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Arautos do caos ou senhores da luz?

Posted by on 27/09/2016

Evoluímos para suspeitarmos de tudo e nos preocuparmos com tudo: o medo e a preocupação são ferramentas de sobrevivência. Os caçadores e coletores que sobreviveram às tempestades repentinas e aos predadores eram aqueles que tendiam a perscrutar o horizonte em busca de novas ameaças, em vez de sentarem e apreciarem a paisagem. Eles nos transmitiram os genes do estresse. Essa é a razão pela qual achamos histórias sobre coisas que dão errado muito mais interessantes do que histórias sobre coisas que dão certo. Essa é a razão por que más notícias vendem e os jornais estão cheias delas.

Trecho do artigo “Nossa era de ouro”, escrito por Johan Norberg, jornalista sueco autor do livro “Progresso: 10 razões para esperar pelo futuro”

Na crise, Brasil vira ‘rei’ do pote de plástico: Busca por porta-mantimentos e marmitas faz Tupperware brasileira liderar vendas globais

Título de um artigo publicado no jornal O Globo de 25 de setembro sobre o aumento de vendas da empresa americana Tupperware no Brasil devido à diminuição na procura de refeições fora do lar

    Prezados leitores, para quem não tinha ouvido falar de Johan Norberg, permitam-me apresentar-lhes um sujeito de 43 anos, cujo objetivo em seu último livro é mostrar que nunca houve uma época melhor na história da humanidade para estar vivo. Afinal de contas, a pobreza, a desnutrição, o analfabetismo, o trabalho e a mortalidade infantil estão diminuindo a um ritmo jamais visto antes. O risco de sermos vítimas de guerra, ditadura ou desastre natural é o menor jamais registrado. E, apesar de todas essas melhorias gritantes na qualidade de vida do homo sapiens, este pobre bípede continua a focalizar somente o que acontece de ruim, a dar ouvidos a quem fala sobre o caos iminente, como Donald Trump nos Estados Unidos, ou Marine Le Pen na França, e a considerar que os bons tempos já passaram e que hoje tudo é decadência.

    A explicação de Norberg, conforme descrita acima, é a de que esse pessimismo e essa angústia permanentes em relação ao futuro ajudaram nós seres humanos a sobrevivermos nas savanas africanas e garantirmos nossa perpetuação como espécie, pelo menos até agora. Em suma, no esquema darwiniano, é fundamental seguir à risca a lei de Murphy, formulada por um cientista da NASA, Edward Murphy, pela qual devemos considerar o fracasso como certo para melhor prepararmo-nos contra quaisquer eventualidades. O lado negro de sempre vislumbrar o pior cenário é que acabamos negligenciando as imensas conquistas já realizadas e pior, ficamos obcecados com o que acontece de ruim, como se a derrota fosse a norma.

    Não restará dúvida a quem lê meus humildes artigos que pertenço ao clube dos arautos do caos. Em uma semana, reclamo da introdução do parlamentarismo pelo tapetão por meio do impeachment de Dona Dilma Rousseff. Na outra semana, proclamo meu voto em Donald Trump com a justificativa que se Hillary Clinton for eleita a chance de uma Terceira Guerra Mundial será exponencialmente maior. Na semana seguinte, comento a divisão entre rentistas que vivem de emprestar dinheiro ao governo, e trabalhadores que estão sentindo na carne a desindustrialização precoce do Brasil. Em suma, meu enfoque é sempre naquilo que está dando muito errado, ou que pode dar muito errado.

    Para fazer um mea culpa e tentar compensar todo o meu irrefreável pessimismo, proponho-me nesta semana a tentar ver o lado positivo das coisas. Afinal, se o povo brasileiro não está mais comendo em restaurantes como antes devido à inflação da alimentação fora de casa ter atingido 10,38% no ano passado, isso levou a algo bom. A Tupperware está investindo na expansão de sua fábrica em Guaratiba, no Rio de Janeiro, e o número de consultores de venda dos famosos potinhos aumentou 19% entre abril e junho deste ano.

