Quem desperdiça e consome em bebida o dinheiro do fundo comunitário, da escola, da igreja? O mujique. Quem rouba os vizinhos, provoca incêndios de propósito e presta falso testemunho na justiça, em troca de uma garrafa de vodca? Quem, na assembleia do conselho local e em outras reuniões, se pronuncia contra os mujiques? O mujique. Sim, viver com eles é horrível, mas também são gente, sofrem e choram feito gente, e na vida deles não existe nada que não possa encontrar uma justificação.
Trecho retirado do conto “Os Mujiques” do escritor russo Anton Tchekhov
Donald Trump. O que ele representa na psiquê americana e europeia? Ele representa o lixo branco americano, [que Hillary Clinton chamou] de ‘deploráveis e irredimíveis’. Isso significa que do ponto de vista do establishment ou de um cosmopolita educado, essas pessoas são como os caipiras, e não se pode jamais lidar com eles — por meio das suas palavras e ações e do tipo de pessoa que comparece a seus comícios — Trump representa as pessoas que não são da classe média e nem da classe média alta qualificada, há um medo de ver-se associado de alguma maneira a eles, uma fobia social que diminui o status de classe de qualquer pessoa acusada de uma maneira ou de outra de ajudar Trump de alguma forma, incluindo alguma crítica a Hillary Clinton.
Trecho de entrevista dada por Julian Assange a John Pilger, fundador do Wikileaks, que está refugiado na embaixada do Equador em Londres desde agosto de 2012
Prezados leitores, o Sr. Julian Assange não vê a luz do dia há quatro anos. O aparato policial que impede que o programador e jornalista saia do cafofo proporcionado pelo governo do Equador, que aceitou seu pedido de asilo político, custa ao governo britânico 12,6 milhões de libras esterlinas. Julian não pode ver a luz do sol porque se abrir a janela ele será imediatamente preso e extraditado para os Estados Unidos. Provavelmente não mais para a Suécia, porque a acusação de estupro que pesava sobre Assange foi retirada pela promotora de Estocolmo, Eva Finne, que constatou que a polícia havia forjado a história do estupro, o que foi admitido pela suposta vítima. Em fevereiro de 2017 haverá eleições no Equador, e se o novo presidente for mais amigo do governo americano, o favor prestado a Julian será retirado e ele será enviado aos Estados Unidos.
Julian Assange é um homem muito perigoso. O Wikileaks tem revelado várias coisas a respeito do Partido Democrata e de sua candidata à Presidência, Hillary Clinton. Os e-mails hackeados do coordenador da campanha de Hillary, John Podesta, mostram que pessoas eram pagas para provocar o público nos comícios de Donald Trump e causar confusão, de modo que pudesse ficar evidente o quanto os eleitores do fanfarrão fascista. Como ele normalmente é qualificado, são brutos. O toma lá dá cá entre Hillary Clinton como Secretária de Estado e os líderes de diferentes países também ficou evidente. Marrocos deu 12 milhões de dólares à Fundação Clinton, Catar deu um milhão de dólares e em troca o representante do país foi recebido pelo excelentíssimo fumador de charutos Bill. A Arábia Saudita é doadora de dinheiro para as atividades benemerentes de Hillary e Bill e em troca quando Secretária de Estado a candidata a Presidente aprovou o maior acordo de fornecimento de armas jamais assinado, de 80 bilhões de dólares. Aliás, em dólares as exportações de armas dos Estados Unidos duplicaram durante a permanência dela naquele cargo. O Wikileaks, ao mostrar os e-mails que a candidata democrata guardava em seu servidor pessoal também revelou o papel fundamental que ela teve na invasão da Líbia, que causou a morte de 40.000 pessoas no país e ao destituir e matar Gaddafi abriu caminho para o caos, já que enquanto havia um governo comando pelo famigerado ditador a Líbia policiava o Mediterrâneo. O resultado é o que vemos agora: as levas e levas de migrantes tanto da África quanto do Oriente Médio chegando às costas da Sicília e da Grécia.
