Se você acha que tem a vida que merece, então não faça nada e vote nas mesmas velhas pessoas.
Slogan da campanha para a prefeitura de Atenas em 2014 da candidata vitoriosa, Rena Dourou, do partido Syriza.
São Paulo só tem água garantida até 2010 – Para Sabesp, região metropolitana precisará de novas fontes por causa do aumento da população e do consumo
Manchete do jornal Folha de São Paulo em 12 de outubro de 2003
O boom financeiro prometido com a Copa do Mundo de 2014 não se concretizou. A atividade econômica, em vez de ser estimulada, foi sufocada. […]Em vez de o Brasil ser visto como uma economia em rápido desenvolvimento e bem gerida, foram reforçadosvelhos estereótipos sobre os países da América Latina serem considerados como geridos de maneira ineficiente e às vezes não serem Estados de Direito. […] As evidências mostram que tais espetáculos esportivos não só dão prejuízo no curto prazo, mas também são uma maneira ineficaz de aumentar o valor do país como marca.
Trecho do relatório anual da empresa Brand FinanceForum sobre o valor da marca dos países em 2014, em que o Brasil caiu da 8ª para a 10ª posição, valendo agora US$ 1,4 trilhão
Prezadosleitores, nós brasileiros, particularmente aqui na região Sudeste, fomos brindados com várias notícias ruins neste início de 2015. A situação calamitosa das reservas de água é bem pior do que se pensava ou do que as autoridades queriam que nós pensássemos. Não havendo água pode não haver luz, porque 75% da nossa energia elétrica depende das hidrelétricas. Além do apagão hidráulico e elétrico, o governo federal brindou-nos com as primeiras medidas do ajuste fiscal, o que inclui mudanças nas regras de concessão de benefícios previdenciários (seguro-desemprego, auxílio-doença, pensão por morte) com a justificativa de evitar fraudes ao sistema. O chamado pacote de maldades incluiu o veto de dona Dilma à correção da tabela de imposto de renda para diminuir a isenção e aumentar o naco do leão.
Não posso deixar de refletir de maneira lúgubre sobre o estado da nossa democracia. Reelegemos uma candidata à presidente que está fazendo exatamente aquilo que acusava seu oponente de querer fazer, ou seja, cortar benefícios sociais. Independentemente daquilo que acho que deva ser feito no momento atual para ajustar as contas públicas, o fato é que todos os debates realizados ao longo da campanha não serviram para que pudéssemos chegar a um consenso sobre o que melhor serviria para resolver os problemas brasileiros, entre os quais nossos baixos índices de produtividade e crescimento econômico, nossa infraestrutura em estado deplorável. Eles serviram para que os candidatos posassem para as câmeras e mentissem bastante e descaradamente para ganhar a eleição. Para não me acusarem de ser tucana, o governador de São Paulo reeleito, Geraldo Alckmin, também participou do teatro de ilusões porque só agora, firmemente instalado no poder, ele admite que está havendo racionamento de água em São Paulo e não mais minimiza a gravidade da situação.
Em suma, a democracia tal como praticada no Brasil não permite ao povo ter um controle efetivo sobre as políticas públicas. Somos convidados a apertar os números nas urnas eletrônicas a cada dois anos para assistirmos aparvalhados àquilo que fazem com nosso dinheiro. A crise da água no Sudeste, a região mais importante para a economia do país, já era prevista em 2003 e no entanto a prioridade das nossas autoridades foi garantir nossa escolha para sediar a Copa do Mundo, o que foi conseguido em outubro de 2007. Para a concretização das prioridades normalmente são encontradas as verbas e aos trancos e barrancos construímos as arenas, que terão o destino dos elefantes-brancos daqui a alguns anos. Será que se o governo realmente fosse do povo, pelo povo e para o povo, não teria sido razoável convocar um referendo para que nós brasileiros tivéssemos decidido se queríamos gastar bilhões de reais para sediar o maior evento do futebol mundial?É bem provável que mesmo que tivesse havido a consulta nós teríamos sido ludibriados com promessas fantásticas sobre os benefícios da Copa do Mundo, como fomos ludibriados na última campanha presidencial de que tudo estava bem no Brasil e de que as políticas generosas eram sustentáveis a longo prazo sem mudanças profundas na organização do Estado. De qualquer forma, a decisão de ser o anfitrião não teria sido tomada por um punhado de políticos – de todos os matizes, diga-se de passagem, pois o oba-oba foi geral – que quis fazer bondades com o chapéu alheio.
Pobre democracia brasileira, que nos aparta das principais decisões políticas a serem tomadas. Mas, como diria Camões, cessa tudo quanto a antiga musa canta que um valor mais alto se alevanta. Alhures surge uma pequena esperança de que governos de esquerda possam oferecer um programa consistente ao eleitorado, e não apenas umas migalhinhas suficientes para conseguir votos e virar a casaca depois. A Grécia acaba de eleger seu mais novo-primeiro ministro em 150 anos, Alexis Tsipras, um engenheiro de 40 anos, líder do partido de esquerda radical Syriza. Para quem não se lembra, a Grécia é aquele país que entrou na zona do euro por força dos truques contábeis da Goldman Sachs– que lucrou muito com isso emitindo swaps para o caso de calote –, foi à lona em 2008 e recebeu a ajuda do FMI, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu para pagar as obrigações contraídas em euro.
Tal ajuda, dada em troca da austeridade fiscal para salvar os bancos que haviam emprestado à Grécia, só fez aumentar a dívida do país que hoje está em 175% do PIB (a nossa está na faixa de 63%)pois causou uma enorme recessão econômica, desemprego e miséria, pelo corte de aposentadorias e outros benefícios sociais. Pois bem, o que o Syriza propõe é que parte dessa ajuda financeira dada pela EU e pelo FMI seja utilizada para melhorar a vida da população, especificamente um aumento do salário mínimo para 700 euros, um 13º salário para os aposentados que ganham menos do que 700 euros e uma reformulação da tabela de imposto de renda de maneira a isentar de tributação aquelesque ganham até 12.000 euros, em vez dos atuais 5.000 euros. Tal pacote de bondades custaria dois bilhões de euros nos próximos dois anos, e incluiria uma reestruturação da dívida da Grécia.
Será que o senhor Tsipras, admirador do argentino Ernesto Che Guevara, conseguirá realizar aquilo que prometeu? Será que conseguirá enfrentar Angela Merkel e Christine Lagarde, que defendem os interesses dos bancos que investiram em títulosde um país de alto risco como a Grécia, e não querem perder dinheiro com a aposta? Ou será que fará como a esquerda brasileira no poder e se acomodará com o mercado, colocando gente das finanças para cuidar da moeda e da economia? É inútil fazer previsões agora, mesmo porque ele não tem um mandato claro. Seu partido conseguiu 149 cadeiras no Parlamento em Atenas, duas a menos do que onúmero necessário para uma maioria absoluta, e terá que negociar com outros grupos. De qualquer forma, é um sopro de renovação depois de quatro décadas do domínio de dois grandes partidos, a Nova Democracia e o Pasok. E, principalmente, pode dar força às outras aglomeraçõespolíticas na Europa Meridional, como o Podemos na Espanha, para enfrentarem os poderes constituídos, que querem que o povo pague até a última gota de sanguepelas apostas irresponsáveis dos bancos.
Prezados leitores, enquanto esperamos o desenrolar dos acontecimentos na Europa, aqui no Brasil só temos a lamentar o papelão que a esquerda no poder está fazendo, seja ela social-democracia ou socialista. Coitadinhos de nós!