[…] estamos passando de uma era de escassez de informações para uma era de superabundância de informações. Por definição, os poderosos no futuro continuarão a exercer domínio sobre a mente dos homens, mas os métodos de manipulação serão alterados. A tecnologia do poder está mudando da ênfase do passado na privacidade e ocultação para as técnicas mais contemporâneas de distração, viés, concepções erradas e estupidez deliberada.
Trecho retirado do artigo “De Orwell para Gadwell e de volta para Orwell” escrito pelo jornalista americano Steve Sailer (1958-.
O poder não pode ser destruído, somente dividido e distribuído. Ele pode despedaçar-se em uma guerra anárquica de todos contra todos. Ou ele pode solidificar-se como uma tirania. Ou então pode consolidar-se como uma sociedade livre governada por leis universalmente reconhecidas.
Trecho do livro “A Raiva contra Deus – como o ateísmo levou-me à fé”, do jornalista britânico Peter Hitchens (1951-
Prezados leitores, na semana passada tentei ser otimista, contra minha natureza pessimista, que de acordo com meus estudos é geneticamente determinada pelas condições em que o homo sapiens viu-se nas savanas africanas. Nesta semana permitam-se voltar ao meu modo default, e desfiar minha ladainha de lamentações pelas pesquisas eleitorais. Em uma era como a nossa, em que pressupomos que quanto mais informações melhor, as pesquisas são vistas como um serviço à democracia, pois permitem aos eleitores decidir sobre o voto com mais fundamentação, com base nas reais chances do candidato.
Discordo dessa posição porque no Brasil as pesquisas estimulam um clima de corrida de cavalos, em que os eleitores ficam ansiosos por apostar no puro sangue com chances de vencer. A eleição de João Doria para a prefeitura de São Paulo já no primeiro turno, é um exemplo claro da influência desmesurada das porcentagens sobre nossa decisão de voto. Os paulistanos, assim como os demais brasileiros, foram bombardeados pelos institutos de pesquisa com os índices de aprovação dos “cavalos” que estavam no páreo. Esses institutos asseguram-nos que são sérios, que seus métodos de amostragem permitem uma boa representatividade da população. Não digo nem que sim nem que não, e ao que me consta eles nunca passaram por uma auditoria, apesar de prestarem um serviço que é cada vez mais relevante em nossa democracia que é unicamente eleitoral.
Claro, não há necessidade legal de o IBOPE ou o DATAFOLHA serem fiscalizados, não são empresa de capital aberto que precisam ter seus números validados ou terem seus controles internos examinados por auditores independentes. Por outro lado, espanta-me que nós reclamemos tanto das urnas eletrônicas, que não nos dão recibo do voto e levam a toda sorte de teorias sobre a manipulação dos resultados, e acreditemos piamente que perguntar as intenções de voto de algumas centenas de pessoas na rua equivale a saber com certeza que candidato os milhões vão escolher no dia da eleição. Não me entendam mal. Seria temerário da minha parte dizer que os institutos de pesquisa deliberadamente distorcem os números, mas tomar os números obtidos pelos pesquisadores como absolutos é um pouco ingênuo do ponto de vista estatístico.
Infelizmente é assim que nós brasileiros participamos do processo democrático. As únicas notícias que nos interessam a respeito dos candidatos são os índices que eles conseguem, sempre expostos na capa dos jornais. É nesse sentido que as eleições municipais em São Paulo foram emblemáticas. As últimas pesquisas indicavam Dória na frente e o atual prefeito Fernando Haddad do PT dando um “sprint” para chegar ao segundo turno. Isso causou pânico naqueles que consideravam que o principal objetivo neste momento é destruir o PT. Afinal temos sido informados há vários meses que o partido montou o maior esquema de corrupção na história do Brasil. Não sei se isso é verdade. A respeito se o PT é o partido mais corrupto que já tomou o poder no país devo fazer um parêntese.
