O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse nesta segunda-feira (30) que não há margem para o país errar porque, se errar, perderá o grau de investimento pelas agências de classificação de risco, que avaliam se um país é ou não um bom pagador de dívidas.
Trecho de artigo publicado no site UOL sobre fala do ministro em evento realizado em São Paulo
A pragmática é uma subárea da linguística e da semiótica que estuda as maneiras pelas quais o contexto contribui para o significado. […] Ao contrário da semântica, que examina o sentido que está convencionado ou “codificado” em uma dada língua, a pragmática estuda como a transmissão do significado depende não somente do conhecimento estrutural e linguístico (por exemplo a gramática, o léxico, etc.) do falante e do ouvinte, mas também do contexto do enunciado, qualquer conhecimento pré-existente e outros fatores. A esse respeito, a pragmática explica como os usuários da língua são capazes de superar a ambiguidade aparente, já que o significado depende da maneira, local e momento do enunciado.
Trecho do verbete sobre Pragmática na enciclopédia eletrônica Wikipedia.
Prezados leitores, uma morte em minha família fez lembrar-me muito das minhas lições sobre linguística na faculdade. Explico-me. Depois de quase um mês hospedada na UTI, minha mãe faleceu, vítima de problemas no coração. Ao longo desse tempo comi o pão que o diabo amassou, em termos de angústia, de ansiedade, de não saber o que o futuro reservava para ela e para mim, quanto aquela estadia no hospital iria durar. Considero que minha amada progenitora foi uma criatura de sorte, porque teve quatro filhos que se revezaram bem ou mal à beira do seu leito, animando-a, consolando-a, tentando fazê-la rir. Mas à parte nós, nenhum de nossos parentes deu-se ao trabalho de aparecer por lá, nem que fosse para dar uma palavra e ir embora. Esse comportamento indiferente incluiu minha tia, a irmã dela, que tem uma saúde de ferro e que só deu o ar da graça duas vezes, quando sentiu o cheiro da “grande ceifadora” e aproveitou que a casa da nora, a quem estava fazendo visita, era perto do hospital.
E no entanto, no dia do enterro e no da missa de sétimo dia, perdi a conta das vezes em que ouvi a frase chavão: “Se precisar de qualquer coisa, ligue.” Esse é um exemplo típico do sentido das palavras que depende do contexto do enunciado, tal como ensina a pragmática. Aparentemente, a pessoa está oferecendo ajuda a um amigo que passa por um momento difícil. Considerando o local em que ela é pronunciada, nos momentos de despedida em um cemitério e na igreja, as pessoas que o fazem e a maneira padronizada como todos usam as mesmas palavras, o sentido é exatamente o oposto e pode ser resumido brutalmente nesses termos: “Por favor não me venha com problemas porque eu já tenho os meus e não estou a fim de esquentar a cabeça com os problemas dos outros.”
Se acham que estou exagerando e estou muito amarga por conta da perda de um ente tão querido, raciocinem comigo. Quem realmente está disposto a ajudar estabelece as condições em que pode fazê-lo e o que concretamente está a seu alcance. Mais, a pessoa não oferece a ajuda ao despedir-se ao final de um evento, mas toma a iniciativa de procurar o indivíduo necessitado para colocar-lhe seus préstimos à disposição. Enfim esse tal de “se precisar de qualquer coisa ligue”, é um tremendo de um embuste cujo objetivo é afagar o ego do falante, que se sente um bom amigo, e enganar os mais incautos, que ficarão a ver navios esperando por uma ajuda que nunca virá, pois afinal o ser que precisa de ajuda precisa vencer a barreira de pegar o telefone e lembrar da vaga promessa feita anteriormente.
O mesmo pode ser dito de outro chavão tão ao gosto de nós brasileiros, o “passa lá em casa”. O sentido é exatamente o oposto: “ Adeus, PT saudações.” Quem diz para você passar em casa e não marca horário, dia e local do encontro, está simplesmente querendo finalizar a conversação que já se estendeu por um tempo suficiente. Tal sentença deixa os gringos particularmente atordoados pela falta de objetividade, dando a impressão de uma amizade que simplesmente não existe em termos concretos, fazendo parte do nosso arsenal tupiniquim de jovialidade superficial quefaz nossa fama pelo mundo afora. Para nós isso é motivo de orgulho, porque mostra que não somos preconceituosos, nem racistas, que nos damos bem com todo mundo e que todo mundo é bem recebido aqui, mesmo que seja só na teoria.
Enfim, o que há de se fazer?Como diz o historiador e diplomata Evaldo Cabral de Melo em uma entrevista para Ancelmo Góis no jornal O Globo de 29 de março, “o brasileiro é um povo muito emotivo”, o que é “chato e interfere na formação do país”. Falamos coisas bonitas às pessoas sem avaliarmos se poderemos corresponder às expectativas, apenas fiando no desejo de que o conteúdo das palavras concretize-se pela simples força das nossas emoções. Mesmo aqueles que podem ser considerados mais racionais, que fazem uma análise serena da realidade caem nessa digamos arapuca cultural. É assim que vejo a fala do Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de que se o país não fizer o ajuste fiscal correto, ele perderá o grau de investimento. Para mim, ele quer dizer exatamente o oposto e vou tentar convencer-lhes com alguns fatos.
Em primeiro lugar, de acordo com informações do jornal o Estado de São Paulo de 29 de março, dos 66 bilhões de reais estabelecidos como meta para melhorar as contas públicas, 45 bilhões virão do bolso dos brasileiros, o equivalente a 85%, e somente 7 bilhões virão de cortes na máquina do governo. Isso significa que o ajuste fiscal virá pelo aumento de impostos, que causará aumento de preços, inflação, estagnação econômica e desemprego. Como pode o excelentíssimo ministro dizer que tal ajuste é correto se vai causar tantos estragos? Para Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, em entrevista ao mesmo jornal, “o Brasil corre o risco de viver anos de baixo crescimento econômico”. Em suma, uma reedição da famigerada década perdida de 80. Em segundo lugar, o bjetivo desse aperto no setor privado é o de atingir o superávit primário e ter dinheiro excedente para pagar os juros da dívida. Assim o tal do grau de investimento simplesmente significa dizer que faremos sacrifícios enormes para que possamos continuar na mão de especuladores que rolarão nossa dívida. Por tudo isso, a conclamação do senhor Levy para que nós brasileiros façamos a coisa certa para nos salvarmos, quer dizer facemos a coisa errada para que enfiemos de vez o pé na jaca e passemos 10 anos em estagflação.
Prezados leitores, nossa formação cultural nos leva a participarmos de um jogo de máscaras. Fingimos mutuamente que somos solidários, que somos generosos, e nossas autoridades apelam de maneira dramática ao nosso senso do dever de cidadãos para apertarmos os cintos de modo que a ciranda financeira possa continuar girando. Tenho escutado essas lamúrias desde quando o finado Dilson Funaro apelava ao nosso patriotismo para nos tungar com um empréstimo compulsório sobre combustíveis e nos incitava a vigiar os preços nos supermercados. Oxalá um dia cheguemos a ser um pouco mais objetivos e menos emotivos para que possamos fazer mais e deixar de sonhar com quimeras tanto individual quanto coletivamente.
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