Uma maior inteligência é um erro evolutivo, incapaz de sobrevivência por mais do que um momento fugidio do tempo evolutivo.
Ernst Mayr, biólogo alemão (1904-2005)
A narcoviolência ignora limites, como mostra o caso de um padre colombiano: deceparam seus dedos e o obrigaram a comê-los; depois, fizeram o mesmo com os dedos dos pés; por fim, com os órgãos genitais.
Trecho retirado do artigo “O escritor que desafia as máfias” publicadonaedição da Veja de 24 de setembro sobre o livro de Roberto Saviano sobre o narcocapitalismo
Prezados leitores, para quem não conhece, Ernst Mayr foi um professor de Harvard estudiosoda teoria da evolução, tal como exposta por Charles Darwin. Envolveu-se em uma polêmica com outro darwinista, o biólogo inglês Richard Dawkins, para quem a adaptação evolutiva ocorria graças ao aparecimento por mutação de um único gene mágico que dava uma vantagem enorme de um espécimen em relação aos seus concorrentes. Para Mayr tal visão era simplista, pois para ele o indivíduo tornava-se mais adaptado ao ambiente e aumentava suas chances de sobrevivência devido ao conjuntodo seu genótipo.
Mas o motivo pelo qual cito ErnstMayr é por causa de suas ideias sobre as chances de ser encontrada vida inteligente fora da Terra. Em sua opinião a probabilidade era praticamente zero, considerando sua avaliação sobre o valor adaptativo do que chamamos de inteligência superior, significando a forma humana particular de organização intelectual. O biólogo alemão estimava que o número de espécies desde a origem da vida totalizou ao redor de 50 bilhões, somente uma das quais atingiu o nível de inteligência necessário ao estabelecimento da civilização. Isso ocorreu muito recentemente, talvez há 100.000 anos, em um pequeno grupo dos quais somos todos sobreviventes. Utilizando como critério o sucesso biológico, que é maior para besouros e bactérias, mas não tão bomà medida que aumenta o nível de organização cognitiva, Mayr considerava que a expectativa de vida média de uma espécie é ao redor de 100.000 anos. Portanto, o homo sapiens está fadado à extinção, como outras espécies.
É difícil não concordar com essas previsões sombrias do famoso biólogo. Afinal, o ataque que temos perpetrado ao meio ambiente que sustenta a vida, nosso ataque aos outros organismos vivos fazem com que o esgotamento dos recursos sejam favas contadas. Se não houver um total colapso das reservas de água doce, de ar respirável e de terras aráveis, pelo menos haverá uma perda tal que uma grande parte da população não vai ter como sobreviver. Por outro lado, é possível termos fé no poder da tecnologia de permitir que reciclemos os recursos naturais e possamos adiar o colapso ambiental ou mesmo revertê-lo usando nossa capacidade mental.Assim, é razoável supor que se o homem teve a capacidade de criar o problema terá também a capacidade de resolvê-lo.
Mesmo crendo no poder regenerador da tecnologia, o pessimismo ainda se justifica pelo que o pensador americano Noam Chomsky chamade selvageria fria e calculada dos seres humanos, quando fala da corrida nuclear que começou na Segunda Guerra Mundial e entre ida e vindas continua firme eforte, ameaçando aniquilar a vida na Terra.Eu pessoalmente enfatizo outros exemplos desse comportamento do homo sapiens que consegue fazer uma síntese perturbadora, porque extremamente eficaz, do nosso lado animalesco e do nosso lado racional.
Penso em primeiro lugar no tráfico de drogas como atividade econômica organizada e em tudoque ele causa no Brasil, na violência, nas vidas destroçadas, na emergência de formas paralelas de poder que desafiam o Estado porque estabelecem formas de justiça sumária. Muitas cabeças pensantes, entre elas a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a do próprio autor do livro sobre onarcotráfico, o escritor italiano Roberto Saviano, consideram que a saída para este mal é a legalização das drogas. Essa é uma típica solução dos herdeiros do Iluminismo, para quem a maneira de lidar com o lado negro do homem a que se refere Chomsky é jogar-lhe as luzes da razão, do conhecimento. De acordo com esse tipo de pensamento, o problema das drogas é que elas são proibidas. Basta que elas deixem de ser proibidas e que as pessoas sejam devidamente informadas dos seus benefícios e malefícios para que tomem uma atitude racional e tudo se resolverá. Aqueles que optarem por usar drogas pagarão impostos sobre o consumo e assim financiarão seu próprio tratamento.
Tudo muito claro, límpido como a luz do sol sobre as trevas da superstição e do medo! Esses argumentos fazem-me lembrar de um filme a que assisti em que o personagem principal era obrigado a fazer uma consulta ao psiquiatra para tentar corrigir seu comportamento anti-social e ele desafiava o médico com a seguinte contastação: “Doutor, o senho sabe o porquê de os seus pacientes não seremsalvos? É simplesmente porque eles não querem ser salvos!” O fato éque há muitas pessoas compulsivas que não tem vocação para agir com base em análises criteriosas de risco-benefício. Uma liberação das drogas significaria atirar lenha na fogueira, pois facilitaria que o viciado perseguisse a sua paixão, para não falar de jovens que hoje já consomem álcool em quantidades inebriantes devido à inação das famílias, e que teriam mais uma opção facilmente disponível de substância prazeirosa que poderia levá-los ao vício.Além disso, no frigir dos ovos pessoas que decepam dedos e fazem suas vítimas comê-los ou pessoas que atiram no joelho das outras e depois ateiam fogo no corpo da vítima como fizeram os algozes de Tim Lopes, são psicopatas.
Infelizmente, psicopatas há aos montes neste nosso velho mundo. É verdade que muitos deles dedicam-se a atividades ilegais, cujas sombras lhes permitem dar asas a sua imaginação, mas há seres desprovidos de consciência moral nas empresas, onde eles se dão muito bem em posições de poder. Tive uma chefe maluca que quando errava colocava a culpa em nós funcionários, fazia-nos brigar uns com os outros, fazia-nos trabalhar à noite e nos finais de semana por pura maldade e permaneceu anos como gerente porqueestalava bem o chicote e faziaseus comandados produzirem, apesar de tornar a vida deles uma miséria. Ela só foi mandada embora quando seus superiores descobriram que ela roubava dinheiro da empresa, não porque tratava mal os recursos humanos. Para falarmos de personagens mais importantes do que uma mera chefe de departamento, Stalin, que consolidou o regime comunista na Rússia, foi um grande psicopata,estabelecendo campos de trabalho forçado por todo o território, em que os prisioneiros eram obrigados a trabalhar sob temperaturas de -40 graus centígrados de cuecas. O livro de Aleksandr Solzhenitsyn já citado neste espaço inclui a estimativa de um professor de estatística, Kurganov, para quem desde a Revolução de Outubro de 1917 até 1959 66 milhões de pessoas foram vítimas da repressão política interna na Rússia.
Prezados leitores, a moral daminha história é que por mais que queiramos iluminar todas as pessoas e todos os aspectos da vida, haverá sempre aqueles que fogem da luz como o diabo foge da cruz e quem sempre sentir-se-ão mais confortáveis em um local úmido e escuro, não importa que seja uma boca de fumo, o departamento de uma empresa ou o Soviet Supremo. Pode ser que no final das contas a luz vença, mas tendo a crer que o homo sapiens é um chimpanzé metido a besta que vai pagarpor sua arrogância e cupidez, e que como previu Ernst Mayr, sejamos maisuma espécie que desaparecerá da face da terra como bilhões de outras.