Tony Blair – o enviado de paz para o Oriente Médio – organizou uma festa de arromba para sua esposa sexta-feira à noite no seu refúgio rural em Buckinghamshire, ao mesmo tempo em que o tenebroso número de mortos no conflito em Gaza já passou de 1.050.
Ele deu a festa surpresa de 60 anos para Cherie na mansão rural South Pavilions que custou seis milhões de libras esterlinas e pertencia a John Gielgud, convidando 150 dos seus amigos mais íntimos, que incluíram ex-ministros trabalhistas, assim como ricos homens de negócio e celebridades da TV.
Trecho de notícia extraída da edição eletrônica do jornal Daily Mail de 26 de julho de 2014
(…)a mim parece altamente provável que em 2033 será revelado repentinamente que Tony Blair enganou a Câmara dos Comuns e o público a respeito da invasão do Iraque e a polícia será vista carregando plásticos pretos de fora das casas de repouso e asilos habitados por antigos membros do seu gabinete (…)
Retirado do artigo “Uma caça às bruxas tipicamente britânica” do jornalista inglês Rod Little, publicado na revista britânica The Spectator de 12 de julho de 2014
Prezados leitores, um dia desses estive assistindo no Youtube à entrevista dada ao programa Roda Viva em 24 de março de 2014 pela escritora Adélia Prado em que ela citava o sociólogo francês Jean Baudrillard (1929-2007), autor do livro de ensaios “A Transparência do Mal”, com reflexões sobre a tal da pós-modernidade, isto é a era pós 1960, feita de simulações, reproduções e ecletismo.Adélia aplicava a teoria de Baudrillard à cena política brasileira em que o desencanto é tão grande, o mal é tão transparente, que a melhor opção seria nas próximas eleições não votarmos em ninguém, porque nenhum dos candidatos inspira nossa confiança, nenhum encarna um ideal.
Não consigo deixar de pensar que a epítome deste estado espiritual da nossa era é o ex primeiro-ministro britânico Tony Blair, hoje com 61 anos. Ninguém na cena internacional encarna melhor este vácuo moral do que um homem que depois que deixou o mais alto cargo do governo do seu país amealhou uma fortuna estimada em cerca de 50 milhões de dólares dedicando-se a atividades das mais variadas, incluindo a consultoria a países subdesenvolvidos e emergentes e debates públicos em defesa da fé recentemente descoberta no Catolicismo. Sua mais nova máscara é a de enviado de paz ao Oriente Médio, com a missão de facilitar um acordo de paz entre israelenses e palestinos.
Digo máscara porque todos sabemos que nunca haverá paz naquela região e o próprio Tony Blair sabe disso. Em vez de perder seu tempo em Israel onde o pau come solto ele dedicou-se a organizar o rega-bofe para sua amada esposa, em que os convidados eram revistados por policiais antes de terem acesso ao local. Provavelmente o senhor Blair deve ter medo de terroristas, os terroristas da Al-Qaeda no Iraque ou os terroristas do Hamas na Palestina, quem sabe? Afinal, o que não faltam no mundo são terroristas, e precisamos de homens como Blair, que não descuida da guerra ao terror até em seu próprio refúgio idílico na zona rural da Inglaterra.
Mas o importante é que, para uma celebridade como o ex primeiro-ministro britânico os fatos são irrelevantes. Em 19 dias de combate, 1.033 palestinos morreram, seis mil ficaram feridos e mais de 160.000 são considerados agora refugiados. Do lado israelense, 42 militares e três civis perderam a vida, e 138 soldados ficaram feridos. Esta é apenas mais uma escaramuça: em 2006 Israel lutou contra o Hezbollah, em 2009 Israel lançou a operação Chumbo Fundido, em 2012, houve a operação Pilar de Defesa. Ou seja, tais embates são cíclicos obedecem a um script, e as partes desempenham seu papel: os atores principais são atualmente o governo do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, eo Hamas que controla a Faixa de Gaza. Um não pode viver sem o outro.
De fato, Bibi precisa de um inimigo como o Hamas, cujos membros se escondem entre civis, usam áreas civis para lançar mísseis e escavam túneis para realizar atentados e sequestrar militares israelenses. Sem que houvesse esse comportamento de guerrilha combatente disposta a colocar em risco a vida de inocentes em nome da causa, o governo de Israel não poderia tachá-los de terroristas e não poderia justificar a morte de crianças, mulheres e velhos, o que viola as Convenções de Genebra. Por outro lado, o Hamas não pode existir sem um inimigo como o governo de direita atualmente em Israel, porque a desproporção das mortes mostra quão diabólicos são os “judeus” e reforça a imagem de mártires da causa islâmica do Hamas. Em suma, este radicalismo das partes é bom para ambos os lados, permite ao Hamas posar como defensor legítimo dos muçulmanos e permite a Israel ir fazendo aos poucos alimpeza do terreno e ir confinando os palestinos a certas áreas, tais como os bantustões que existiam na África do Sul.
O enviado de paz Tony Blair surge aí como ator coadjuvante: seu papel é de manter as aparências de que alguém está seriamente preocupado em fazer com que as partes cheguem a um meio termo. Claro que ninguém está. Quem se importa com os palestinos que vivem no gueto de Gaza? Tanto o Hamas como o governos israelense os utilizam como instrumento de sua política, num caso como escudo no outro como alvo preferido de ataques. É verdade que tem havido protestos em todo o mundo contra os excessos da guerra,mas tudo parece ser fogo fátuo. Acredito que só haveria a possibilidade de mudar o comportamento do governo israelense se pudesse ser organizado um boicote por parte de consumidores de todo o mundo de produtos israelenses e que só haveria a possibilidade de mudar o comportamento estúpido do Hamas de lançar foguetes que não cumprem nenhum objetivo militar além de dar uma desculpa para os ataques israelenses se os palestinos começassem a perceber que o martírio e o sofrimento eternos não os levarão a lugar nenhum.
Tenho certeza que Tony Blair, depois do descanso merecido, voltará a dar as caras no Hotel King David em Jerusalém e dar uma olhadinha em como as coisas estão. E tenho certeza que infelizmente a verdade sobre o grande personagem será revelada tarde demais, quando ela não for maisofensiva a ninguém e em 2033 o mundo descobrirá que Tony Blair era um grande factóide pós-moderno.