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Eu quero a frota russa!

Posted by on 29/09/2013

Que tipo de sociedade os Estados Unidos se tornariam: uma economia industrial urbana auto-suficiente que se beneficiaria de níveis crescentes de produtividade e salários, ou uma economia de exportação dependente cada vez mais da Grã-Bretanha para conseguir produtos manufaturados e de alta tecnologia?

America’s Protectionist Takeoff 1815-1914, The Neglected American School of Political Economy de Michael Hudson

    Prezados leitores, tenho falado muito de leis ultimamente, embargos infringentes, duplo grau de jurisdição e toda essa barafunda de conceitos jurídicos que para a maioria da população não significa nada. De fato, enquanto nossos eminentes advogados discutiam se os mensaleiros teriam direito a uma nova etapa processual, o povo, ou uma parte dele, fazia justiça a seu modo. No mundo paralelo daqueles que têm sede de vingança, e não de direito, os quatro acusados de participarem de um assalto na periferia de Sâo Paulo que levou ao assassinato à queima roupa de um menino boliviano de dois anos foram julgados e sentenciados. Todos foram mortos de uma forma ou de outra, sendo que um deles foi obrigado a tomar um coquetel composto de creolina, cocaína e Viagra dentro da prisão. Esses pobres coitados não tiveram e jamais teriam a oportunidade de chegar à fase dos embargos infringentes, ficaram muito atrás na fase da investigação policial que se tiver sido falha terá levado ao assassinato de inocentes.

       Vivemos em um país em que a alguns são dadas todas as garantias de defesa e a outros não é dada nem ao menos uma morte digna. Se isso não mostra o grau de fantasia a que chegamos em matéria de justiça, então não sei o que é capaz de deixar as coisas mais claras. No entanto, há outros domínios em que as inconsistências são flagrantes e um deles é a economia, mais particularmente a questão da infraestrutura. Em primeiro lugar, preciso desculpar-me por voltar a esse assunto, mas a culpa não é minha, a culpa é dos jornais que não se cansam de martelar a respeito dos nossos gargalos: estradas esburacadas, portos que não dão conta do escoamento da soja, leilões fracassados, preparação deficiente de editais de concorrência. Nesta semana, devo também atribuir a culpa dos meus pensamentos sobre infraestrutura a um programa de rádio sobre os 150 anos da chegada da frota russa para ajudar os ianques na Guerra Civil Americana. Para quem quiser, está no seguinte sítiohttp://tarpley.net/2013/09/27/tarpley-at-national-press-club-for-150th-anniversary-of-russian-fleets-of-1863/.

       Para aqueles que não têm tempo nem paciência de ouvir toda a locução, vou fazer-lhes um breve resumo. A Rússia foi a única potência estrangeira que de fato interveio na Guerra de Secessão, contribuindo com o envio de navios para defender Sâo Francisco dos Confederados. Além disso, ela deixou claro à Grã-Bretanha que se esta interviesse em favor do Sul, isso significaria guerra. E por que àquela época os russos eram tão amigos de Abraham Lincoln, Cassius Marcellus Clay (por favor, ele não é antepassado do boxeador, mas um abolicionista) e Henry Clay (primo do falso boxeador e proponente de um plano econômico denominado Sistema Americano). Ora, a Rússia e a União tinham como inimigo comum a Grã-Bretanha e por isso consideravam-se almas gêmeas: ambos queriam se desenvolver, emancipar-se da potência dominante que ditava as regras do jogo e os modos de pensar.

        A Grá Bretanha ao final do século XIX era a pátria dos grandes economistas liberais, John Stuart Mill, Adam Smith, David Ricardo, economistas que defendiam a ideia das vantagens comparativas, de que um país como os Estados Unidos estava fadado ao crescimento porque a quantidade ilimitada de terras lhes permitiria viver da exploração de seus recursos naturais, pagando salários de subsistência aos trabalhadores. Tais ideias eram extremamente úteis aos ingleses, que poderiam se beneficiar dos preços baratos do algodão plantado no Sul dos Estados Unidos e da sua própria posição de predominância na fabricação de manufaturados. Um mundo harmônico sem dúvida, cada um explorando suas vantagens comparativas, os Estados Unidos na agricultura, a Grã Bretanha na indústria.

       Mas os emergentes daquela época, a Rússia e os Estados Unidos, se rebelaram, não queriam seguir o script ditado pela Grã Bretanha que afinal só mantinha o status quo. Viam o liberalismo como umapolítica que lhes arruinaria qualquer perspectiva de crescer de maneira sustentável. Na Rússia, o tzar Alexandre libertou os servos. Criou-se nos Estados Unidos a Escola Americana de Economia, pautada pelo protecionismo, pela mão de obra livre e bem remunerada que pudesse consumir os produtos caros feitos pelos ianques que ainda não tinham adquirido a vantagem comparativa dos seus concorrentes ingleses. Isso tudo regado a muita ajuda governamental, na forma de tarifas alfandegária altas e investimentos em infraestrutura…

      E aqui amarro as duas pontas, como diria Machado de Assis e chego ao nosso Brasil varonil. A Rússia e os Estados Unidos tiveram destinos diametralmente opostos no século XX: com a vitória dos ianques na Guerra de Secessão as políticas preconizadas pela Escola Americana de Economia foram executadas a pleno vapor e a América do Norte deslanchou, num círculo virtuoso de crescimento sustentado que perdurou até a década de 70 do século XX. A Rússia embarcou no comunismo como meio de libertação, com as consequências desastrosas que se desenrolaram no século XX. E o Brasil? Nosso Brasil tem pela frente os mesmos desafios que aqueles gigantes enfrentaram há quase 200 anos. Como conseguir o crescimento contínuo necessário para enriquecermos, para mudarmos de patamar? Como conseguir a infraestrutura necessária para que os agentes econômicos possam fazer sua parte?

     Em todos os veículos da mídia ouvimos que o governo é o problema, que o governo deveria estabelecer regras claras, dar segurança aos investidores, que o governo é incompetente, que o governo não sabe lidar com as empresas privadas, que o governo não estabelece política econômica e fiscal consistentes, etc. Tudo isso pode ser verdade e eu não nego. Mas se o governo age mal, e de maneira persistente ao longo de séculos no Brasil, é porque há grupos de pessoas que se beneficiam dessa incapacidade de gerir a coisa pública. Senão conseguimos investir 13,4% do PIB como fez a China e construírmos 35.000 quilômetros de ferrovias como fizeram os chineses nos últimos 25 anos, é porque há grupos que criam as dificuldades para vender asfacilidades. Afinal, se o governo é incompetente, então contratemos empresas privadaspara preparar editaiscontroladas pelos bancos que vão oferecer o financiamento para as obras, contratemos concessionárias para fazer manutenção em estradas em troca de pedágios escorchantes, e por aí vai..

      Gasta-se muita tinta para falar sobre os problemas estruturais do Brasil, e pouco fazemos na prática. Talvez fosse o caso de chamarmos a frota russa do Pacífico para nos dar uma ajuda.

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