[…] Em 1845, [o Secretário das Relações Exteriores britânico] declarou que os navios negreiros brasileiros eram piratas e 400 foram capturados em cinco anos. Em 1850 a marinha britânica até entrou à força em portos brasileiros para capturar ou destruir centenas de navios usados para o tráfico de escravos — o que foi decisivo para forçar o Brasil, o maior comprador de escravos de todos, a acabar com a maior emigração forçada da história.
Trecho retirado do livro “The English and their History” do Professor de História na Universidade de Cambridge Robert Tombs
Para que o Brasil possa reconquistar credibilidade rapidamente, precisará do apoio da comunidade internacional. O Brasil não tem o equivalente institucional do Banco Central Europeu para fazer “o que for preciso” para manter acesso ao crédito a taxas de juros razoáveis enquanto realiza um ajuste fiscal e estrutural. O mais próximo disso que o país tem é o Fundo Monetário Internacional (FMI), com o qual deveria negociar um programa de ajuste. Tal programa deveria incluir um aumento no superávit primário para 2-3% do PIB no médio prazo, o corte das despesas governamentais (a carga tributária já está nas alturas), e a eliminação das regras de indexação que causam a extrema rigidez dos gastos. Além do mais, o Brasil teria que desvincular as receitas das despesas — uma característica do orçamento do país que torna difícil seu gerenciamento adequado em tempos difíceis. E teria que acabar gradualmente com os subsídios do Tesouro ao BNDES e aumentar o uso de taxas de mercado nos empréstimos feitos pelo banco, ajudando assim a restaurar a saúde fiscal e eliminar distorções na intermediação financeira.
Trecho do artigo intitulado “Terapia do FMI para o Brasil” de Monica Bolle do Peterson Institute of International Economics e de Ernesto Talvi, do Brookings Institution
Prezados leitores, para refrescar a memória daqueles que tiveram contato com a história do Brasil nos bancos escolares, a citação que abre este humilde artigo lembra-nos que só acabamos com a escravidão porque a Inglaterra botou muita pressão, como dizem os funkeiros. A Lei Eusébio de Queirós de 1850, faz do tráfico negreiro ato ilícito, a Lei do Ventre Livre de 1871 liberta os filhos nascidos de mães escravas, a Lei Saraiva Cotegipe de 1885 concede liberdade aos escravos sexagenários, a Lei Áurea de 1888 torna livres os escravos no Brasil, o último país do Hemisfério Ocidental a tomar essa providência. Sem a Inglaterra fungando no nosso cangote talvez tivéssemos adentrado o século XX com uma economia baseada no trabalho escravo. Digo talvez porque seria tolo de minha parte pretender ter certeza sobre o que teria ocorrido, afinal nem eu nem nenhum historiador tem o poder de realizar experimentos como fazem os físicos, que mudam algumas variáveis, deixam outros fatores constantes e assim podem tirar conclusões.
De qualquer forma, o Brasil sempre parece um grande paquiderme que prefere refastelar-se ao sol e só levanta quando alguém o cutuca com vara até tornar sua soneca impossível e obrigá-lo a colocar-se sobre as quatro patas e caminhar. Avançando para o final do século XX, e vemos que de 1978 a 1987 a inflação média anual no Brasil foi de 166% e às vésperas do Plano Real, em junho de 1994, ela havia acumulado nos últimos doze meses uma taxa estratosférica de 4.922,60%. E como debelamos a inflação? Será que foi obra da genialidade econômica de Rubens Ricúpero, o então Ministro da Fazenda de Itamar Franco, que elaborou um plano à prova de erros como haviam sido todos os outros lançados como a salvação da lavoura? (Só para lembrar: Plano Cruzado de fevereiro de 1996, Plano Cruzado II de novembro de 1986, Plano Bresser de junho de 1987, Plano Verão de janeiro de 1989, Plano Collor de março de 1990, Plano Collor II de fevereiro de 1991, Fundo Social de Emergência de dezembro de 1993 e finalmente Plano Real de julho de 1994)
É tido e sabido que nossa maior inspiração para o Plano Real foram as dez regras básicas colocadas em um texto do economista John Williamson em novembro de 1989, que ficou conhecido como o Consenso de Washington, a receita oferecida aos países da América Latina para livrarem-se do jugo da inflação. E assim fizemos: disciplina fiscal e controle dos gastos públicos aparentemente consolidados por meio da Lei Complementar nº 101 de 2000 – que recentemente foi feita letra morta com as pedaladas do governo federal –, privatização de estatais, abertura comercial, já iniciada com Collor, respeito ao direito à propriedade intelectual por meio da Lei de Propriedade Industrial de 1996. É certo que no Brasil não colocamos em prática tudo o que os economistas do FMI, do Banco Mundial e do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos preconizaram, por exemplo não fizemos reforma tributária e nem cortamos os gastos públicos a sério. Mas o IPMF criado em 1993 e pai da CPMF, criada em 1996 e o boom das commodities, que durou mais ou menos de 2000 a 2014, impediram a explosão do déficit público e garantiram a estabilidade da moeda, pois levaram a um aumento das receitas do governo.
