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A Centelha e a Chama

Posted by on 06/07/2015

O desenvolvimento significa que a personalidade ou civilização em crescimento tende a tornar-se seu próprio meio, seu próprio desafio e seu próprio campo de ação. Em outras palavras, o critério do desenvolvimento é um progresso na direção da autodeterminação. […] Se a autodeterminação é o critério do desenvolvimento e significa auto-articulação, podemos analisar o processo pelo qual as civilizações realmente crescem se investigarmos a maneira pela qual as civilizações se articulam progressivamente.

Trecho retirado do livro “Um Estudo da História”, de Arnold Toynbee historiador inglês (1889-1975).

A deusa contra a qual temos de batalhar não é Saeva Necessitas, com sua armadilha letal, senão apenas a probabilidade […] a qual poderá ser ignominiosamente derrotada pelo valor humano, dotado de armas mortais. […] As civilizações que já morreram não foram mortas pelo destino […]. A centelha divina do poder criador é o instinto dentro de nós mesmos; e se tivermos a graça de a transformar em chama, então “as estrela em suas órbitas” não poderão derrotar nossos esforços por atingira meta dos empreendimentos humanos.

Idem

Deixe a Grécia ir embora

Manchete do editorial de 20 de junho de 2015 da revista britânica Spectator defendendo a saída da Grécia da zona do euro

    Prezados leitores, é tentador, como eu mesma fiz neste espaço, comparar a trajetória do partido de esquerda do primeiro-ministro grego Alexis Tsipras e a trajetória do Partido dos Trabalhadores no Brasil que está no comando do país com Dilma Rousseff. Não vou aborrecer-lhes repetindo essas comparações, mesmo porque se é certo que a vitória do não no referendo de domingo, dia 5 de julho fortalece a posição do Syriza nas negociações com os credores europeus, nenhum dos membros do governo grego nega que tudo está para ser feito. Uma proposta de reescalonamento da dívida do país será colocada à mesa e deverá haver compromissos de parte a parte, em uma queda de braço que poderá durar dias ou semanas. Tanto Alexis Tsipras está consciente de que o mais difícil está por vir que aceitou desfazer-se do Ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, que renunciou na segunda-feira de manhã, num gesto de boa vontade para com os dirigentes da União Europeia que não suportavam o professor de economia de 54 anos.

    Portanto, fazer julgamentos de valor sobre uma esquerda autêntica e outra traidora das utopias é temerário e eu mesma faço um mea culpa. O fato é que tudo depende dos resultados concretos que serão obtidos, estabelecer uma direção prévia dos rumos positivos ou negativos é simplesmente imposssível. Como disse Júlio César ao cruzar o Rio Rubicão rumo à conquista da Gália, Alia jacta est. Mas tenho certeza que ao pronunciar essa frase, Júlio César, apesar de estar tão perplexo ante o futuro como qualquer ser humano normal estaria, sabia que desejava deixar sua marca no mundo e que faria tudo para conseguir, imbuído da centelha criadora de que fala Arnold Toynbee em sua tentativa de entender os caminhos da história.

    No final das contas, trata-se de abrir um caminho e fazer sua própria trilha. Os gregos precisam perguntar-se a si mesmos: vale a pena continuar fazendo parte do euro? Para que um país como a Grécia tenha a mesma moeda que um país como a Alemanha seria preciso que os meridionais tivessem mais ou menos a mesma capacidade de recolher impostos dos alemães, a mesma maneira de lidar com a corrupção, a mesma aplicação rigorosa do orçamento dos setentrionais. Será que os gregos algum dia vão confiar mais em si mesmos e no governo para não quererem sonegar impostos, para não desconfiarem uns dos outros e quererem levar vantagem nas suas relações? Vou dar-lhes um exemplo de como os gregos podem ser: tenho um amigo que contratou um engenheiro grego, que havia estudado na Inglaterra, para desenvolver uma ideia pagando-lhe salário, e o tal do George foi capaz de enrolá-lo durante meses fingindo que trabalhava enquanto curtia os euros enviados religiosamente pelo meu amigo setentrional que confiava que o seu contratado estava quebrando a cabeça para colocar sua ideia em prática.

    Arnold Toynbee depois de ter estudado o nascimento, desenvolvimento e morte das civilizações de 1934 a 1961 concluiu que desenvolvimento é a capacidade de auto-determinar-se, isto é de criar soluções próprias para desafios particulares. Uma vez que os gregos coletivamente respondam à pergunta sobre se um dia conseguirão ser tão eficientes, corretos e sérios como os alemães poderão responder sim ou não à pergunta se vale a pena continuar no euro. Se os sacrifícios forem maiores do que aquilo que são capazes de suportar, ou que acham justo suportar, talvez seja o caso tentar uma rota alternativa de inserção no cenário internacional. Quem sabe possam fazer como o Reino Unido e fazer parte da União Europeia, mas mantendo sua própria moeda? Ou então adotar o caminho suíço e manter apenas tratados de livre comércio com a Europa?

    Apesar das incertezas atuais, uma coisa pode ser dita, cabe aos gregos decidirem o que querem da vida. Muitos acusaram Alexis Tsipras de populismo por ter proposto um referendo em um prazo tão curto, sem ter havido tempo hábil para esclarecer a população, por ter insuflado os ânimos acusando os credores de serem chantagistas e quererem pilhar o berço da democracia. Ora, se quem vai pagar a conta dos empréstimos irresponsáveis à Grécia é o povo, na forma de estagflação, de desemprego, de piora da qualidade de vida, nada mais justo do que ser chamado a opinar sobre o que deve ser feito. Talvez o ponto positivo desse referendo tenha sido não tanto uma decisão sobre os rumos do país, afinal os detalhes sobre as condições de uma nova ajuda econômica serão decididos em Bruxelas, não em Atenas. O importante foi ter chamado a atenção para o fato de que como está não dá mais: há cinco anos os credores dão dinheiro à Grécia para que ela consiga rolar a dívida por mais tempo, não para que ela invista produtivamente. O resultado de 240 bilhões de dólares de socorro financeiro foi enfiar o país ainda mais no desemprego, que está em 27%, e na recessão econômica, com a economia tendo encolhido 25% desde 2010.

    Prezados leitores, finalizo dizendo que Tsipras terá cumprido seu papel se conseguir levar os gregos a uma reflexão sobre o que querem ser quando crescerem e o que estão dispostos a fazer para tanto. Querem ser bons meninos e obedecerem à rigorosa Madre Superiora Fraulein Angela Merkel que está cobrando os 400 milhões de euros devidos ao Commerzbank e os 298 milhões devidos ao Deutsche Bank? Querem jogar tudo para o alto e cair nos braços da Rússia, que pode desejar mostrar-se grata àqueles que lhe deram a Igreja Ortodoxa e o alfabeto cirílico? Só torço para que os gregos consigam transformar a centelha em chama.

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