É inútil ignorar a tragédia do desemprego. No mundo, os desempregados superam o patamar dos 250 milhões. No Djibuti, Congo, Quênia, ultrapassam a marca dos 40%. Na mesma situação está a Bósnia-Herzegovina. Com taxas acima de 20%, temos cerca de 20 outros, como a Espanha, África do Sul, Angola. As maiores vítimas são jovens, de 14 a 24 anos. […] O que se faz necessário é adaptar a CLT ao mundo globalizado, dominado pela informatização e terceirização. Gerar desenvolvimento e fomentar a criação de empregos, sobretudo para os jovens, é a maior responsabilidade do Estado moderno.
Trecho retirado do artigo escrito por Almir Pazzianotto Pinto, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do TST publicado no Jornal do Advogado de outubro de 2016
Você veja, pelo que eu posso perceber, no futuro empregos com remuneração decente serão tão absurdamente escassos que se você não conseguir colocar seus filhos em um estágio nas férias, terá que aceitar que eles farão parte da classe dos desfavorecidos. Mas como você vai conseguir colocar seus filhos nesse tipo de estágio, se como meu filho, eles não têm certeza do que realmente querem fazer da vida?
Trecho retirado do artigo “Meu pobre filho. Ele vai terminar exatamente como eu” do jornalista inglês James Delingpole
Prezados leitores, o grande Sócrates, o grego, não nosso craque do futebol, deu uma explicação sobre o papel dos especialistas em um regime democrático como o de Atenas. Para ele, os construtores de navios, os sapateiros, os ferreiros, os mercadores eram especialistas no sentido de que dominavam uma técnica de trabalho que lhes permitia obter resultados previsíveis, ou seja, um navio que não afundava, sapatos cuja sola não furava facilmente, facas que cortavam bem e assim por diante. Quando nas assembleias da ágora tratava-se de um assunto técnico nesse sentido não cabia aos cidadãos dar palpites, bastava chamar um especialista e ele seria a pessoa mais bem habilitada a dar conselhos, ou seja, a dizer qual era a melhor forma de conseguir algo.
Por outro lado, quando a questão era decidir sobre que rumo tomar, quando se tratava das ações humanas e de prever como outros seres humanos, por exemplo, inimigos de Atenas, agiriam, de nada adiantava chamar especialistas. Porque no campo do comportamento humano as variáveis são tantas que prever resultados é mero exercício de adivinhação. Nesse caso, os cidadãos de Atenas, antes de decidir o que fazer, deveriam consultar os oráculos e os augúrios, pois é absurdo esperar que haja pessoas capazes de prever com exatidão como as interações entre os seres humanos ocorrerão na prática.
É uma pena que nas democracias modernas façamos frequentemente o exato oposto do que preconizou o homem mais sábio na Terra, como Sócrates ele mesmo definiu-se. Nós confiamos nos especialistas para decidir sobre tudo. Em minha infância, passada na época da hiperinflação, os grandes detentores do saber eram os economistas, os geniais formuladores dos planos ortodoxos, heterodoxos e quejandos de combate à inflação. Atualmente, os desafios são outros, a alta dos preços não é nem de longe a obsessão nacional que era na década de 80. O que importa agora são as tais das reformas estruturais, trabalhista, previdenciária, tributária que permitam ao país diminuir o custo Brasil e nos habilite a participar do mundo globalizado mais bem preparados, já que a concorrência é feroz. Para fazer reformas estruturais é preciso mudar as leis, portanto os especialistas a serem chamados são os advogados. Um deles apareceu na semana passada no programa Roda Viva, Almir Pazzianotto, que conforme, citação na abertura deste artigo, é amplamente favorável a uma desconstrução da CLT, lei considerada obsoleta que atrapalha o aumento da eficiência e da produtividade.
O raciocínio do excelentíssimo advogado trabalhista que vira e mexe é citado em jornais e revistas como autoridade na questão, pode ser resumido no seguinte: contratar pessoas seguindo todas as formalidades da lei criada em 1943 fica muito caro para o empresário, que ainda por cima precisa lidar com o risco oculto representado por ações trabalhistas que podem ser instauradas pelo funcionário tempos depois de ter saído da empresa. Caso a CLT seja modificada para ser mais fácil contratar e demitir pessoas, ou em outras palavras, caso o custo da mão de obra seja diminuído, os capitalistas brasileiros terão mais incentivo para investir e criar empregos, gerando riqueza.
