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Ladeira da Preguiça

Posted by on 16/06/2015

Quando a determinação ao invés da habilidade torna-se o fator decisivo para o sucesso, você pode acabar favorcendo o burro e ativo — que pode ser considerado o pior tipo.

Trecho retirado do artigo “Vamos repensar a semana de trabalho” de Rory Sutherland publicado em 25 de abril

A Câmara está funcionando, o que é bom, mas o ronco do motor está desafinado. As votações aqui não estão refletindo em benefício do povo. Cunha está potencializando o panis et circenses. Distrai a população com temas ocmo a maioridade penal , que não resolvem.

Deputado federal pelo Rio de Janeiro Miro Teixeira, comentando o ritmo frenético de votações no Congresso imposto por Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados

Essa ladeira, que ladeira é essa?

Essa é a ladeira da preguiça

Ela é de hoje

Ela é desde quando

Se amarrava cachorro com linguiça

Trecho da música “Ladeira da Preguiça” cantada por Elis Regina

    Prezados leitores, para quem pensa que a gestão de pessoas só teve início no século XX com a criação dos Departamentos de Recursos Humanos, saibam que lpideres de antanho já tinham essa preocupação em mente. No século XIX, de acordo com o artigo cujo trecho foi transcrito acima, o marechal-de-campo prussiano Helmuth Karl Bernhard Graf von Moltke (1800-1891) classificou os oficiais do Exército da Prússia utilizando uma matriz, em ordem decrescente: inteligentes e preguiçosos – eram escolhidos para serem os comandantes porque de acordo com von Moltke faziam a coisa certa acontecer, encontrando a maneira mais fácil de realizar a missão; inteligentes e ativos – eram escolhidos para serem oficiais do Estado Maior porque elaboravam planos inteligentes que faziam com que ocorresse a coisa certa; estúpidos e preguiçosos: eram escolhidos para tarefas braçais que precisam ser realizadas por um oficial, pois eles seguem ordens sem causar muitos problemas; estúpidos e ativos – são perigosos e precisam ser eliminados, pois eles fazem as coisas acontecerem, mas as coisas erradas, e assim causam problemas.

    Essa perpicaz observação dos tipos humanos vem à minha mente no momento em que assistimos ao ativismo dfo Legislativo federal sob a batuta de Eduardo Cunha. Não estou aqui a dizer que o excelentíssimo deputado carioca deveria ser enquadrado na quarta categoria, porque afinal ele é um político e todo político tem por objetivo manter-se no poder. A pauta escolhida por Cunha, maioridade penal, demarcação das terras indígenas, escolha dos ministros do STF, pacto federativo e estatuto da família, atende a certos anseios dos evangélicos e de outros grupos de interesse como prefeitos que querem ter mais verbas às custas da União.

    Portanto, nada mais lógico para Cunha do que satisfazê-los para garantir apoio nas próximas eleições. Em uma democracia assegurar votos é a principal preocupação e tudo se subordina a tal meta, por mais que os prefeitos, senadores, deputados, vereadores, governadores e presidentes repitam ad infinitum o blá blá blá sobre os interesses do país. Ao contrário de Von Moltke, que estava sob a pressão de encontrar maneiras de vencer militarmente os inimigos da unificação da Alemanha, entre eles a Áustria e a França, nossa classe política não tem nenhuma meta pública específica, concreta, apesar de terem a meta particular de manterem-se em seus postos ou conseguirem postos mais importantes. Assim, temos um tipo como Eduardo Cunha que estabelece uma extensa pauta em sua maior parte inútil não porque seja estúpido e ativo, mas porque é inteligente e preguiçoso os suficiente para atingir sua meta de manter-se no poder pelo caminho fácil do foco em temas apaixonantes, que dizem respeito aos valores morais de cada um, como a família, a religião para não decidir sobre os assuntos realmente importantes, mas cuja solução requer coragem e criatividade por parte de verdadeiros líderes públicos.

    Um assunto realmente importante que exige uma atuação rápida e eficiente é o nó da infraestrutura, já tantas vezes abordado aqui. De acordo com o jornal O Estado de São Paulo de 14 de junho, em 15 anos o Brasil caiu doze posições no ranking global de competitividade em termos de infraestrutura básica: em 2001 estávamos na 41ª posição e hoje estamos na 53ª posição. Novamente aqui a atuação pública das nossas autoridades corresponde ao tipo do estúpido e ativo da matriz prussiana. O Programa de Aceleração do Crescimento foi lançado em 2007 e em 2011 foi lançado o PAC2 mesmo não tendo o PAC1 terminado e mesmo depois de o Tribunal de Contas apontar irregularidades no programa, como falta de projeto executivo ou inconsistência do projeto para certas obras, falta de licenciamento ambiental, preços orçados acima dos preços de mercado. Pois bem, depois de dois programas incompletos e falhos, no dia 9 de junho de 2015 houve o lançamento do PIL, Programa de Investimentos em Logística, que prevê investimentos de 198 bilhões de reais de 2015 a 2019.

    PAC, PIL, siglas bombásticas, alardeadas aos quatro ventos como prova de que o Executivo está trabalhando em prol do crescimento econômico e da geração de emprego. Mas o atraso do Brasil em relação aos nossos principais concorrentes, como Estados Unidos, Canadá, Índia, Argentina, China e México mostra que os resultados são pífios relativamente ao que é necessário simplesmente para mantermo-nos no mesmo nível de antes de 2001. Será em vez de todo esse ativismo marqueteiro não seria mais recomendável o governo federal despender tempo fazendo uma avaliação detalhada sobre o que deu errado? Será que não seria melhor um trabalho de formiguinha que investisse na capacitação de funcionários públicos para que os projetos sejam elaborados de maneira correta, para que as licitações sigam o protocolo legal, para que as estimativas de custos sejam realistas? Será que tal trabalho pouco visível não traria mais resultados em termos de diminuição de atrasos, erros e paralisações que acabam custando fortunas? Será que não valeria a pena nossas autoridades gastarem alguns anos nisso, preparando o terreno para que houvesse mais certeza sobre o que e como deve ser feito e a qual preço? Ó não, isso é pedir demais. Gastar tempo em atividades que não produzirão factóides como inaugurações, colocação da pedra fundamental e fotos de autoridades sorrindo de capacete e macacão não é a maneira mais eficaz de atuar por parte de políticos que precisam mostrar ao público as mágicas de que são capazes para se elegerem.

    Prezados leitores, enquanto vivermos em um sistema político que premia a atuação estúpida e ativa no domínio público e inteligente e preguiçosa na defesa dos interesses mesquinhos dos nossos legítimos representantes temo que não avançaremos no ritmo de que precisamos para recuperarmos tudo o que perdemos na década de 80 e que corremos o risco de perder nesta segunda década do século XXI. A mudança de duração do mandato de cargos eletivos, a mudança nas regras de imputabilidade penal, o lançamento de programas de governo em série em ritmo de pastelaria, tudo isso será uma corrida frenética e insensata que nos fará espatifarmo-no muro de proteção. Talvez seja o caso de irmos descendo a ladeira devagarinho, medindo os passos para que consigamos chegar ao nosso destino com o balde d’água intacto na cabeça.

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