A eficácia do líder populista nas funções de Governo dependerá da margem de compromisso que ocasionalmente exista entre os grupos dominantes e de sua habilidade pessoal para superar, como árbitro, os enfrentamentos e para encarnar a imagem da soberania do Estado, em face das forças sociais em conflito.
Trecho retira do texto escrito pelo cientista político Francisco Carlos Weffort (1937-), “O Populismo na Política Brasileira”
O que realmente importa não é qual partido controla o governo, mas se o governo é controlado pelo povo. 20 de janeiro de 2017 será lembrado como o dia em que o povo se tornou o comandante deste país de novo.
Trecho do discurso de posse do 45º Presidente dos Estados Unidos, Donald John Trump
Eles financiarão a infraestrutura por meio de títulos de dívida e parcerias público-privadas, linhas de trem e linhas de transporte. Quem serão os beneficiários disso e quem vai pagar por isso? Se o governo não pagar por isso serão os detentores de títulos públicos e Wall Street.
Trecho de entrevista dada pelo professor de economia da Universidade do Missouri, Michael Hudson sobre o plano de Donald Trump de investir na construção e renovação da infraestrutura nos Estados Unidos
Prezados leitores, por razões profissionais recentemente tive que inteirar-me sobre o mecanismo de funcionamento do empréstimo consignado, cuja lei, de número 10.820, entrou em vigor em 17 de dezembro de 2003. Considero que do legado de Lula, que inclui a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, o empréstimo consignado constitui uma perfeita síntese do que nosso ex-presidente tentou como legítima expressão do populismo latino-americano, a saber, conciliar interesses antagônicos em sociedades com grandes disparidades econômicas, sociais e culturais como a brasileira. O desconto em folha de pagamento de empréstimos contraídos por assalariados em instituições financeiras é bom para os bancos, porque dá uma garantia mais sólida de que haverá pagamento, e permite ao trabalhador pegar dinheiro a taxas um pouco mais baixas do que as normalmente praticadas no mercado brasileiro. Uma maravilha, não? Em termos.
O caldo entorna quando o devedor perde o vínculo empregatício e as taxas de juros incidentes sobre a dívida aumentam porque o empréstimo transforma-se em empréstimo comum. Considerando a pouca educação financeira que nós brasileiros temos, isso pode transformar-se em uma bola de neve que escraviza o correntista, porque o banco vai continuar cobrando a dívida fazendo débitos automáticos de qualquer valor que caia na conta do pobre indivíduo que a esta altura estará desempregado, sem renda garantida e provavelmente devendo três vezes mais do que o início (foi o que aconteceu no caso com o qual tive contato). E como não deixar de pagar, se precisamos ter conta corrente se quisermos almejar ter de novo vínculo empregatício? Em suma, o que era um pacto perfeito costurado pelo sindicalista Lula entre o interesse dos banqueiros de aumentar sua carteira de clientes com o mínimo de risco e o interesse dos trabalhadores de ter crédito para comprar bens de consumo duráveis, tem transformando-se muitas vezes em um pesadelo para os incautos trabalhadores do Brasil, irremediavelmente pegos na teia das armadilhas financeiras dos bancos.
Esta é uma das várias contradições de Lula, que tentou ser amigo de todos, das “zelites”, do povo, e acabou em muitos aspectos sendo amigo da onça de muitos. Como mostra Weffort em seu texto, que li em em meus tempos de escola quando estudávamos o primeiro grande espécime do gênero no Brasil, Getúlio Dornelles Vargas, o populista , ao fazer a ponte entre o povo que o elegeu e os donos do poder, precisa ter muito jogo de cintura e conseguir uma sintonia fina entre os vários interesses: não pode desgostar muito a elite para que ela não pense em derrubá-lo por meio dos meios de que dispõe, e não pode deixar de satisfazer os anseios do povo que nele depositou suas esperanças de conquistar direitos. O PT de Lula conseguiu essa sintonia fina embalado pelo crescimento econômico, mas quando este mingou a partir de 2011 chegou a hora da verdade, os compromissos não mais puderam ser feitos. Era preciso escolher, e os donos do poder no Brasil escolheram livrar-se do PT porque o cobertor ficou extremamente curto para cobrir as veleidades de justiça distributiva a que se dá o nome de populismo fiscal. O Sr. Temer no poder permite passar a conta da crise das finanças públicas para quem não tem direito adquirido nem meio de fazer lobby convincente em Brasília.
