Na semana passada, a Guarda Civil da Espanha prendeu 21 usuários demídias sociais sob a alegação de estarem glorificando o terrorismo no Twitter e no Facebook. Quinze deles foram detidos nas regiões do Norte da Espanha de Navarra e do País Basco, uma área que sempre alimentou aspirações separatistas. Dois deles eram menores de idade. Caso sejam condenados, os usuários do Tweeteer e do Facebook podem pegar até dois anos de prisão.
Notícia retirada do site da Al Jazeera em inglês
Qualquer coisa que se mova na área, mesmo que seja uma criança de três anos, deve ser morta.
Justificativa dada por um comandantes israelense para a morte à queima roupa com 17 tirosde uma menina de 10 anos, Imana al-Hams,que entrou em uma área de segurança. Notícia tirade do site do jornal inglês The Guardian.
É isso que é a prisão: um clarão de luz que cega e uma cacetada que imediatamente coloca o presente no passado e transforma o impossível em uma realidade onipotente.
Trecho do livro “O Arquipélago Gulag” de Aleksandr Solzhenitsyn (1918-2008), escritor russo Prêmio Nobel de Literatura de 1970
Prezados leitores, finalmente iniciei a leitura de um livro que estava há tempos na minha lista, O Arquipélago Gulag, um testemunho da experiência do autor nos campos de concentração stalinistas. É uma leitura difícil, porque nos mostra o quão baixo o ser humano pode descer em termos de crueldade, ignorância, covardia e principalmente injustiça. Digo isso porque a injustiça flagrante é algo que penetra fundona alma de qualquer um e faz com que na sociedade predomine a desconfiança, a corrupção, o cinismo. Não admira que atualmente a Rússia, depois de 70 anos sob o regime bolchevique, seja hoje caracterizada pela onipresença das máfias, a taxa de crescimento populacional eja negativa (-0.03 estimada para 2014) e que a expectativa de vida dos homens seja tão baixa, de 64 anos. Demorará muito para que o vácuo moral deixado pelo comunismo seja remediado. Afinal, o regime exigiu sacrifícios enormes da população em termos de vidas perdidas para nada, a não ser auto-perpetuar-se até morrer de esclerose múltipla em 1991.
Solzhenitsyn descreve como as prisões eram arbitrárias, condicionadas muito mais pela necessidade dos órgãos de segurança de cumprir quotas do que por uma ameaça real. O objetivo era muito mais causar medo à população pelo caráter errático das acusações e assim minar qualquer atividade contrarevolucionária. De qualquer forma, o importante era cortar o mal pela raiz e evitar qualquer possibilidade de resistência de grupos que pudessem não concordar com o comunismo bolchevique.Daí a prisão dos kulaks, os camponeses prósperos que foram os maiores afetados pela coletivização forçada da agricultura e pelo confisco de produtos para o bem do socialismo, das pessoas que teimavam em ter fé religiosa, da classe média de profissionais que compunham a burguesia, mesmo de oficiais do Exército Vermeho cujos valorosos serviços prestados ao país na guerra contra a Alemanha não os imunizaram contra a detenção, caso do autor. Algo que deixou-me particularmente indignada foi o tratamento diferenciado que era dado aos diferentes tipos de mulheres presas nas ondas dos expurgos stalinistas da década de 30. As prostitutas, criminosas comuns, tinham status privilegiado. Conseguiam continuar trabalhando, servindo os chefes dos campos e ainda depois de cumprir a sentença voltavam para casa cheias de bens. As mulheres que tinham sido presas por suas convicções religiosas, ao contrário, eram consideradas perigosas ameaças ao sistema e por isso quando saíam da prisão não tinham direito de voltar aos seus locais de origem, para não continuar suas atividades “subversivas”. Essa diferença entre os criminosos comuns e os políticos é retratada no filme Caminho da Liberdade, de Peter Weir, em que o personagem Valka, vivido por Colin Farrell, era um ladrão, assassino e tinha Stalin tatuado no peito, por admirar o fato de ele “tirar dos ricos para dar para os pobres”. Após fugir do Gulag para não ser morto por ter dívidas na prisão, ela acaba voltando porque não saberia viver como um homem livre, considerando a prisão um local melhor.
Ao mostrar as entranhas do comunismo, o Arquipélao Gulag ajudou a derrubar um império, como disse a escritora Doris Lessing, pois desmascaroua fachada igualitária do comunismo. A única igualdade que havia era a submissão de todos ao regime, que deveria ser preservado a qualquer custo, especialmente ao custo de milhões de pessoas talentosas, inocentes, que nunca haviam feito mal a ninguém, que haviam contribuído a seu modo à sociedade, mas que foram moídas na máquina totalitária,tachadas de contrarevolucionários a serviço da burguesia.
Prezados leitores, a tragédia de nós homo sapiens, é que se individualmente conseguimos aprender com nossos erros, coletivamente acabamos sempre repetindo-os, o que nós faz vulneráveis às tiranias. Parece estar se desenhando no mundo um regime com alcance global que tem seus próprios inimigos, os tais dos terroristas. Estes podem ser espanhóis insatisfeitos com a crise econômica que acomete o país e que procuram uma solução no separatismo, podem ser palestinos que defendem o direito de permanecer na Faixa de Gaza e lá construir um Estado Soberano, podem ser muçulmanos egípcios descontentes com seu governo corrupto. Todos são colocados no mesmo balaio e a palavra terrorista serve para dar uma fachada de respeitabilidade a tudo que se faz para a manutenção dos poderosos em suas respectivas posições de privilégio. Chamar os palestinos de terroristas é conveniente a Israel, que já matou 1.752 pessoas neste mais recente conflito, e que claramente parece querer reduzir a população dos inimigos e confiná-los em guetos como ocorria nos bantustões da África do Sul.Há inclusive um deputado do Knesset (Parlamento de Israel), Moshe Fleigin, que enviou uma carta ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu defendendo abertamente o extermínio dos inimigos islâmicos e o envio dos restantes a um acampamento a ser construído na Península do Sinai.Prender pessoas que defendem a separação de certas regiões da Espanha é conveniente ao governo espanhol, o qual ao chamar os críticos do regime de terroristas escamoteia sua própria incompetência causadora de uma situação tão ruim que faz as pessoas pensarem em separar-se.
A esta altura devo confessar uma coisa: tenho muito medo de um dia ser considerada terrorista. É verdade que tomo minhas precauções e não tenho conta no Twitter e nem no Facebook para não dar bandeira, mas num mundo em que a espionagem norte-americana é onipresente, nunguém está a salvo. Meu único alívio é saber que sou lida por pouquíssimas pessoas e que escrevo em uma língua que tem pouca relevânciano mundo virtual, onde predomina o inglês. De qualquer forma, se algum dia eu ficar algumas semanas sem publicar nada neste meu humilde espaço, sem qualquer explicação, podem ter certeza que estarei em algum novo Gulag, que com certeza terá um outro nome, mas que terá a mesma natureza que o outro, pois contrarevolucionários e terroristas são todos os que ameçam de alguma forma aqueles que estão no poder. Torçam por mim!
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