Schiller (1903-1945), engenheira aeronáutica e pilota de testes, cujas pesquisas permitiram o aprimoramento da tecnologia empregada para voos noturnos. Judia por parte de pai nascida na Polônia, Melitta participou da conspiração para assassinar Hitler em 1944 e foi a segunda mulher a ser agraciada com a Cruz de Ferro, primeira classe, condecoração militar instituída no Reino da Prússia em 1813. Mulheres excepcionais, que se sobressaíram em áreas dominadas por homens, e o detalhe mais importante é que foram os homens que as reconheceram num momento da história da Alemanha em que os nazistas enfatizavam o papel das mulheres como procriadoras sob o famoso slogan Kinder, Kuche, Kirche (filhos, cozinha, igreja), condecorando com a Cruz de Honra da Mulher Alemã as mulheres que tinham mais de quatro filhos.
Portanto, se Hanna e Melitta foram portadoras da Cruz de Ferro em seu peito, o mérito é indiscutível, elas devem ser aplaudidas de pé, independentemente de terem servido o regime nazista, porque na minha modesta opinião é uma leviandade julgarmos moralmente o comportamento e as atitudes que as pessoas tiveram no passado, submetidas a determinadas circunstâncias que nós no presente não temos como reproduzir para verificar se era possível ou não agir de outra forma. Por outro lado, nada mais natural e necessário do que fazer julgamentos morais no presente, porque precisamos fazer opções ao longo da vida que envolvem a escolha de certos valores que determinam as decisões sobre com quem casar, onde e em que trabalhar, em quem votar. Infelizmente, no mundo ocidental desenvolvido, e aqui refiro-me aos países da Europa e da América do Norte, em que supostamente o direito à livre manifestação das opiniões está consolidado, há certos valores que simplesmente não podem ser professados, pois são considerados heréticos. Violam a religião dominante que é aquela que professa a igualdade de gêneros, isto é, a ideia de que homens e mulheres têm direito às mesmas oportunidades de desenvolvimento profissional e à mesma remuneração. Essa ideia vai além e postula que não há muitas mulheres engenheiras, matemáticas, aviadoras simplesmente porque sofrem discriminação dos homens, que não querem largar sua posição de privilégio.
Assim, em prol da realização prática da igualdade de gêneros é preciso estabelecer cotas para as mulheres, de forma que os homens sejam obrigados a “engolir” as mulheres nos laboratórios de pesquisa, nas empresas de tecnologia, no exército, enfim em qualquer área em que há a predominância do sexo masculino, pois tal predominância é artificial e fruto simplesmente do preconceito e machismo. Quem quer que postule que certas diferenças entre homens e mulheres são inatas é considerado um troglodita, um ser desprezível, indigno de habitar a civilização avançada do Ocidente que caminha a passos céleres rumo ao mundo ideal em que machos e fêmeas realizarão as mesmas atividades e serão recompensados da mesma forma por isso.
A mais recente manifestação de intolerância ocorreu nos Estados Unidos, onde um engenheiro da Google, James Damore, doutor em Harvard, escreveu um memorando intitulado “A Câmara Acústica Ideológica da Google” em que expressava a opinião de que a discriminação positiva para conseguir a igualdade de representação de homens e mulheres no trabalho é injusta, polêmica e ruim para os negócios. Quando se descobriu a identidade do autor, a Vice-Presidente de Diversidade, Integridade e Governança, Danielle Brown, exigiu do CEO da Google, Sundar Pichai, que demitisse James, o que o indiano fez sob a justificativa de que o agora ex-funcionário “promoveu perigosos estereótipos sobre gênero no ambiente de trabalho”. Para quem não sabe, de acordo com a religião da igualdade de gênero, um discurso como o de Damore, que usa expressões como “no geral”, “normalmente”, e portanto, refere-se à média das mulheres, e não a cada uma das mulheres individualmente existentes no planeta Terra, é um pecado porque veicula uma ideia pré-concebida do sexo feminino. Não importa que a realidade corrobore as assertivas do engenheiro, o que importa é que é preciso promover a igualdade simplesmente suprimindo os fatos em campo do universo mental das pessoas. Para os adeptos dessa religião, essa sanitização mental permitirá que um dia haja tantas mulheres aficionadas por programação de computadores e matemática, quanto há homens.
Prezados leitores, fiz questão de associar a religião da igualdade de gêneros aos países desenvolvidos porque fica mais fácil demonstrar o disparate das suas premissas em países em que as pessoas têm acesso à educação de maneira muito mais fácil. Afinal, se Lawrence Summers, o ex-reitor de Harvard, pôde constatar, e foi crucificado por isso com a perda do cargo, que não há muitas mulheres cientistas ou engenheiras no país mais rico do mundo, isso significa, como ele próprio concluiu, que às mulheres falta aptidão para essas áreas, não sendo um problema de discriminação. Essa religião já chegou ao Brasil e já tem muitos adeptos, mas não seria justo tirar as mesmas conclusões que Summers tirou, com base em sua experiência acadêmica estadunidense, em um país como o nosso, em que somente 8% dos brasileiros têm diploma de ensino superior, de acordo com o IBGE. O Brasil é um país em que o ser humano, masculino e feminino, vale pouco, tão pouco que ele é o primeiro a ser sacrificado quando a coisa aperta, como demonstra a reforma trabalhista que acaba de ser aprovada. Não há como argumentar que nós mulheres brasileiras temos a oportunidade de provar nosso valor nas áreas dominadas pelos homens e falhamos.
Em suma, para mim é bom saber que as valquírias de Hitler existiram, foram mulheres de carne e osso, e detalhe, não eram feministas, talvez porque elas mesmas soubessem que fugiam do padrão. Por outro lado, sei perfeitamente que eu correspondo à média das mulheres, e por isso escolhi uma profissão ligada à língua e não aos números. Uma pena que nos dias de hoje falar de tendências gerais seja visto como instrumento de opressão feminina.