Nós, na América Latina, estamos acostumados com a ascensão e queda de populistas. A grande novidade no momento é que no lado de cima do Equador, os antagonismos econômicos provocados pela globalização fizeram surgir um populista em pleno Primeiro Mundo, o Aprendiz Donald Trump, que em seu discurso de posse deixou claro que pretende ser a ligação direta entre o povo, em nome do qual o poder é exercido, e o exercício do poder. O mundo espanta-se com isso, mas o fato é que nos últimos 30 anos os Estados Unidos acabaram vendo surgir em seu seio bolsões de Terceiro Mundo, infestados de desemprego, de criminalidade, de falta de infraestrutura pública, cuja existência Trump teve a qualidade de reconhecer e enfatizar, algo que sua adversária, Hillary Clinton, nunca fez, preocupada que estava com a política das minorias. Mas agora, cabe a pergunta, que tipo de populista será o 45º presidente dos Estados Unidos? Terá ascensão e queda meteórica como o costuma acontecer no lado de baixo do Equador? Ou conseguirá ser o fazedor de consensos, gerando crescimento econômico e empregos e fazendo todos prosperarem, transformando-se em criador de uma nova síntese pós-globalização?
Uma vantagem de Trump é que ele chega curtido na batalha feroz que travou com a grande imprensa de seu país, e sabe que ela jamais lhe dará trégua. Por isso não cansa de fustigar a CNN, o New York Times e outros, e vale-se do Twitter e da mídia alternativa na internet para transmitir sua mensagem, blindando-se contra os ataques. O PT e seu mentor perceberam muito tarde que os principais meios de comunicação do Brasil queriam defenestrá-los do poder e para tanto promoveram incansavelmente a cruzada contra a corrupção dos governos Lula e Dilma. A má fé da nossa grande imprensa mostra-se agora quando a vetusta VEJA já descarta de antemão como teoria da conspiração qualquer suspeita sobre a morte para lá de estranha do juiz mais sério do STF, Teori Zavascki, que não havia cedido à tentação de tornar-se celebridade. Não é de se admirar que a morte de Teori não cause a comoção que deveria causar nos supostos arautos da honestidade na política. Afinal, o objetivo principal era tirar o PT do poder e isso já foi conseguido. Enfim, o Aprendiz, por ser um homem que já trabalha há muito anos na televisão, sabe que quem não domina os meios não domina os conteúdos das mensagens e não domina as mentes. Por mais que a mídia tradicional trucide Trump, ele é um manipulador hábil e não se deixará imolar como um bezerro desmamado.
Por outro lado, nos Estados Unidos a briga de grupos com interesses conflitantes é briga de cachorro grande, não é para amadores. Há o complexo industrial-militar que quer que o Império Americano se expanda eternamente, mesmo à custa de mais e mais déficits, há as agências de inteligência que querem continuar invadindo a privacidade dos cidadãos, há os que querem briga com a China, outros que querem briga com o Irã, ainda outros para quem que o inimigo deve ser a Rússia. O que Trump fará? Vai jogar um grupo contra os outros para melhor governar em nome do povo, vai tentar chegar a um denominador comum ou vai jogar migalhas aos pobres, como Michael Hudson acha que ele vai fazer no caso da infraestrutura usando os bancos para viabilizar financeiramente as obras e tornando o país mais endividado?
Prezados leitores, preparem-se para um espetáculo inédito, um legítimo populista em pleno coração do Primeiro Mundo. Se Donald Trump será a voz do povo ou será um eficaz ventríloquo nas mãos das elites globais permitindo-lhes escamotear os efeitos perversos do seu sistema de um mundo sem fronteiras, é uma grande incógnita no momento. Esperemos e apertemos os cintos, porque os solavancos virão, qualquer que seja o desfecho.