O insucesso da experiência holandesa no Brasil é, em verdade, mais uma justificativa para a opinião, hoje corrente entre alguns antropologistas, de que os europeus do Norte são incompatíveis com as regiões tropicais.
Trecho de Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982)
Lembrem-se que o Brasil é um país sofisticado que vem exportando produtos como aeronaves para os Estados Unidos há muitos anos. Eles têm um grande mercado interno e um setor agrícola fabuloso. Energia hídrica e muitos recursos. Grandes e modernas cidades. Não estamos falando de Lesoto ou Laos.
Trecho de um artigo sobre o Brasil intitulado “O Brasil no lado mais fraco de um placar de 7 a 1”de Scott Sumner, um economista americano com doutorado pela Universidade de Chicago
Prezados leitores, vendo hoje à tarde pela televisão o enterro de Eduardo Campos pude conhecer um pouco deste Recife histórico que foi a sede da Nova Holanda, a colônia no Brasil da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais de 1630 a 1654. Em seu livro Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda dá alguns motivos para o fato de os holandeses terem fracassado no Brasil. O tipo de colono que veio aos trópicos não era lá da melhor qualidade, eram aventureiros que queriam fazer fortuna rápido, e não pessoas que queriam criar vínculos, pois havia poucos incentivos para abandonar a República Holandesa no século XVII, que ia muito bem após sua independência da Espanha. Outro motivo dado pelo ilustre historiador paulista era que o holandês teve uma dificuldade muito grande em adaptar-se ao clima tropical, às gentes que se encontravam aqui, ao passo que os portugueses sempre foram muito mais flexíveis. O “espírito de empreendimento metódico e coordenado” não rendeu frutos em um ambiente em que predominava a “moral das senzalas”, “contemporizadora e narcotizante”.
É sempre difícil refutar ou aceitar explicações totalizantes como as que Sérgio Buarque de Holanda tenta dar em seu livro para o porquê de o Brasil não ter dado certo como os Estados Unidos deu, em termos de produção de riqueza e qualidade de vida da população. Nosso termo de comparação é sempre os Estados Unidos, devido às semelhanças de tamanho de território, de localização geográfica e de origem histórica. Digo totalizante porque Sérgio Buarque não trabalha com estatísticas, números, mas antes de tudo com uma narrativa em termos gerais, isto é, sem entrar em muitos detalhes históricos específicos, a respeito do tipo de colonização feita no Brasil, predatória, imediatista, que teria dado origem a uma determinada conformação espiritual e cultural presente até hoje por estas plagas. Essa é a explicação a que normalmente temos acesso na escola quando estudamos nossa história, que pode ser resumida na dicotomia colônia de exploração versus colônia de povoamento.
Tal tipo de porquê tem suas limitações, porque dificulta a descoberta de novos caminhos. Afinal, se tudo é uma questão de mentalidade que se formou então caímos no fatalismo de achar que só mudando a cabeça das pessoas, é que conseguiremso fazer com que as coisas avancem. E como mudar a cabeça dos brasileiros? Fazer uma reprogramação neurolinguística, algo que estava na moda há alguns anos? Sob esse ponto de vista, atermo-nos aos números do Brasil talvez seja mais profícuo porque pode nos mostrar caminhos concretos para a solução dos problemas. É o que faz o economista americanoScott Sumner que compara o Brasil não só aos Estados Unidos mas à China, e mostra como perdemos de goleada, afamigerada goleada do Mineirão, em vários quesitos.
Em termos de PIB, o Brasil cresceu em média 1,5% ao ano nos últimos três anos, ao passo que a China cresceu 7,5%.O PIB per capita do Brasil é de 12.200 dólares em termos de paridade de poder de compra, ao passo que nos Estados Unidos, este número fica em 53.100 dólares. Os gastos governamentais no Brasil respondem por 39% do PIB, o que é muito mais do que ocorre nos outros países latino-americanos, mas Scott Sumner aponta que gastamos mal, preferindo investir em aposentadorias do que na infraestrutura, ao passo que a China, nosso concorrente entre os emergentes, constrói estradas, portos, ferrovias e usinas hidrelétricasde maneira rápida e a um baixo custo.O autor também aponta que nos últimos anos o Brasil apostou na diminuição da desigualdade como único motor do crescimento econômico, mas chega à conclusão de que diante dos nosso números pífios de crescimento essa nova receita, proposta principalmente por economistas de esquerda, não rendeu lá muitos dividendos.
Diante desses números, Scott Sumner afirma categoricamente que o Brasil é e será eternamente o país do futuro, e que sua celebração como parte dos emergentes não tem sustentação na realidade. Por outro lado, ao contrário do nosso Sérgio Buarque de Holanda, o economista americano confessa não saber o porquê de sermos um fracasso relativamente a países de igual potencial em termos de recursos e geografia, apesar dos pontos positivos citados no início deste artigo.De qualquer forma, esses dados mostrados por ele apontam mais ou menos algumas das coisas nas quais devemos focar: fazer com queo Estado invista mais e melhor em bens públicos, isto é naquilo que vai beneficiar todos os brasileiros e não apenas certos grupos de interesse, tornar o gasto público mais eficiente, isto é, gerador de riqueza e não criador de dificuldades para os agentes econômicos.
Como fazer isso na prática? Por onde começar? Educar as pessoas para mudar a maneira de pensar, de votar, de agir? E como escolher as pessoas certas para começar o trabalho certode mudança das mentalidades por meio da educação se os eleitores continuam “mal educados”?Se ao menos pudéssemos encontrar a causa primeira dos nossos problemas e pudéssemos eliminá-la! A angústia é a mesma que nós brasileiros experimentamos diante do acidente que matou o candidato a presidente nascido na ex Nova Holanda. Terá sido falha mecânica? Falha do piloto? Pressão de Eduardo Campos sobre o comandante da aeronavepara voar de qualquer jeito? Mais uma peça pregada pelas brumas do litoral de São Paulo e do Rio de Janeiro, que já mataram outros políticos como Ulisses Guimarães, Severo Gomes e celebridades fugazes, como a namorada do herdeiro João Paulo Diniz (lembram-se deste caso?)?
Prezados leitores, como o brasileiro Artur Avila, um dos quatro ganhadores do Prêmio Fields de matemáticabem sabe, o buraco émais embaixo. Artur consagrou-se mundialmente tentando enquadrar em fórmulas numéricas os sistemas dinâmicos, que se caracterizam por sua imprevisibilidade. Talvez a melhor solução seja nos conformarmos que há uma série de variáveis que devem ser levadas em conta e que para conseguirmos montar uma equação que gere um resultado devemos pensar os desafios do Brasil como um combate em várias frentes. Adaptação ao clima tropical, mudança da mentalidade, ajustes na política econômica e por aí vai…Easier said than donecomo se diz em inglês. Minha perplexidade de brasileira frente aos nossos problemas é a mesma do economista americano. O consolo é que começar a fazer perguntas já éum início de solução. Ou não?