As pessoas mais pobres, que vivem em habitações precárias e em territórios vulneráveis, são as mais afetadas pelos choques climáticos.[…] “Os mais pobres estão não somente mais expostos, mas eles perdem muito mais quando atingidos por essas catástrofes, insiste Stéphane Hallegatte, economista do Banco Mundial, que dirigiu a equipe encareegada desse relatório. Isso porque o patrimônio delas, que não está em uma conta bancária e normalmente resume-se aos animais de criação ou à habitação, é muito mais vulnerável e pode ser completamente destruído por um choque.”
Retirado do artigo “A mudança climática prejudica a erradicação da pobreza” publicado na edição eletrônica do jornal Le Monde em 8 de novembro a respeito do relatório preparado pelo Banco Mundial intitulado “Shock waves: managing the impacts of climate change on poverty”
Prezados leitores, este ano de 2015 parece ser um annus horribilis para nós brasileiros. Estávamos chafurdando no mar de lama metafórico da corrupção em Brasília, que não poupa ninguém, ateus, católicos, evangélicos, comunistas, socialistas, capitalistas, todos irmanados no culto à cobiça. Nós, pobres espectadores, estaqmos assistindo impotentes ao espetáculo e no fechar das cortinas temo que deixaremos o recinto com um desgosto tão enraizado com a política que o nível dos nossos representantes caíra ainda mais nos anos vindouros.
Mas eis que um mar de lama literal nos atinge, dessa vez mais ao sul do Brasil varonil, para ser precisa no subdistrito de Bento Rodrigues, a 35 km do centro do município de Mariana, cidade histórica mineira a 124 km de distância de Belo Horizonte. No dia 5 de novembro, por volta das quatro e meia da tarde as barragens do Fundão e de Santarém, estouraram, por causas ainda desconhecidas, liberando uma quantidade espetacular de resíduos da mineração de ferro realizada pela empresa Samarco, de propriedade da mineradora brasileira Vale e da mineradora Australiana BHP. Até agora são 2 mortos e 500 desabrigados, mas provavelmente serão 29 as fatalidades, considerando os desaparecidos. Como vivemos em um mundo global, a lama que desce rumo ao Espírito Santo tem efeitos sobre o preço das ações da BHP, que caiu mais de 8% desde o anúincio do desastre. O presidente da empresa, Andrew Mackenzie, já está no Brasil para avaliar com seus próprios olhos o tamanho da encrenca.
Não estou aqui a falar apenas da destruição completa de Bento Rodrigues, mas dos efeitos a médio e longo prazo dessa enxurrada de lama. Várias perguntas se colocam: quanto tempo demorará para que o solo seja recuperado para a agricultura depois da invasão da areia que, de acordo com informações oficiais é o principal ingrediente da lama? Haverá metais pesados que se infiltrarão nos lençois freáticos? Não é demasiado lembrar que a região Sudeste está passando por um período de seca tão intenso que até a divisa dos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo não é mais a mesma desde que o rio fronteiriço praticamente secou. A contaminação da pouca água que existe com rejeitos do beneficiamento de minério é uma péssima notícia. Além do mais, como responsabilizar civilmente a Samarco considerando que as barragens passaram por vistoria em julho e aparentemente os fiscais não encontraram nada de errado? É possível a responsabilização objetiva da empresa, isto é sem necessidade de comprovação de culpa, apenas pela constatação do dano causado e pela relação de causalidade entre o dano e atividade mineradora. Por outro lado, é de esperar que os advogados da empresa, a fim de limitar o valor das indenizações a serem pagas, aleguem que suas operações não tinham nada de irregulares aos olhos do poder público. Não tenho dúvida de que a Samarco, controlada por duas empresas globalmente conhecidas, indenizará as vítimas diretas, providenciará a construção de um novo distrito para os desalojados. Mas e aqueles que serão afetados indiretamente pela lama como ficarão? Como ficarão os donos de pousadas em Mariana que vivem do fluxo de turistas, como ficarão os habitantes das cidades do Espírito Santo que enfrentarão a falta d’água, ou pior, a insegurança sobre a qualidade da água nos próximos meses?
Está aí um dos pontos fracos da economia de mercado, os efeitos adversos das decisões individuais que recaem sobre as outras pessoas, as chamadas externalidades negativas. Alguém na Samarco decidiu que consertar algumas fissuras da barragem aumentaria as despesas de maneira desnecessária, já que as autoridades mineiras não exigiram tal medida para considarem a inspeção feita. A mineradora economizou dinheiro e como isso causou um desastre ambiental que afetará milhares de brasileiros, em economês diríamos que o custo marginal é menor do que o custo social o que leva a que o benefício marginal usufruído pela empresa como agente econômico