Bote fé no velhinho, que o velhinho é demais, bote fé no velhinho que ele sabe o que faz
Jingle do deputado Ulysses Guimarães para a campanha presidencial de 1989
Prezados leitores, nesta semana vou deixar meu azedume de lado. Sei que a maioria dosmeus artigos fala mal de alguma coisa, da Copa dos elefantes brancos, das eleições pautadas pela gangorra das pesquisas, das inconsistências da política externa americana e por aí vai. Hoje vou falar de uma iniciativa de uma escola de inglês de São Paulo, cujo nome não vou dar porque não estou sendo paga para fazer propaganda. Tal iniciativa é proporcionada pela tecnologia no seu lado luminoso, o de proporcionar a pessoas que jamais teriam se conhecidoque entrem em contato e realizem uma verdadeira comunicação, baseada na troca de experiências, de impressões mutuamente enriquecedoras. Isso era o que sempre se esperou da internet, mas a ideia sempre fica muito além da realidade, como pudemos ver no linchamentode Fabiane Maria de Jesus, tornado uma realidade por causa de uma página no facebook.
O lado luminoso de que vou falar aqui é o das conversas online. A escola colocou recentemente em prática em caráter experimental o projeto deconectar seus estudantes de inglês em Sâo Paulo com velhinhos americanos que moram em um asilo em Chicago. O objetivo é que os alunos ouçam falantes nativos e possam conversar com eles de acordo com uma pauta previamente elaborada. Uma vez a pauta sendo concluída o jovem brasileiro e o senhor ou senhora nos Estados Unidos podem falar de maneira mais livre. O chat é então gravadoe carregado no youtube, acessível pelos professores da escola para fins de avaliação do desempenho do aluno em conversação.
Assisti a alguns trechos de conversas. Uma adolescente brasileira comete o erro comum de dizer “I have thirteen years old” em vez do correto “I am thirteen years old” e sua interlocutora americana a corrige gentilmente. Em um outrochat um adolescente reclama deos seus pais não lhe terem permitido ir ao Lollapalooza ao que o velhinho retruca: “Que bom, isso significa que são bons pais.” Um menino de ascendência japonesa até convida seu amigo de 88 anos a hospedar-se em sua casa quando vier ao Brasil. Pode até ser que seja uma balela, afinal sabemos como nós brasileiros falamos muita coisa da boca para fora simplesmente para terminarmos uma conversa com um “passa lá em casa”, sabendo que isso nunca ocorrerá. De qualquer forma é um indício de que houve uma interação.
O que a mim parece fantástico é que seja feita essa ponte entre o passado e o presente. Vivemos em uma sociedade pautada pela mentalidade da versão mais atualizada do WINDOWS, em que sob um certo aspecto os pais têm necessariamente uma posição inferior aos filhos porque são mais antigos e entendem menos da parafernália tecnológica. O resultado muitas vezes é que veem-se os pais correndo atrás dos filhos, tentando manter-semodernos e nessa corrida maluca muitas vezes acabam não desempenhando o papel que lhes cabe de orientar e dar segurança aos pequenos. Pois bem, esses meninos e meninas brasileiros terão a experiência única de conversar com pessoas que, independentemente deseu nível cultural ou econômico, têm um mundo de coisas a lhes oferecer por conta simplesmente do número de quilômetros rodados.
Está aí uma coisa que se perdeu em nossa sociedade tecnológica, essa passagem do bastão de uma geração à outra pela transmissão de conhecimentos e valores. Pessoas como veículo disso tornaram-se totalmente redundantes: a internet é fonte inesgotável de conhecimentos acessíveis instantaneamente, os valores morais, se é que alguma importância é dada a esse tipo de bagagem, são obtidos pelos relacionamentos virtuais.A posição do indivíduo na sociedade, seu status, está cada vez mais ligado àquilo que ele faz no mundo virtual, às fotos postadas, aos comentários feitos, enfim à imagem projetada nas redes sociais.Nesse sentido, não espanta que Júlia Rebeca, de 17 anos, moradora de Parnaíba no Piauí, tenha se matado depois que um vídeo íntimo seu, mostrando cenas de sexo dela com uma garota e um rapaz, foi divulgado na internet. Afinal a identidade dela tinha sido chamuscada, porque ela pareceu ser uma vadia devido aos seu papel no vídeo. Na sua despedida da mãe, também feita por meio virtual sua vergonha fica óbvia: “Eu te amo, desculpa eu não ser a filha perfeita, mas eu tentei… Desculpa, desculpa, eu te amo muito.”
Se o julgamento da sociedade sobre nossa bondade ou maldade fica cada vez mais dependente do que somos no espaço virtual, a possibilidade que o contato com os moradores do asilo americano dá de os jovenssaberem que houve um dia um mundo em que não havia internet é fantástica, pois mata dois coelhos com uma cajadada só. Não tira o adolescente do século XXI do seu ambiente natural, do local onde ele nasceu, vai crescer e morrer, mas ao mesmo tempo lhe oferece outras perspectivas, especialmente a de conversar com pessoas que acham natural dar conselhos, que acham natural que haja uma hierarquia no mundo em que os mais velhosensinam aos mais novos. Humildade para quem está se iniciando nesse nosso vale de lágrimas é sempre uma grande qualidade e esses adolescentes poderão experimentar esse sentimento ao falarem com vetustos senhores esenhoras que para começar falam um inglês bem melhor que o deles e do que o de seus professores brasileiros.
Eu particularmente não consigo imaginar o que teria sido de mim sem o contato com os mais velhos. Lembro-me de quanto eu conversava com a mãe da minha mãe, de quantas histórias ela me contava da sua infância, do seu típico pai pater familias, que sempre tinha a última palavra a respeito do que os filhos deveriam ou não fazer. Meu outro contato seminal com uma velhinha deu-se quando uma ex colega de trabalho da minha mãe, uma viúva austríaca que havia se casado com um brasileiro, quebrou o fêmur e pediu ajuda a nós. Eu me prontifiquei a fazer coisas para ela durante seu período de convalescência por puro interesse: eu podia falar inglês com ela e ela cozinhava divinamente. O resultado foi uma troca mutuamente proveitosa: anos e anos eu lhe fiz companhia nas noites de sábado e anos e anos eu me embeveci com suas peripécias durante a Segunda Guerra Mundial, sua fuga dos russos que estupravam sistematicamente as mulheres, o bombardeio incessante, seu trabalho de intérprete para a CIA no interrogatório de uma irmã do famigerado Adolf Hitler.
Eu posso estar sendo levianamente otimista, mas acho que esse projeto for adiante, a vida desses adolescentes nunca mais será a mesma, e eles se entenderão muito melhor. Meninos e meninas do Brasil, botem fé nos velhinhos!