    Muitos de nós reclamamos que está difícil votar nas eleições municipais de 2 de outubro, que o nível dos candidatos é muito baixo, e que é melhor pagar a multa ou justificar a ausência na cabine de votação do que ter que escolher o menos ruim. Mas será que nossa insatisfação com os candidatos não é uma oportunidade de nós tentarmos ter uma influência maior no processo de escolha pelos partidos? Nesta primeira eleição em que as contribuições de pessoas jurídicas estão proibidas, só 0,16% dos eleitores brasileiros realizaram doações, de acordo com dados coletados pelo jornal O Estado de São Paulo. Isso significa que à parte reclamarmos da corrupção dos políticos, fazer piada das promessas não cumpridas, lavamos as mãos e não assumimos nenhuma responsabilidade pelo aprimoramento dos realizadores de fato da democracia.

    Não doamos porque desconfiamos deles, o que os leva a cair inevitavelmente nos braços de empresas que fazem contribuições com o objetivo de conseguir vantagens na forma de contratos, subsídios e tal. Será que nossa completa desolação com aqueles que nos representam, nossa generalização de que todos são inapelavelmente imprestáveis, não nos oferece a chance de tentar mudar esse estado de coisas? Talvez se começássemos a chamar a atenção dos nossos políticos, fazê-los virar o rosto para a população em geral, eles começariam a mudar de comportamento. Para quebrar o gelo, solidificado por centenas de anos de distanciamento, poderíamos começar assim: “Ei, estou aqui, doei um pequeno valor para sua campanha, espero que você em troca ouça meus pleitos, que aliás são bem humildes, compatíveis com a pequenez da minha doação. Não quero concessões, outorgas, contratos, quero simplesmente que haja um clinico geral 24 horas por dia, sete dias por semana no posto de saúde perto da minha casa.”

    Em outras palavras, será que a proibição de as pessoas jurídicas fazerem doações não é uma oportunidade de descentralizar as demandas feitas aos políticos, pulverizá-las em uma miríade de pequenos pedidos que dificultaria o toma lá dá cá porque aumentaria exponencialmente o número de partes no negócio? Será que a diminuição da possibilidade de um pequeno grupo de grandes doadores ter influência sobre as decisões dos nossos representantes não os obrigaria a formular e executar verdadeiras políticas públicas que contemplassem as necessidades de milhares de pequenos doadores que não querem ter o privilégio de fornecer plataformas de petróleo ou construir hidroelétricas na Amazônia, mas simplesmente ter uma melhor qualidade de vida?

    É verdade que como aponta Marlon Reis, do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral, o brasileiro não tem a cultura de doar para políticos com os quais eles têm alguma afinidade ideológica, mas sim de trocar seu voto por um bujão de gás, por um enterro, por uma dentadura, por uma inscrição no Bolsa Família. Ora, será que essa vivissecção que nós brasileiros estamos testemunhando e que está nos mostrando as entranhas do modo de fazer política no Brasil não é um chamado às falas de nós mesmos, os eleitores que tradicionalmente temos deixado a política a cargo dos profissionais, com graves consequências, como estamos vendo? Que tal se aproveitássemos a oportunidade dada pelo espetáculo patético dos nossos representantes de esquerda, de direita e de centro para irmos à luta e dedicarmos uma parte do nosso tempo a fazer política? Por exemplo, participar de audiências públicas, mandar e-mail aos membros do Legislativo, cobrar-lhes providências, denunciarmos más práticas aos jornais.

    Prezados leitores, confesso que o viés pessimista que predomina em minha personalidade está zombando dessa minha tentativa de ver o lado positivo da crise política brasileira e murmurando que minhas propostas são quimeras. Quimeras hoje, poderão ser realidade em alguns anos se virmos a Operação Lava Jato, o desmanche do PT, a falta de caráter do governo Temer (no sentido macunaímico e amplo do termo) como um fundo de poço do qual a saída só pode ser a luz do sol lá em cima. Oxalá tenhamos a coragem de sairmos da nossa zona de conforto e termos a coragem de ser otimistas e colocarmos a mão na massa.

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