Estou longe de ser uma especialista e seguindo a lição do mestre peripatético, considero que o comportamento humano depende de um infinito número de fatores incontroláveis. A decisão sobre investir ou não investir em um novo ou já consolidado empreendimento depende de coisas tais como a taxa de poupança do pais, a taxa de juros cobrada pelos bancos para empréstimos, o grau de empreendedorismo da economia do país, a possibilidade que o empresário vê de poder vender sua produção no mercado, a taxa de câmbio que influencia nossa capacidade de exportação e de importação. Presumir que haverá maior oferta de empregos em números absolutos simplesmente porque será mais barato ter funcionários já que a lei não estabelecerá tantos direitos quanto faz a CLT, é um exercício de futurologia e não pode se basear em um conhecimento confiável do resultado dessa modificação na lei. Pode ser que realmente consigamos nos livrar da incômoda cifra de 12 milhões de desempregados, mas se alguns desses fatores que arrolei acima estiverem presentes, as previsões otimistas poderão naufragar.
Com efeito, não podemos nos esquecer que o Brasil sofre há algum tempo da doença holandesa, isto é, do fato de sermos globalmente competitivos na produção de algumas commodities. Conforme noticiado no jornal O Estado de São Paulo de 5 de março, houve recentemente uma recuperação nos preços dos produtos que respondem por 60% das vendas externas do país. Isso significa entrada de moeda forte no Brasil, o que leva à apreciação do real. Para a indústria, a grande geradora de empregos, isso é algo ruim, porque facilita as importações e dificulta as importações. Aliada à alta taxa de juros que aqui prevalece, isso gera um círculo vicioso de mais entrada de dólares com fins especulativos, mais apreciação da moeda, menos capacidade da indústria de enfrentar a concorrência chinesa nos manufaturados. Será que a flexibilização da CLT será capaz de gerar empregos em tal cenário negativo? Ou o buraco é mais embaixo, pois múltiplos fatores, cuja solução é incerta, determinam o nível de ocupação da força de trabalho?
E mesmo presumindo que menos obrigações trabalhistas estimulem os empresários a investir e criar empregos, fica uma dúvida. Será que no final das contas só os jovens serão beneficiados, isto é, aqueles que não tinham emprego terão uma chance de trabalho, o que é indubitavelmente uma melhora, mas aqueles que antes gozavam da CLT ficarão ostracizados? Será que as empresas contratarão os “velhinhos” que foram obrigados a descer das nuvens e perder seus direitos garantidos pela famigerada lei de 1943? Uma das regras de um departamento de RH é contratar pessoas por um salário que seja maior do que aquele de que gozavam antes e evitar contratar pessoas por um salário menor do que aquele que ganhavam antes, pois presume-se que faltará motivação a esses infelizes expulsos do paraíso da CLT. Pode ser que as empresas ofereçam uma remuneração que incorpore uma parte daquilo que ia para o governo em termos de encargos sociais e nesse sentido será mais dinheiro no bolso do empregado.
Novamente, isso dependerá de muitos fatores, tais como a capacidade de negociação dos trabalhadores, o tipo de profissional de que o mercado precisará e quão escassas são as habilidades do empregado. Em suma, para os que antes beneficiavam-se da CLT, poderá haver uma seleção natural em que os mais fortes continuarão gozando de direitos tão sólidos quanto gozavam antes, enquanto os mais fracos, desprotegidos pela lei, não serão jovens o suficiente para obter alguma vantagem dos “novos empregos pós CLT” e não serão capazes ou especiais o suficiente para atrair o interesse das empresas a despeito de seu custo mais alto do que os dos jovens em busca do primeiro emprego.
Prezados leitores, a depender da conjunção de fatores da economia brasileira, uma reforma trabalhista pode ser simplesmente uma distribuição de renda dos trabalhadores, que perderão direitos, e do governo, que perderá arrecadação, para os empresários, que terão menos custos, mas não necessariamente investirão o excedente. Se o Brasil seguir essa toada de ser uma economia baseada em commodities, que agrega pouco valor, a reforma trabalhista será um mero dumping social. Daí porque considero que um assunto desse tipo deve ser resolvido pelos métodos democráticos e ser retirado das mãos dos especialistas. Em uma última análise, é um cabo de guerra entre os jovens e os não tão jovens desempregados de um lado e os “velhinhos” celetistas de outro. Que nos deixem resolver a disputa pelo voto, por audiências públicas no Congresso de que participem os interessados, por um referendo popular sobre a reforma trabalhista. Mas, por favor, não deixem que os especialistas controlem o debate pretendendo saber o que vai acontecer no futuro. Isso não dá para engolir. Afinal, como Sócrates nos alertou, cada macaco em seu galho.