Em 1990, as exportações de manufaturados eram 62% do total exportado brasileiro. O Brasil era um grande exportador de manufaturados. Hoje, está em 35% e vem caindo, o que é uma desgraça, porque o valor adicionado per capita da indústria é muito mais alto que o da agricultura. […] A desindustrialização que ocorre no Brasil é uma desindustrialização prematura. Os países ricos começaram a se desindustrializar em um nível de renda per capita muito mais alto que a renda per capita do Brasil hoje. […] Interessa [a sobrevalorização do câmbio] à classe média, no curto prazo: toda ela vai para Miami, vai fazer enxoval de noiva em Miami.
Trecho de entrevista dada à Revista da CAASP por Luiz Carlos Bresser-Pereira, de 82 anos, professor universitário, advogado e ex-ministro da Fazenda no governo Sarney.
Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis
Parágrafo único do artigo 52 da Constituição Federal, que trata das atribuições privativas do Senado Federal, entre elas julgar o Presidente da República por crime de responsabilidade
Prezados leitores, dá gosto ver o Luiz Carlos Bresser-Pereira e ouvi-lo falar. De um lado, dá gosto ver porque ele ainda está mais ou menos parecido com o que ele era nos idos de 1980, quando foi o todo poderoso Ministro da Fazenda que falava pelos cotovelos. Sua voz continua a mesma, o que é uma grande conquista para um senhor de 82 anos. E principalmente sua capacidade de raciocínio é apuradíssima. Um alívio para aqueles que como eu frustram-se com a mesmice do discurso dos sábios de plantão, que repetem a ladainha da necessidade do ajuste fiscal, da recuperação da confiança dos investidores internacionais etc e tal.
Por outro lado, dá uma tristeza muito grande ver que a qualidade dos nossos homens públicos vem caindo sobremaneira há três décadas. Tínhamos um cabedal de seres pensantes que tinham uma ideia do que era o Brasil e para onde ele poderia ou deveria ir. Quem no espaço público pensa hoje sobre que rumo o Brasil deve tomar? Estamos todos atônitos, fazendo coisas sem reflexão nenhuma, ou melhor refletindo com base em nossas malquerenças particulares. Para lhes mostrar quão confusa é a situação vou lhes fazer perguntas para as quais ainda não obtive uma resposta, brasileira que sou compartilhando a angústia existencial de todos.
Para que foi feito o impeachment? A lambança que fizeram com o fatiamento da votação torna essa pergunta pertinente. Afinal, se o impeachment foi feito para livrarmo-nos de uma criminosa, isto é, uma pessoa que cometeu um crime próprio de responsabilidade, seria lógica aplicar-lhe a punição estabelecida taxativamente pela Constituição, conforme transcrita acima. Por que foi feito um acordo entre Michel Temer, Renan Calheiros, Kátia Abreu e Ricardo Lewandowski para poupar Dilma da perda dos direitos políticos? Por acaso Dilma só perdeu o mandato de Presidente porque não era assim tão criminosa, era meio-criminosa? E se o crime não foi seu maior pecado qual foi então? O de ser incompetente, isto é, o de levar o PIB do país a voltar aos níveis de 2010, como está ocorrendo agora em 2016?
Será que em um regime presidencialista como o nosso, e em um país como o nosso, em que a democracia é uma espécie que já foi tão pisoteada, maltratada e espezinhada, tirar uma presidente incompetente assim, em um arremedo de voto de desconfiança do parlamento que usou a pedalada fiscal como tênue razão jurídica, é algo que passará incólume e que será bem absorvido? Dirão alguns que o impeachment de Collor ocorreu sem problemas. Mas ao que me conste, o impeachment de Collor gozava de uma unanimidade muito maior do que o de Dilma. A palavra golpe não estava tão disseminada como está agora. Será que não é melhor que aqueles que acham que o impedimento de um Presidente deve ser a regra quando seu desempenho não for satisfatório não proponham logo um debate sobre a introdução do parlamentarismo no Brasil?
O constitucionalista Temer aceitou a gambiarra jurídica da meia-punição a Dilma, sabe-se lá por que, talvez para agradar Renan Calheiros, que quer estabelecer um precedente de punição branda se vier a ser julgado por seus pares, ou pior, agradar Eduardo Cunha, o detonador do processo de impeachment, que está na iminência de ser julgado. É mais um comportamento típico do rei dos conchavos, como ficou evidenciado na questão do aumento aos servidores do Judiciário e dos Ministros do STF. O que Michel Temer quer fazer na Presidência? Dizer uma coisa respeitável em público e fazer acordos espúrios secretamente? O mal da corrupção no governo do PT não era exatamente o toma lá dá cá da troca de favores? O que Temer tem feito até agora, além de ceder aqui e ali para conquistar o cargo cobiçado e permanecer no poder? Não é o mesmo que fazia o PT e contra o qual o Vice-Presidente heroicamente colocou-se contra na carta enviada à Presidente, na qual descreveu-se como pobre vítima que estava alijado das principais decisões de Dilma?
Bresser-Pereira em sua entrevista fala do distúrbio bipolar de que o Brasil vem sofrendo desde pelo menos a década de 90: em um momento temos fuga de capitais, câmbio desvalorizado, inflação, noutro temos câmbio sobrevalorizado, perda de competitividade da nossa indústria. Essas pessoas que vão às ruas contra a corrupção, independentemente de quem achem que sejam mais corruptos, têm ideia da crise existencial econômica que estamos enfrentando? Será que sabem que perdemos a receita de criação de riqueza de maneira sustentável? Será que acham que simplesmente se os políticos deixarem de roubar vai sobrar dinheiro para todo mundo? Será que sabem que o buraco é mais embaixo e que o nosso modelo econômico nos leva a ter baixa taxa de investimento (17,6% do PIB, enquanto a da China é de 42,4% do PIB), baixa taxa de poupança interna (16,4% do PIB enquanto a da China é de 46% do PIB) e nenhum crescimento (queda do PIB de 5% em 2015) de acordo com a publicação CIA Factbook? Será que ser contra as práticas corruptas do PT no poder deve necessariamente levar-nos a ser contra tudo o que fizeram em matéria econômica?
O que afinal querem aqueles que protestam na rua? Que o Judiciário prenda todo mundo, a qualquer custo? Será que temos consciência das consequências de dar poderes amplos ao Judiciário para caçar os corruptos? Uma das dez propostas de combate à corrupção do Ministério Público Federal prevê a validação de provas obtidas por meios ilícitos, por exemplo, gravações ocultas sem autorização judicial, quando o agente que a produziu estava de boa-fé. Como definir o que é boa fé e o que é vingança contra desafetos? O que querem aqueles que defendem eleições gerais? Será que sabem que isso não é o que diz a Constituição no caso de impedimento do Presidente da República neste momento? Que real apreço nós brasileiros temos pela Carta Magna? Será que lembramos dela apenas para esfregá-la na cara dos nossos inimigos?
Prezados leitores, estamos num momento de malaise coletiva no Brasil, temos uma insatisfação com tudo o que está aí, mas ainda não somos capazes de propor algo consistente, com começo, meio e fim. E infelizmente nossos quadros dirigentes são uma lástima, incapazes de falar português com o mínimo de correção, como pudemos ver ao longo de todos esse ritual do impeachment, quanto mais oferecer um caminho para o Brasil. Quem conseguirá canalizar nossa raiva em prol de construir algo e não destruir tudo? Enquanto isso não vem só nos resta sonhar em voltar a fazer compras no site chinês Alibaba, ou melhor, ir direto a Miami encher as malas de bugigangas, para quem pode claro.