“Ocupamos durante cinco meses a frente da Assembleia Legislativa, cheios de boas intenções”, lembra um estudante de Direito de 22 anos. “Apresentamos uma pauta de reivindicações. Não deu em nada. Manifestação pacífica não dá resultado.”
Trecho tirado do artigo “Black Blocs prometem caos com a ajuda do PCC”, publicado no jornal O Estado de São Paulo em 1 de junho
“A partir do momento em que há vândalos no meio disso, mascarados… A segurança pública tem de conter esses vândalos. Parece que as pessoas acordaram [para os problemas do país], mas acordou todo mundo junto. Ninguém sabe como fazer ou por onde ir. A população tem de protestar sem violência. Nos vândalos, mascarados, tem de baixar o cacete mesmo”
Trecho de entrevista dada por Ronaldo o Fenômeno, membro do Comitê Organizador da Copa, ao site de notícias UOL
Prezados leitores, este próximo mês de junho nos promete grandes coisas. Além de cinco feriados (ao menos) por conta dos jogos do Brasil na Copa, veremos talvez surgir um novo bloco carnavalesco na Avenida, aquele formado pelos Black Blocks e pelo PCC. Uma junção entre a “bourgeoisie oisive” que bebe nas fontes do anarquismo e do marxismo para rebelar-se contra o Estado capitalista opressor, e a máfia do PCC, que procura criar o caos para chantagear as autoridades e conseguir vantagens para seus membros. Se tal bloco realmente conseguir desfilar e não se dispersar na Avenida, será uma combinação perfeita de sinergias, como diriam os administradores de recursos humanos. De um lado, a capacidade do PCC de espalhar boatos, de semear o medo, de jogar uma pedra na água e causar um maremoto, e de outro lado o idealismo dos jovens que se insurgem contra a incapacidade do Estado brasileiros de prover serviços básicos à população. Seria inútil eu tentar aqui fazer um prognóstico sobre o que realmente vai acontecer, afinal não sou agente de inteligência da polícia nem estou infiltrada nos grupos. Pode ser que essa união dos titãs revele-se um factóide do tamanho do bug do milênio que iria causar um desastre de proporções bíblicas, lembram-se?
Para todo cidadão de bem, cumpridor das suas obrigações, nada resta a não ser fazer coro com a opinião de Ronaldo, o Fenômeno e tachar os Black Blocs de vândalos. Em primeiro lugar, o membro do Comitê Organizador da Copa é uma das únicas personalidades brasileiras alçadas ao panteão das celebridades globais, e só por isso deve ser sempre ouvido, em todas as ocasiões e a respeito de todos os assuntos. Afinal, em janeiro de 2014 Ronaldo, estando em Davos enquanto desenrolava-se o Fórum Econômico Mundial, do qual participou, foi entrevistado pela Rede Globo e teceu perorações sobre a economia brasileira. Se Ronaldo é instado a falar sobre áreas fora de sua especialidade porque é uma celebridade, como não ouvi-lo a respeito de Copa do Mundo? E como não concordar com o bom senso da sua definição? De acordo com o dicionário Houaiss, vândalo é “que ou aquele cuja ação ou omissão traz prejuízo à civilização, à arte, à cultura”. Melhor definição não haveria para um grupo de pessoas que ao quebrar vitrines de lojas, destruir caixas automáticos de bancos, atear fogo nas ruas, depredar patrimônio público nada mais faz do que manchar a reputação do nosso país. Se de fato fizerem tudo que prometem e barbarizarem durante a Copa, corremos o risco de sermos vistos com um novo Haiti, um Congo, uma Ruanda da vida, em que a tensão entre os diferentes grupos irrompe de maneira imprevisível e violenta. De membro dos BRICs passaremos a ser vistos como parte dos Estados Párias, os “failed states”, caracterizados por instituições tão fracas que são incapazes de garantir um mínimo de ordem necessário ao progresso social.
E no entanto, apesar de saber que a desordem vai prejudicar todos que têm algo a perder neste país, devo admitir que a fala do estudante de 22 anos deu-me o que pensar. Afinal, depois de todas essas manifestações pacíficas que tivemos nos últimos anos, ao final das quais as pessoas bem-intecionadas soltavam pombas da paz, o que tivemos de resultado concreto? Por acaso a violência diminuiu? Por acaso nossas autoridades sensibilizaram-se com as pombas voando no céu azul e tornaram-se mais competentes, menos preocupadas com seus interesses mesquinhos de perpetuarem-se no poder?
Nossos líderes mentiram para nós quando disseram que a Copa seria financiada com dinheiro privado e quando a verdade foi revelada a respeito dos investimentos públicos massivos ninguém assumiu a responsabilidade pela mentira, e muito menos se desculpou. Quando os brasileiros foram às ruas de maneira relativamente ordeira durante a Copa das Confederações em 2013 a única coisa que conseguimos foi uma garantia de Dona Dilma de que os empréstimos dados pelo BNDES para a construção dos elefantes brancos serão devidamente cobrados, como se a concessão do crédito não fosse em si um escândalo. Como confiar nas garantias de uma senhora que quando era membro do Conselho de Administração da Petrobrás deu seu aval à compra desastrosa de uma refinaria no Texas e quando a verdade veio à tona, desculpou-se dizendo que não havia prestado atenção a uma certa cláusula do contrato? Será que Dilma daqui a alguns anos, se ainda for presidente e diante dos primeiros calotes dados nos empréstimos, dirá que não prestou atenção à capacidade de pagamento do Esporte Clube Corinthians quando nos garantiu que o povo brasileiro não seria lesado?
A desfaçatez não é exclusividade do Executivo, pois o Legislativo também ignora solertemente qualquer preocupação com a decência. Em 29 de maio foram aprovadas duas emendas do Senado à Medida Provisória 638/2014, que amplia o parcelamento de débitos tributários (o chamado Refis da Crise). A mensagem subliminar é: “Espertos do Brasil Varonil, deem calote nos impostos e serão recompensados de tempos em tempos com um parcelamento, porque quem espera sempre alcança! Otários do Brasil, continuem cumprindo religiosamente suas obrigações e poderão apreciar muitas pombas voando no céu! Aliás, a companhia Vale, com fé, esperou pelo REFIS e deu um calote de 45 bilhões de reais na Receita Federal em tributos sobre o lucro de suas subsidiárias no exterior. Seu mau comportamento foi recompensado: pagou em novembro 5,965 bilhões ao Leão e vai parcelar 16,36 bilhões em 179 meses.
Prezados leitores, não tenho receita para lutar contra a desfaçatez das nossas autoridades. Não concordo com os Black Blocs, mas também não sou ingênua a ponto de achar que pedidos educados de reconsideração vão fazer com que os privilegiados do Brasil larguem o osso. Que ao menos o bloco carnavalesco Black Blocks-PCC, se realmente vier a dar o ar de sua graça, cause menos estragos do que ameaça fazer e deixe as pombas brancas voarem em paz.