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Um raio de esperança

Posted by on 03/02/2015

“A Europa, em sua infinita sabedoria, decidiu lidar com a falência colocando o peso do maior empréstimo na história da humanidadenos ombros mais fracos, o contribuinte grego”, ele disse.

“O que tivemos desde então foi uma espécie de waterboarding fiscal, que transformou o país em uma colônia de dívidas”, ele acrescentou.

Trechos retirados do artigo intitulado “Ouviram as novas? O novo Ministro das Finanças da Grécia não é nenhum extremista”, publicado no jornal britânico The Daily Telegraph em 26 de janeiro último

De certa forma, a história do PT é a tragédia política final. Parecia que eles estavam fazendo tudo certo. Tinham uma classe genuinamente trabalhadora na base. Tinham uma visão clara, transformadora. Mas, no fim, para conquistar o poder, precisaramse tornar gradualmente um partido “realista” – e acabaram se tornando o tipo de partido que trairia a própria base ao propor tais ajustes.

David Graeber, antropólogo americano, professor da London School of Economics

  Prezados leitores, permitam-me, como já fiz outras vezes, retomar um assunto passado, maisprecisamente da semana passada em que falei sobre a eleição de um partido de esquerda na Grécia que está propondo mudar os termos dos acordos do país com a dita troika, isto é, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Faço-o por dois motivos. Em primeiro lugar, assisti a um entrevista de Yanis Varoufakis, dada à BBC de Londres em que o jovial economista de 53 anos consegue não perder a cabeça com a saraivada de ataques da entrevistadora, que estava louca para que ele desse declarações polêmicas do tipo “Nós não confiamos na Alemanha” ou “Nós não mais tomaremos dinheiro emprestado”, ou ainda “Nós vamos interromper as reformas estruturais”. Para quem tiver curiosidade a íntegra da conversa está no site de Yanis, que é blogueiro: www.yanisvaroufakis.eu.

   Eu estudei Letras e tínhamos na faculdade uma matéria, a Análise do Discurso, cujo objetivo era investigar as implicações das escolhas de certas palavras no texto. É útil presumir que as pessoas não escolhem o que vão dizer por acaso para analisarmos a cena política. Vou dar-lhes um exemplo. Quando a jornalista perguntou a Yanis se ele interromperia as reformas estruturais, ele espertamente a cortou e esclareceu que na verdade o Syriza aprofundaria as reformas estruturais, mas acabaria com o processo de deformação e desconstrução a que a Grécia estava sendo submetida há cinco anos. Digo espertamente porque a expressão “reforma estrutural” tem suma importância em todo o discurso a respeito da modernidade da União Europeiae das vantagens que ela traz. Pois se reforma estrutural é algo positivo, é algo que mexe com as estruturas econômicas e sociais de países atrasados, ela deve ser executada para que o país torne-se competitivo, atraia investimentos, participe das cadeias globais de produção e por aí vai.

   Portanto,se Yanis deixasse que a jornalista se apropriasse desse sentido positivo e o fizesse diser que ele não faria tais reformas estruturais, então o programa da nova esquerda na Grécia seria representado como algo retrógrado, de um povo que não tem as qualidades empreendedoras dos alemães e não sabe fazer o capitalismo funcionar bem. Yanis sabe disso e retrucou afirmandoque as mudanças que a troika pede na economia grega, como privatização, desregulamentação levam ao oposto do que pregam. A venda de bens públicos foi feita na bacia das almas em umaépoca de deflação, portanto os preços obtidos foram baixos, e o novo Ministro das Finanças grego qualificou os ganhos auferidos como migalhas jogadas no buraco negro financeiro, isto é, só serviram para amortizar dívidas impagáveis. A economia encolheu 25%, o desemprego geral está em 25% e o desemprego entre os jovens atinge 50%.

   Reforma x deformação, um jogo de palavras sem dúvida, mas imprescindível para as partes fazerem seus respectivos pontos de vista prevalecerem. E neste momento devo explicitar o segundo motivo que me levou a retomar a conversa da semana passada, qual seja, o fato de Grécia e Brasil terem algumas coisas em comum: fomos também submetidos à canga do FMI por muitos sombrios anos na década de 80 e agora temos outra coincidência na circunstância de ambos os países estarem sob o governo da esquerda populista, como ela é chamada aqui no Brasil em nossa imprensa. Inclusive muitos dosmembros do Syriza têm alguma ligação com a América Latina. O novo ministro-adjunto da Defesa, Kostas Issichos, é argentino naturalizado grego, “e vários dirigentes do partido estiveram no Fórum Social Mundial e participaram de mobilizações antiglobalização”, conforme publicado no jornal O Estado de São Paulo de 1 de fevereiro.O Syriza parece espelhar-se na atuação “pragmática” dos governos “progressistas” na Bolívia, Equador, Venezuela e Argentina.

   As aspas no parágrafo anterior mostram que tentarei como Yanis Varoufakis desconstruir o sentido das palavras em relação à atuação da esquerda , particularmente aqui no Brasil. Nâo há duvida que Lula levou em conta sua prática, especificamente suas três derrotas nas eleições para Presidente da República, para ajustar seu discurso e sua atuação política e poder eleger-se. Mas não acredito que o saldo final tenha sido positivo. Ao adaptar-seà realidade para conquistar o poder e poder realizar seu programa de esquerda, nosso ex-presidente e seu partido tornaram-se a esquerda populistadescrita nos manuais de ciência política. Aquela que faz uma aliança dupla: com as camadas mais pobres, dando-lhes benefícios como o Bolsa Família e com as camadas mais ricas,garantindo o pagamento da dívida pública. Não é coincidência que o governo Dilma lance agora o pacote de maldades para a obtenção de um superávit primário das contas do governo.Essas medidas poderiam muito bem ter sido endossadas pela troika europeia, mas lá na Europa a esquerda eleita por enquanto está sendo fiel ao mandato dado pelo povo grego para acabar com a austeridade e fazê-lo deixar de ser o único que paga o pato. Em outras palavras, o Syriza está passando ao largo do populismo, pelo menos por enquanto.

   Prezados leitores, um raio de esperança no panorama da esquerda mundial está surgindo na forma de políticos que ainda não se corromperam pelo poder e portanto ainda não se preocupam unicamente em servir-se a si próprios. Se este raio um dia entrará em nossa casa, como cantava Elis Regina, é uma incógnita.

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