Há enganação nos trópicos desde que os portugueses seduziram os índios com suas miçangas em troca do pau-brasil. Para relembrar-lhes a história, os europeus as consideravam quinquilharias, já os nativos as viam como preciosidades exóticas, afinal os primeiros habitantes daqui não dominavam a técnica de fabricação de vidro. Quando eu era criança, o escândalo financeiro da época era o caso Delfin, depois vieram as tramoias de Naji Nahas na bolsa de valores, o escândalo do BANESPA em São Paulo, o do BANESTADO no Paraná. A diferença entre todos eles e o mensalão e o petróleo, característicos da era PT, é que há mecanismos mais eficientes de investigação atualmente, mecanismos estes que por razões que saberemos talvez daqui a algumas décadas estão sendo usados de maneira especialmente eficiente contra a turma dos defensores dos trabalhadores.
O que importa reter a respeito desse meu parêntese é que a enxurrada de manchetes sobre prisões de peixes graúdos, trechos escabrosos de delações premiadas e valores vultosos de propinas levaram nós brasileiros a crer que o partido de Lula é um antro de corrupção, e portanto, é preciso que nos livremos desses agentes do mal. Daí a sofreguidão vista em São Paulo em prol do voto útil logo na largada, quando a sensatez deveria orientar-nos a votar de acordo com nossas convicções sobre a melhor proposta, para depois no segundo turno escolhermos o menos pior. Infelizmente, as pesquisas divulgadas regularmente permitiram esse tipo de comportamento utilitarista de transformar o primeiro turno em plebiscito de repúdio ao PT no poder.
Nesse dérbi, Celso Russomano viveu novamente a sina de cavalo paraguaio, pecha da qual talvez ele não mais se livre, típica da nossa mentalidade de vermos e pior, vivenciarmos, as eleições como rinhas, quando na verdade deveriam ser oportunidade de cobrarmos propostas de candidatos e de exigir deles determinados compromissos. Em tal clima de mera luta pelo poder de estar por cima da carne seca não é de se admirar que, de acordo com dados do jornal O Estado de São Paulo, neste ano ao menos 96 candidatos, pré-candidatos e cabos eleitorais foram assassinados. Podem chamar-me de rabugenta, ou de simplista, mas nossa obsessão com pesquisas eleitorais é tanto um sintoma dessa mentalidade de nós contra eles, quanto uma causa, porque estimulam nosso sentimento de competição em relação ao páreo eleitoral.
Vivemos um momento delicado em nosso país. O governo Temer acaba de anunciar nos jornais, como esforço de propaganda, que vai tirar o país do vermelho. O que essa frase de efeito, típica dos marqueteiros, significa? Que estamos atolados em problemas e que nossos mandatários irão resolvê-los? Ou que o Brasil chafurdou durante 13 anos em políticas de esquerda e que agora é hora de uma guinada à direita? Se for este o caso, o que significará para os brasileiros comuns a guinada à direita? Que o ônus das reformas que nos dizem ser urgentemente necessárias recairá sobre aqueles que não tem lobby constituído para exercer pressão sobre as instituições que decidem, e somente são chamados a participar da democracia eleitoral, vulgo briga de galos na hora da votação? Qual o propósito de usar figuras de linguagem que nos deixam alarmados? Fazer-nos mais resignados a aceitar medidas duras de engolir em tempos normais?
Prezados leitores, como assinala o jornalista inglês Peter Hitchens, o poder sempre existirá e o ser humano, anjo caído que é, sempre abusará do poder se tiver a oportunidade de fazê-lo. A questão que deveria ser a principal para nós não é simplesmente como erradicar o PT do poder de uma vez por todas e substituir os vermelhos por outra patota menos chamuscada por denúncias. Deveria ser como distribuir melhor os poderes republicanos para sermos mais bem governados. Talvez enfocar isso seja pedir muito para nós brasileiros, que gostamos tanto das brigas de galo.