Os defensores do lulismo dirão que o Brasil soube ser dono do seu nariz durante os dois mandatos do ex-metalúrgico, tanto assim que ao Consenso de Washington executado por Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva contrapôs o Consenso de Brasília, de sua própria lavra, fundado em políticas distributivas. Melhor dizendo, para os maledicentes, como eu, fundado na aliança maquiavélica (maquiavélica no sentido de realizada para a manutenção no poder) que o 35º Presidente do Brasil estabeleceu entre os mais ricos, agraciados com empréstimos subsidiados do BNDES, contratos com empresas estatais e desonerações fiscais, e os muito pobres, agraciados com os programas de transferência de renda. Para os otimistas defensores do jeito de Lula de fazer amigos por onde quer que passe, basta que ele volte em 2018 com sua proverbial capacidade de negociação para que as coisas voltem aos eixos, depois da desastrada passagem de Dilma Rousseff, que não sabe tratar com as pessoas, como seu mentor sabe.
Será? Será que uma versão atualizada do Consenso de Brasília é possível? Estamos com um déficit de R$536 bilhões, o equivalente a 9% do PIB, sendo que há 18 meses ele estava em 3% do PIB (dados do Bloomberg). Nossas reservas de 370 bilhões de dólares, que ancoraram o real, não cobrem mais a totalidade da dívida pública de curto prazo interna e externa, caso haja uma corrida contra nossa moeda. Os investimentos autorizados do governo federal, que em 2015 foram de 82 bilhões de reais serão de 45,4 bilhões para 2016 e estima-se que a dívida pública chegue a 70% do PIB no primeiro semestre de 2016 (dados do jornal Estado), o que diminui as perspectivas de crescimento econômico. Será que num cenário de deterioração das contas públicas como não conhecíamos desde a época da hiperinflação na década de 80, o sorriso fácil de um líder carismático conseguirá aparar as arestas? Ou será que a Lava-Jato mostrou que o tal do consenso era unicamente uma fórmula certeira para ganhar eleições? E se Lula não voltar, quem terá credibilidade para darmos marcha a ré na nossa disparada rumo ao precipício? Há algum político ou partido proeminente no Brasil que não faça uso das mesmas estratégias de financiamento de campanha de que Lula e o seu PT fazem?
Prezados leitores, será que precisaremos de outro agente externo para nos enfiar goela abaixo um programa de ajustes, tal como esboçado por Monica Bolle e Ernesto Talvi? Será que teremos que ir de pires na mão ao FMI em 2016 e ouvir lições de moral de uma instituição presidida atualmente por uma mulher, Christine Lagarde, que está respondendo a processo na justiça francesa por favorecer um grande empresário, Bernard Tapie? Por que nunca conseguimos fazer as coisas no nosso ritmo durante um tempo razoável e no final sempre precisamos ser coagidos a agir na base do sufoco? Enquanto procuram as respostas para essas perguntas, tratem de preparar-se para a volta da CPMF, porque com certeza ela voltará.