Nunca odeie seus inimigos, isso afetará seu julgamento.
Michael Corleone (1920-1997), personagem fictício do filme O Poderoso Chefão
A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.
A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.
Artigos oito e nove da Lei 9.296 de 24 de julho de 1996, que regulamenta o inciso XII, parte final, do artigo 5º da Constituição, com grifo meu
Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal Sérgio Moro, permita que eu me apresente. Sou uma cidadã preocupada com o clima de Fla x Flu em que o Brasil se encontra desde que a disputa entre PT e PSDB em nível nacional começou a partir da eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994. Tal disputa foi exacerbada nas últimas eleições presidenciais, em que Dilma Rousseff teve uma vitória apertada que deixou um gosto amargo na boca dos derrotados. Gosto de fel, para sermos mais precisos, pelo fato de que o mundo maravilhoso que o marqueteiro de Dilma, João Santana, pintou para vender o peixe do PT era enganoso, para dizer o mínimo. Conquistada a reeleição, o céu desabou sobre a cabeça de nós pobres brasileiros: recessão, desemprego, vírus zika, disparada da dívida pública, rebaixamento da nota do Brasil pelas agências internacionais de crédito, colocando em xeque as conquistas tão apregoadas pela máquina de ganhar eleições que funcionava perfeitamente desde 2002, pois a inflação ficou em 10,67% em 2015, corroendo o poder de compra dos beneficiários do Bolsa Família.
Ao mesmo tempo, desenrolava-se a Operação Lava Jato, do qual o senhor é protagonista. Mais do que isso, excelentíssimo juiz, o senhor é a alma das investigações, pois os resultados mais espetaculares conseguidos até agora, condenação de ex-diretores da Petrobrás, de Marcelo Odebrecht, só foram conseguidos graças à sua criatividade jurídica, que alguns chamam de pedaladas jurídicas, para traçar um paralelo com as pedaladas fiscais de Dona Dilma. O senhor deu nova interpretação ao artigo 312 do Código de Processo Penal, que trata da prisão preventiva, tornando-a regra e não exceção. Trata-se de algo polêmico, obviamente contestado pelos advogados de defesa, mas faz parte do ofício do defensor do acusado limitar ao máximo a aplicação das hipóteses de prisão antes de sentença definitiva de mérito, e o senhor, de maneira louvável, colocou-se como objetivo alargar ao máximo as hipóteses de aplicação do instituto da prisão preventiva para acabar com o clima de impunidade que sempre reinou entre os criminosos de colarinho branco. Afinal os réus sempre contaram com o advento da prescrição do crime ou do direito do Estado de processar para não sofrerem sanção nenhuma, a não ser a de arcar com os honorários advocatícios de competentes profissionais que conseguiam ir empurrando uma condenação com a barriga da primeira instância ao STF.
Como não louvar a pedalada que o senhor deu, quando o que mais nós brasileiros presenciávamos, impotentes, eram maganos serem presos num dia e soltos no outro porque era praxe no Judiciário considerar que executivos bem falantes, cheirosos e bem vestidos não eram ameaça à ordem pública e nem prejudicavam a instrução criminal se permanecessem soltos? Juiz Sérgio Moro, o senhor quebrou esse paradigma e como bem apontou o linguista e filósofo Thomas Kuhn (1922-1996), é disso que são feitas as revoluções na maneira de pensar. Não há dúvida de que o Judiciário brasileiro, independentemente de o senhor ser promovido a desembargador ou não, nunca mais será o mesmo, e os advogados de defesa terão que reformular totalmente suas estratégias. Parabéns, Sérgio Moro, por lavar a alma dos brasileiros!
E no entanto, não posso deixar de dizer que o senhor cometeu um erro grave, que macula sua atuação. Na quarta-feira, dia 16 de março, às 16:19, o senhor suspendeu o sigilo das interceptações telefônicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como o senhor bem sabe, era seu direito e dever aprovar a escuta dos telefonemas de Lula se isso contribuísse para a apuração dos crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica que o senhor tem fundadas suspeitas que o ex-presidente cometeu. Mas o senhor também sabe, apesar de todo o seu palavrório sobre o escrutínio público benéfico à democracia que tal divulgação ensejou, que o senhor agiu de maneira ilegal, violando a lei 9.296.
Violou de duas maneiras, não só divulgando provas que deveriam ter permanecido em sigilo, mas divulgando trechos das conversas que Lula teve que são totalmente irrelevantes à investigação. Pior, o senhor fez uma edição do conteúdo, divulgando os trechos mais desairosos e dando sua interpretação deles. O senhor como juiz tem o dever de valorar as provas, mas deve fazê-lo quando for elaborar sua sentença, depois de a parte contrária ter sido ouvida e tido a oportunidade de apresentar suas próprias provas e sua interpretação das provas da parte contrária. Este é o devido processo legal, que o senhor com certeza conhece bem.
Juiz Sérgio Moro, qual a contribuição para a democracia brasileira sabermos que Lula refere-se às petistas como mulheres de grelo duro? Saber que Lula usa na intimidade palavras como trucar, porra, filho da p###a, f###o etc.? Certamente fere os ouvidos sensíveis e as sensibilidades feministas daqueles que tiveram educação universitária como o senhor. Eu particularmente detesto ouvir o Lula falar, os atentados que ele comete contra a língua portuguesa são frequentes e não há muito o que fazer, afinal ele não é afeito à leitura. Mas pergunto ao senhor: o fato de as conversas telefônicas revelarem um sujeito grosso e machista contribuem para caracterizar os crimes pelos quais Lula foi indiciado pelo Ministério Público? Será que o seu objetivo foi meramente informar os brasileiros para o bem da democracia ou compor um personagem desprezível? Juiz Moro, o direito penal pune a pessoa ou os atos que ela pratica?
Juiz Moro, sua equivocada divulgação da escuta telefônica só fez acirrar os ânimos em um país cuja democracia ainda é muito verde para ser considerada consolidada. Deu argumentos aos petistas fervorosos para que vejam o Lula como vítima de perseguição política e o impeachment como golpe. Na sexta-feira, dia 18 de março, 95.000 pessoas estiveram na Avenida Paulista e gritaram “Não Vai Ter Golpe!”. A lisura do processo de impeachment exige que os denunciados tenham direito à defesa e não sejam condenados de antemão por causa de trechos de conversas telefônicas realizadas por um homem que está sob intensa pressão, não só do Judiciário, mas da mídia brasileira, que claramente em sua esmagadora maioria é a favor do impeachment de Dilma Rousseff e da prisão de Lula.
Sérgio Moro, o senhor não é político, não é jornalista, não é agitador profissional. Por favor, não é porque foi capa da Veja que vai dar-se ares de celebridade e querer passar um fim de semana no Castelo de Caras. Cumpra seu dever de maneira metódica e imparcial sem ficar manifestando sua opinião sobre seu investigado no Facebook e sem mostrar envolvimento emocional com a matéria, como cabe a um magistrado. E principalmente, siga o conselho do grande Michael Corleone: não odeie o Lula, e a Operação Lava Jato terá frutos ainda mais espetaculares. A democracia brasileira agradece.