No entanto, o que Dona Hillary realmente fez ao longo de sua carreira política, sua venalidade e sua atuação como agente da expansão dos tentáculos do Império Americano no mundo, não é importante, é um mero detalhe. O importante é o que ela representa, ou quem ela representa, em oposição a Donald Trump. Hillary Clinton representa os americanos que são “abertos para a diversidade”, nas palavras da revista VEJA, mais escolarizados, mais novos, mais otimistas, mais femininos. Donald Trump representa os homens brancos, nostálgicos em relação aos Estados Unidos que não tinham tantos mexicanos e que não tinham tanta desigualdade, os que não têm diploma universitário, as pessoas com mais de 50 anos, a classe operária que perdeu emprego com a transferência de fábricas para outros locais fora dos Estados Unidos, em nome do princípio sagrado da globalização das cadeias globais de suprimento.
Em suma, Donald Trump é o porta-voz do lixo branco racista, machista, xenófobo, Hillary Clinton é a porta-voz das pessoas tolerantes, daqueles que não temem a globalização e as mudanças profundas que ela trouxe ao país, seja porque conseguiram um lugar ao sol e não foram atingidos pelo desemprego estrutural, seja porque embora não tenham sido beneficiados pelo enxugamento da base manufatureira do país (responsável por aproximadamente 19,4% do PIB em 2015 de acordo com dados do World Factbook da CIA) e pela expansão do setor de serviços (responsável por 79,5% do PIB do país em 2015 de acordo com dados do World Factbook da CIA) fazem parte de alguma minoria ou grupo considerado em desvantagem que recebe benefícios sociais do Estado. Ao lixo branco simbolizado por Trump, na época em que os Estados Unidos viviam em grande prosperidade industrial, ofereciam-se empregos em número suficiente para que pudessem caminhar com suas próprias pernas. Atualmente, nem todos conseguem adequar-se ao perfil de prestadores de serviços. O resultado em termos de qualidade de vida já se faz sentir. Um relatório, preparado por David Squires e David Blumenthal do Commonwealth Fund revela que entre 1999 e 2014 as taxas de mortalidade de americanos brancos com 56 anos de idade aumentou, devido principalmente a suicídios, overdose de drogas e doenças do fígado causadas pelo álcool. Tal aumento da mortalidade verifica-se especialmente em sete Estados do Sul dos Estados Unidos, Virgínia Ocidental, Mississipi, Oklahoma, Tennessee, Kentucky, Alabama e Arkansas.
É nesse sentido que a eleição de 8 de novembro representa um ponto de inflexão. Se a vitória de Hillary Clinton confirmar-se, será o dobrar dos sinos para aqueles desdenhados pela candidata como deploráveis. Nos debates com Donald, ela propôs um caminho para a cidadania americana, que na prática significa anistiar os imigrantes ilegais, o que obviamente vai incentivar os fluxos de pessoas. Em outras palavras, mais concorrência pelas vagas de emprego para os brancos americanos sem ensino superior que não mais têm a chance de ter uma vida digna como operários. O bilionário ao contrário, promete um alento para o lixo branco construindo na fronteira com o México um muro para coibir a imigração ilegal e promete impor sobretaxas nos produtos importados pelas multinacionais para incentivar a relocalização das fábricas nos Estados Unidos.
Diante desse quadro que tentei abreviadamente descrever, não admira que os perdedores da globalização e da diversidade tenham se encantado pelo discurso incendiário de Donald Trump. Como não ter pena desses pobres coitados cujos avós sustentavam a família trabalhando na fábrica e que agora vivem mergulhados no álcool ou na heroína? Mas assim é a vida. Os índios foram exterminados impiedosamente por esses homens brancos para ocupar a massa de terá entre o Oceano Atlântico e o Pacífico, agora os brancos da classe baixa devem dar lugar aos não brancos para que a globalização possa consolidar-se sem atropelos. Só nos resta dizer a esse deploráveis: Tchau, queridos!